Mestre e Doutora em Teoria Geral do Direito e Filosofia do Direito pela PUCSP. Livre-docente e Titular de Direito Civil da P U C S P por concurso de títulos e provas. Professora de Filosofia do Direito, de Teoria Geral do Direito e de Direito Civil Comparado nos cursos de pós-graduação (mestrado e doutorado) em Direito da PUCSP. Coordenadora do Núcleo de Pesquisa em Direito Civil Comparado nos cursos de pós-graduação em Direito da PUCSP. 1. T e o r i a G e r a l cio D i r e i t o C iv il 29a edição 2012 S WÊk Editora Saraiva Sobre a autora Detentora de inúmeros prêmios desde os tempos de seu bacharelado na PUCSP, a autora tem brilhante carreira acadêmica, com cursos de especialização em Filosofia do Direito, Teoria Geral do Direito, Direito Administrativo, Tributário e Municipal. Fez o Mestrado na Faculdade de Direito da USP e o Doutorado na PUCSP, tendo nesta última obtido os graus de Mestre, Doutora, Livie-Docente e Titular, por concurso de provas e títulos. Maria Helena Diniz é Professora Titular de Direito Civil na PUCSP, onde leciona essa matéria nos cursos de graduação e pós-graduação, e Coordenadora do Núcleo de Pesquisa em Direito Civil Comparado nos cursos de pós- -graduação em Direito. Também leciona Direito Civil Comparado, Filosofia do Direito e Teoria Geral do Direito nos cursos de pós-graduação (mestrado e doutorado). É parecerista e autora de mais de trinta títulos publicados pela Editora Saraiva, além de ter traduzido consagradas obras do direito italiano e escrito mais de cinqüenta artigos em importantes revistas jurídicas nacionais e internacionais. Todas as suas obras têm alcançado excelente aceitação do grande público profissional e universitário, como a presente coleção Curso de direito civil brasileiro (8 volumes), que é maciçamente adotada nas faculdades de Direito de todo o País. Igual caminho têm seguido seus outros títulos: » A ciência jurídica • As lacunas no direito 8 Atualidades jurídicas (em coordenação — 5 volumes) • Código Civil anotado • Código Civil comentado (em coautoria) • Comentários ao Código Civil v. 22 • Compêndio de introdução à ciência do direito • Conceito de norma jurídica como problema de essência • Conflito de normas • Dicionário jurídico (4 volumes) • Dicionário jurídico universitário • Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro interpretada • Lei de Locações de Imóveis Urbanos comentada • Lições de direito empresarial • Manual de direito civil o Norma constitucional e seus efeitos • O estado atual do biodireito • Sistemas de registro de imóveis • Tratado teórico e prãüco dos contratos (5 volumes) É incontestável a importância do trabalho desta autora, sem dúvida uma das maiores civilistas de todos os tempos. A E d itora n g g BUte. ^ jp B Saraiva ISBN 9 7 8 -8 5 -02 -01 797 -9 obra completa ISBN 97 8 -8 5 -0 2 -1 4 3 3 4 -0 volume 1 Rua Hennque Sdiaumann, 270, Cerçtieira César — São Paulo — SP CEP 05413-909 PABX: (11) 3613 3000 SACIUR: 0800 055 7688 iw De2»a 6* das 8 :3 0 òs 19:30 / somivoiui@eiliforasoroivo.com.br ; Acesso: wmsoroiva[w.cem.br • . ' . . • FILIAIS AMAZOHAS/ROHDÔHIA/RORAIMA/ACRE : ' 1 í Rua Costa Azevedo, 5 6 - Cenlrà . Fone: (92) 3 6 3 3 ^ 2 2 7 - Foç (92) 3633-4782-A ta c u s . v " BAHIA/SERGIPE . Ruo Agnpíno Odreo, 2 3 — Fone: Í71) 3381-5854/3381-5895 . fox: {71) 3381-0959—Salvador BAURU (SÃO PAULO) Run Monsenhor Claro, 2-55/2-57 - Fone: ( U ) 3234-5643- h z 0 4 ) 3234-7-401 - t o r a - . . ceabA /piauI /m arahhão Av. Filomeno Gomes, 6 7 0 - Jocoreconga Fone: (85) 3238-2323 /323B-1384 : ^ . Fox: (85) 3238-1331 - . ; . DISTRITO FEDERAL SIA/SUL Tredio 2 Lote 850— Setor da Indústna a Fone (6 )) 3344-2920 / 3344-2951 - Fox: (61) 3344-1709 — / g o iâ sao c ah h h s . . . i; Av. Independendo, 5330 —Setor Aeroporto ■ : ' ' ■ : : , Fons: (62) 3225-2882 / 3212-2806 ^ v :v .’ . V . ' - ' ' V v Fox: (62) 3224-3016 - Goiânia MATO GROSSO 0 0 SUl/WATO GROSSO Rua 14 ds Julho, 3148 - Cejilra Fone: (67) 3382-3682-F o x : (67) 3382-0112-Campo Grande MINAS GERAIS Rua Âféni Paraíba, 449— Fone: (31) 3 4 2 9 -8 3 0 0 -Fax: <31) 3429-8310 - Belo Horizonte PARÁ/AMAPÁ Travessa Apinagés, 186-Batista Campos’ Fone: (91) 3222-9034/3224-9038 Fax: (91) 3241-0499-Belém parahA /sahta catarina Ruo Conselheiro Lauiuida, 2895—Prado Velha ’. v ' í Fone/Fax: (41) 3332-4894-Cuiiübs PERNAMSUCO/PARAlBA/R. g. do no kie/ alagoas > Ruo Corredor do Bispo, 185-B o a Vista : , Fane: (81) 3421-4246 - Fax: (81) 3421-4510 - RIBEIRÃO PRETO (SÃO PAULO) ; Av. Fmnãsra Junquelrà, 1255 Centro - ■' Fone: (16) 3610-5843 - Fax: (165 3610-8284-E b e M o Prelo:'V ■:- RIO DE JANEIJlO/ESPiRITOSAHTO V f ' Ruo Visconde de Santo Isabel, 113 a l i 9 - Vila Isobel. ; . Fone: (21) 2577-9494-F a x : (21) 2577-8867./2577-9565-RiadeJoneiro MO GRANDE 00 Sül ’ Av. k. J. Rcnner, 231 - Fonopcs : ' Fone/Fax: (51) 3371-4001 / 3371-1467 / 3371 -1 : : Porto Alegre '. SÃO PAULO Av.Antártico,9 2 -BorraFunda . , " V . , / . : . :, Fone: PABX (11) 3616-3666 - Paulo : : > : | iQ6.987.029.0Ql | | 236767 [ D iniz, Maria Helena . ... 1.; Curso de direitocivil brasileiro/volume 1; teoria. : fgera l do direito civil / Maria Heléria P m izr ^ ‘ 29. èd. : .Sãò Pau lo: Saraiva, 2012. ' - • : K Direito civil 2. Direito, civil - Brasil.I. Títulò. - - ' ' ^ v v ; : .^V CDlj-347 (81) : índice para catálogo sistemático: ]. Brasil : Direito civil 347 (81) Diretor editorial Luiz Roberto Curia Gerente de produção editorial Ugia Alves Editara lhab de Camargo Rodrigues Assistente editorial Aline Dorcy Flôr de Souza Produtora editorial Clarissa Bomsái Maria Preparação de originais toa Ustina Barda Maria Izabel Barreiros BitencaurtBressan Raquel Benáimol de Oliveira Rosenthal Arte e diagramoção Cristina Aparecida Agudo de Freitas lídia Pereira de Morais Revisão de provas Rita de Cássia Queiroz Gorgati Maria Cândida Machado Serviços editoriais Carla Cristina Marques Kelli Priscila Pinto Capa Andrea Vilela de Almeida Imagem de capa ©Skyscan CORBIS/Stock Photos Produção gráfica MorliRompim Impressão RR Donnelley Acabamento RR Donnelley Data de fechamento da edição: 23-11-2011 Dúvidas? Acesse www.saraivajur.com.br Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer m eio ou forma sem a previa autorização da £dÍtora Saraiva. A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na Lei n. 9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código Penal. À doce e tema memória de meus avós paternos: Elisabetta Radamanti de Oliveira Almeida Diniz e João Baptista de Oliveira Almeida Diniz. "Un juriste ne doitpas seulement être le techniden habile qui rédige ou explique avec toutes les Tessources de 1'espritdes textes de loi; il doit s'efforcer de fairepasser dans le droit son iãéal moral, et, parce qu'il a une parcelle de la puissance intellectuélle, il doit utiliser puissance en luttantpour ses croyances" (G. Ripert). índice Prefácio .................................................................................................................. 13 Capítulo I Objeto e finalidade da teoria geral do direito civil 1. Direito positivo................................................................................................. 17 A. Noção de direito....................................................................................... 17 B. Direito objetivo e direito subjetivo ...................................................... 24 C. Direito público e direito privado........................................................... 28 D. Fontes jurídicas .......................................................................................... 34 E. Norma jurídica .......... ............................................................................... 38 e .l. Conceito .......................................................................................... 38 e.2. Classificação ................................................................................... 49 2. Direito civ il....................................................................................................... 60 A. Princípios e conteúdo do direito civil .................................................. 60 B. Etiologia histórica do Código Civil brasileiro.................................... 63 C. Objeto e função da Parte Geral.............................................................. 69 D. A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro ....................... 73 d .l. O conteúdo e a função da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.............................................................................. 73 d.2. A aplicação das normas jurídicas................................................. 75 d.3. A interpretação das norma s ......................................................... 78 d.4. A integração das normas jurídicas e a questão da correção da antinomia jurídica........................................................................... 83 d.5. A vigência da norma de direito no tempo e no espaço.......... 111 E. A relação jurídica...................................................................................... 123 Capítulo II . Das pessoas 1. Personalidade .................................................................................................. 129 A. Conceito de pessoa................................................................................... 129 10 B. Personalidade jurídica............................................................................. 130 C. Direitos da personalidade ....................................................................... 131 2. Pessoa natural......................................................................................... ....... 162 A. Conceito da pessoa natural.................................................................... 162 B. Capacidade jurídica................................................................................. 163 C. Incapacidade.............................................................................................. 168 c .l. Noção................................................................................................ 168 c.2. Incapacidade absoluta................................................................... 171 c.3. Incapacidade relativa .................................................................... 187 c.4. Proteção aos incapazes.................................................................. 198 c.5. Cessação da incapacidade............................................................. 217 D. Começo da personalidade natural........................................................ 221 E. Individuaüzação da pessoa natural ...................................................... 226 e .l. Nome ................................................................................................ 227 e.2. Estado da pessoa natural............................................................... 243 e.3. Domicílio......................................................................................... 246 F. Extinção da personalidade natural....................................................... 252 3. Pessoa jurídica ................................................................................................. 263 A. Conceito de pessoa jurídica................................................................... 263 B . Natureza jurídica...................................................................................... 264 C. Classificação da pessoa jurídica............................................................. 266 D. Começo da existência legal da pessoa jurídica ................................... 301 E. Capacidade da pessoa jurídica............................................................... 311 F. Responsabilidade civil............................................................................. 314 G. Seu domicílio............................................................................................ 324 H. Transformação, incorporação, fusão, cisão e fim da pessoa jurídica. 326 I. Grupos despersonalizados ..................................................................... 334 J . Desconsideração da pessoa jurídica....................... ............................. 340 Capítulo III Dos bens 1. Noção de b en s............ .................................................................................... 361 A. Conceito.................................................................................................... 361 B . Caracteres .................................................................................................. 362 C u r s o d e D i r e i t o C iv il B r a s il e ir o 11 2. Classificação dos b en s..................................................................................... 364 A. Finalidade.................................................................................................. 364 B. Bens considerados em si mesmos......................................................... 365 b .l. Bens corpóreos e incorpóreos...................................................... 365 b.2. Bens imóveis e móveis .................................................................. 365 fo.3. Bens fungíveis e infungíveis ........................................................ 375 b.4. Bens consumíveis e inconsumíveis ............................................ 377 b.S. Bens divisíveis e indivisíveis ........................................................ 378 b .6. Bens singulares e coletivos............................................................ 381 C. Bens reciprocamente considerados ..................................................... 384 c .l. Coisa principal e acessória............................................................ 384 c.2. Espécies de bens acessórios........................................................... 385 D. Bens considerados em relação ao titular do domínio ...................... 395 E. Bens quanto à possibilidade de comercialização............................... 401 Capítulo IV Dos fatos jurídicos 1. Teoria geral dos fatos jurídicos........................................................................ 413 A. Conceito de fato jurídico em sentido am plo....................................... 413 B . Classificação dos fatos jurídicos ............................................................ 414 C. Aquisição de direitos............................................................................... 416 D. Modificação dos direitos......................................................................... 419 E. Defesa dos direitos ................................................................................... 421 E. Extinção dos direitos................................................................................ 422 2. Fato jurídico "stricto sensu" ........................................................................... 428 A. Conceituação e classificação.................................................................. 428 B. Prescrição como fato jurídico ................................................................ 430 b .l. Conceito e requisitos da prescrição............................................ 430 b.2. Prescrição aquisitiva e extintiva .................................................. 440 b .3. Normas gerais sobre a prescrição................................................. 441 b.4. Prazos prescricionais ..................................................................... 446 b.S. Ações imprescritíveis..................................................................... 451 C. Decadência ................................................................................................ 453 c .l. Conceito, objeto e arguição da decadência............................... 453 c.2. Efeitos ............................................................................................... 456 c.3. Prazos de decadência..................................................................... 458 T e o r ia G e r a l d o D i r e i t o C iv il 12 D. Distinção entre prescrição e decadência ............................................. 461 3. Ato jurídico em sentido estrito ......................................................................... 469 A. Conceito e classificação .......................................................................... 469 B. Ato jurídico em sentido estrito e negócio jurídico............................ 470 4. Negócio jurídico................................................................................................. 476 A. Conceito .................................................................................................... 476 B. Classificação .............................................................................................. 477 C. Interpretação do negócio jurídico........................................................ 479 D. Elementos constitutivos.......................................................................... 484 E. Elementos essenciais gerais ou comuns à generalidade dos negócios jurídicos.............................................................................................. 485 e .l. Capacidade do. agente................................................................... 485 e.2. Objeto lícito, possível, determinado e determinável.............. 489 e.3. Consentimento .............................................................................. 490 e.3.1. Manifestação da vontade ................................................. 490 e.3.2. Defeitos do negócio jurídico........................................... 491 F. Elementos essenciais particulares........................ ................................ 547 f .l . Forma do negócio jurídico ............................................................ 547 f.2. Prova do ato negocial .................................................................... 551 G. Elementos acidentais .............................................................................. 568 g .l. Generalidades................................................................................. 568 g.2. Condição ......................................................................................... 569 g.3. Termo................................................................................................ 575 g-4. Modo ou encargo ........................................................................... 579 H. Nulidade do negócio jurídico................................................................ 583 h .l. Conceito e classificação ................................................................ 583 h.2. Efeitos da nulidade......................................................................... 586 h.3. Distinções entre nulidade e anulabilidade................................ 589 5. Ato ilícito........................................................................................................... 598 A. Conceito e elementos do ato ilícito ..................................................... 598 B. Consequência do ato ilícito................................................................... 603 C. Atos lesivos que não são ilícitos ........................................................... 604 Bibliografia ............................................................................................................ 613 C u r s o d e D i r e i t o C iv il B r a s i l e ir o Prefácio Com o intuito de sermos útil aos que se iniciam no estudo do direito civil, procuramos neste livro apresentar um panorama das doutrinas concernentes à Parte Geral do direito civil, dando uma noção genérica e esquemática do sistema jurídico civil. Propusemo-nos a apresentar os conceitos estruturais, registrando os princípios básicos, para que os alunos pudessem ter uma ordem de conceitos de relativa riqueza explicativa, para adotarem uma atitude analítica e crítica ante as questões jurídicas. Sob uma feição de clareza e síntese, apreciamos os problemas jurídicos, de conformidade com seus mais recentes desenvolvimentos, empreendendo estudos das orientações teóricas vigentes atinentes à Parte Geral do novo Código Civil, salientando a sua função na seara juscivilística e em outros âmbitos do direito. Atendendo à ideia de que o que convém aos alunos são conceitos pormenorizados, objetivos e nítidos, bastando um golpe de vista para serem compreendidos, colocamos ao final de cada ponto um quadro sinótico para proporcionar uma visão geral da matéria ministrada. Eis o porquê do título do nosso livro: Teoria geral do direito civil, uma vez que nele se contém a exposição de problemas fundamentais do direito civil. Trata-se de uma disciplina eminentemente formativa, destinada a criar nos estudiosos uma mentalidade jurídica, proporcionando-lh.es uma bagagem cultural para a compreensão de conceitos juscivilísticos fundamentais. Maria Helena Diniz CAPÍTULO F i n a l i d a d e Direito positivo A . N o ç ã o d e d i r e i t o Todo conhecimento jurídico necessita do conceito de direito1. O conceito é um esquema prévio, um ponto de vista anterior, munido do qual o pensamento se dirige à realidade, desprezando seus vários setores e somente fixando aquele que corresponde às linhas ideais delineadas pelo conceito2. Sendo esse conceito um suposto da ciência do direito, ela jamais poderá determiná-lo. A definição essencial do direito é tarefa que ultrapassa a sua competência. Trata-se de problema supracientífico, ou melhor, jusfilosófico, já que a questão do "ser" do direito constitui campo próprio das. indagações da ontologia jurídica3. Contudo a ontologia jurídica ao executar sua missão encontrará em seu caminho graves e intrincadas dificuldades que desafiam a argúcia dos 1. Emest Beling, La Science du droit, sa fonction et ses limites, in Recueil d'études sur les sources du droit, en honneur de Geny, t. 2, p. 150. 2. Lourival Vilanova, Sobre o conceito do direito, Recife, Imprensa Oficial, 1947, p. 28 e 29. Não se trata de formular uma definição nominal do direito, que consiste em dizer o que uma palavra significa. Não convém empregar uma definição real descritiva, que é utilizada, em regra, nas ciências naturais, pois é aquela que na falta de caracteres essenciais enumera os caracteres exteriores mais marcantes de uma coisa para permitir distingui-la de todas as outras, nem uma definição acidental que revela tão somente um elemento acidental, próprio do definido, mas contingente. A definição que se deve buscar é a real essencial, que consiste em dizer o que uma coisa é, desvendando as essências das próprias coisas que essa palavra designa. Vide Régis Jolivet, Curso de filosofia, 7. ed., Rio de Janeiro, Agir, 1965, p. 36. 3. Del Vecchio: "La definizione dei diritto in genere è una indagine che trascende la competenza de ogni singola scienza giuridica ed è invece il primo compito delia Filosofia dei Diritto" (Lezioni de filosofia dei diritto, 9. ed., Milano, Giuffrè, 1953, p. 2). 18 C u r s o d e D ir e i t o C iv il B r a s i l e ir o pensadores. O grande problema consiste em encontrar uma definição única, concisa e universal, que abranja as inúmeras manifestações em que se pode apresentar o direito e que o purifique de notas contingentes, que velam sua verdadeira natureza, assinalando as essências4 que fazem dele uma realidade diversa das demais. Como nos ensina com clarividência Lourival Vilanova5, o conceito para ser universal há de abstrair de todo conteúdo, pois o único caminho possível será não reter, no esquema conceitual, o conteúdo que é variável, heterogêneo, acidental, determinado hic et nunc, mas sim as essências, que são permanentes e homogêneas. Ante a multiplicidade do dado, o conceito deve conter apenas a nota comum, a essência que se encontra em toda multiplicidade. No entanto, não há entre os autores um certo consenso sobre o conceito do direito; impossível foi que se pusessem de acordo sobre uma fórmula única. Realmente, o direito tem escapado aos marcos de qualquer definição universal; dada a variedade de elementos e particularidades que apresenta, não é fácil discernir o mínimo necessário de notas sobre as quais se deve fundar seu conceito6. Isto é assim porque o termo "direito" não é unívoco, e nem tampouco equívoco7, mas análogo, pois designa realidades conexas ou relaciona4. Definir essencialmente um objeto é explicitar as notas essenciais desse objeto de conhecimento; é determinar o que ele é (Fausto E. Vallado Berrõn, Teoria general dei derecho, Univ. Nac. Autônoma de México, 1972, p. 7). A essência é a soma dos predicados que, por sua vez, dividem-se em dois grupos: predicados que convêm à substância, de tal sorte que se lhe faltasse um deles não seria o que é, e predicados que convêm à substância mas que ainda que algum deles faltasse, continuaria a ser a substância o que é. Aqueles primeiros são a essência propriamente dita, porque se algum deles faltar à substância, ela não seria aquilo que é; e os segundos são o acidente porque o fato de tê-los ou não não impede de modo algum que seja aquilo que é (Manuel Garcia Morente, Fundamentos de filosofia, 4. ed., São Paulo, Mestre Jou, 1970, p. 76 e 96). 5. L. Vilanova, op. cit., p. 64-7. 6. Assim, para o direito, há uma experiência histórica, antropológica, sociológica, psicológica e axiológica. Tais experiências, ainda que diferentes entre si, são complementares e deslocam-se num mesmo plano. Demais, todas têm em comum um ponto de partida: a experiência do direito positivo, o direito tal como se dá em sua integridade constitutiva. A incidência maior num ângulo desta ou daquela experiência leva a cortes meramente metodológicos, a objetos formais diferentes: ao direito como fato histórico, como fato sociológico etc. É o que nos ensina L. Vilanova (Lógica, ciência do direito e direito, in Filosofia, v. 2, p. 535, Anais do VIII Congresso Interamericano de Filosofia). 7. Termo unívoco é o que se aplica a uma só realidade e o equívoco o que designa duas ou mais realidades desconexas. Vide Gofftedo Telles Jr., Tratado da consequência, p. 329-31. 19 das entre si. Deveras, esse vocábulo ora se aplica à "norma", ora à "autorização ou permissão" dada pela norma de ter ou fazer o que ela não proíbe, ora à "qualidade do justo" etc., exigindo tantos conceitos quantas forem as realidades a que se refere. Em virtude disso impossível seria dar ao direito uma única definição. De maneira que a tarefa de definir, ontologicamente, o direito resulta sempre frustrada ante a complexidade do fenômeno jurídico8, devido à impossibilidade de se conseguir um conceito universalmente aceito, que abranja de modo satisfatório toda a gama de elementos heterogêneos que compõem o direito. Portanto, não é da alçada do direito civil elaborar o conceito geral ou essencial do direito9. Mas em razão do princípio metódico da divisão do trabalho, há necessidade de se decompor analiticamente o direito que é objeto de várias ciências: sociologia jurídica, história do direito etc., constituindo assim o aspecto em que será abordado10. A escolha da perspectiva em que se vai conhecer está condicionada pelo sistema de referência daquele que conhece o direito, pressupondo uma reflexão sobre as finalidades da ordem jurídica. Ora, percebe-se que o direito só pode existir em função do homem. O homem é um ser gregário por natureza, é um ser eminentemente social, não só pelo instinto sociável, mas também por força de sua inteligência que lhe demonstra que é melhor viver em sociedade para atingir seus objetivos. O homem é "essencialmente coexistência"11, pois não existe apenas, mas coexiste, isto é, vive necessariamente em companhia de outros homens. Com isso, espontânea e até inconscientemente é levado a forT e o r ia G e r a l d o D i r e i t o C ivil 8. Tércio Sampaio Ferraz Jr., Direito, retórica e comunicação, São Paulo, Saraiva, 1973, p. 62. Max Emest Mayer (Filosofia do direito, p. 120) escreve: "ainda não tem havido um jurista ou jusfilósofo que tenha conseguido formular um conceito de direito, unanimemente aceito". Roberto Vemengo (La interpretación literal de la leyysus problemas, Buenos Aires, 1971, p. 22 e s.) diz, com clareza, que a possibilidade de uma "mostração" de fenômenos que sejam casos de uma propriedade que se pretende investigar — o direito — (definição ostensiva do objeto) ou são impossíveis ou conduzem a resultados paradoxais. Cf. Maria Helena Diniz, A ciência jurídica, Resenha Universitária, 1978, p. 3-6. 9. Clóvis Beviláqua, Teoria geral do direito civil, 4. ed., 1972, p. 7. 10. L. Vilanova, Sobre o conceito de direito, cit., p. 40, 50 e 57. 11. Leonardo Van Acker, Sobre um ensaio de jusnaturalismo fenomenológico-existencial, RBF, 20(78):193. 20 mar grupos sociais: família, escola, associação esportiva, recreativa, cultural, religiosa, profissional, sociedade agrícola, mercantil, industrial, grêmio, partido político etc. Em virtude disso estabelecem os indivíduos entre si "relações de coordenação, subordinação, integração e delimitação12; relações essas que não se dão sem o concomitante aparecimento de normas de organização de conduta social"13. O ser humano encontra-se em estado convivencial e pela própria convivência é levado a interagir; assim sendo, acha-se sob a influência de outros homens e está sempre influenciando outros. E como toda interação produz perturbação nos indivíduos em comunicação recíproca, que pode ser maior ou menor, para que a sociedade possa se conservar é mister delimitar a atividade das pessoas que a compõem mediante normas jurídicas. "Se observarmos, atentamente, a sociedade, verificaremos que os grupos sociais são fontes inexauríveis de normas", por conseguinte, o Estado C u r s o d e D i r e i t o C iv il B r a s i l e ir o 12. Ensina-nos André Franco Montoro (Introdução à ciência do direito, v. 2, p. 363 e 364) que: "As relações sociais podem apresentar-se sob diferentes modalidades: Ia) relações de integração ou sociabilidade por fusão parcial — nas quais podemos encontrar três graus ou tipos de relacionamento: a 'massa', que é a modalidade mais fraca de integração, em que se opera apenas uma fusão superficial das consciências individuais, como no caso da 'massa' dos consumidores, dos desempregados, dos pedestres, unidos apenas pela consciência de afinidade de sua situação; a 'comunidade', correspondente ao grau médio de integração ou fusão de consciência, é a forma mais equilibrada, difundida e estável da sociabilidade por integração, tal como ocorre nas organizações sindicais, associações, clubes, famílias, partidos etc.; a 'comunhão', que representa o grau mais intenso de integração das consciências individuais, em um 'nós' coletivo, é o tipo que se realiza em raros momentos de entusiasmo ou vibração coletivos, como nos períodos de crise o reivindicações mais sentidas de uma coletividade; 2a) de delimitação ou sociabilidade por oposição parcial. As de integração caracterizam-se pelo aparecimento de um 'nós' enquanto que as de delimitação implicam a existência de um 'eu', 'tu', 'ele' etc. São sempre relações com outros — quer individuais, quer intergrupais — e apresentam-se sob três modalidades: de 'aproximação', como as decorrentes da amizade, da atração sexual, da curiosidade, das doações etc.; de 'separação', como as lutas de classes, os conflitos entre consumidores e produtores, entre nações e cidades; de 'estrutura mista', que envolvem elementos de aproximação e de separação, como as trocas, contratos etc.". Para Goffredo Telles Jr. (Introdução à ciência do direito (apostila), p. 237) "as de coordenação são as que existem entre partes que se tratam de igual para igual, ex.: compra e venda; e as de subordinação são as em que uma das partes é a sociedade política, exercendo sua função de mando. Ex.: convocação das eleições — a relação entre União, Estados e Municípios e contribuintes de imposto". 13. Miguel Reale, Lições preliminares de direito, Bushatsky, 1973, p. 41. 21 T e o iu a G e r a l d o D i r e i t o C ivil não é o criador único de normas jurídicas14, porém é ele que condiciona a criação dessas normas, que não podem existir fora da sociedade política. Há um pluralismo de ordenações jurídicas; cada grupo social tem suas normas. Não é somente o Estado a fonte exclusiva de normas de direito, mas ele é uma organização territorial capaz de exercer o seu poder sobre as associações e pessoas, regulando-as, dando assim uma expressão integrada às atividades sociais. Donde se conclui que o Estado é uma instituição maior, que dispõe de amplos poderes e que dá efetividade à disciplina normativa das instituições menores. De modo que uma norma só será jurídica se estiver conforme a ordenação da sociedade política; logo, o Estado é o fator de unidade normativa da nação. De um lado a realidade nos mostra um pluralismo de associações e de ordenações jurídicas, e de outro, a unidade da ordem normativa15. Logo, as normas fundam-se na natureza social humana e na necessidade de organização no seio da sociedade. A norma jurídica pertence à vida social, pois tudo o que há na sociedade é suscetível de revestir a forma da normatividade jurídica. Somente as normas de direito podem assegurar as condições de equilíbrio imanentes à própria coexistência dos seres humanos, possibilitando a todos e a cada um o pleno desenvolvimento das suas virtualidades e a consecução e gozo de suas necessidades sociais, ao regular a possibilidade objetiva das ações humanas. Sem professarmos uma doutrina sociologista, afirmamos o caráter "social" da norma jurídica, no sentido de que uma sociedade não pode fundarse senão em normas jurídicas, que regulamentam relações interindividuais. Nítida é a relação entre norma e poder. O poder é elemento essencial no processo de criação da norma jurídica. Isto porque toda norma de direito envolve uma opção, uma decisão por um caminho dentre muitos caminhos possíveis. É evidente que a norma jurídica surge de um ato decisórío 14. Goffredo Telles Jr., Introdução, cit. (apostila), fase. 2, p. 112; O povo e o poder, São Paulo, Malheiros, 2003, p. 1-68; Gerhard Husserl, em seu trabalho Validade e eficiência do direito (1925), escreve: "Reduzir todas as fontes do direito ao Estado é um erro. Nenhum Estado poderá jamais absorver todas as fontes do direito. Um monopólio do Estado para engendrar e constatar o direito numa comunidade jurídica é, absolutamente, irrealizável. A criação autônoma do direito se afirma sempre". 15. Maria Helena Diniz, Conceito de norma jurídica como problema de essência, Revista dos Tribunais, 1977, p. 18-25. 22 C u r s o d e D i r e i t o C iv il B r a s i l e ir o do Poder (constituinte, legislativo, judiciário, executivo, comunitário ou coletivo, e individual) político. Verifica-se que a norma jurídica, às vezes, está sujeita não à decisão arbitrária do Poder, mas à prudência objetiva exigida pelo conjunto das circunstâncias fático-axiológicas em que se acham situados os respectivos destinatários. Se assim não fosse a norma jurídica seria, na bela e exata expressão de Rudolf von Ihering, um "fantasma de direito", uma reunião de palavras vazias; sem conteúdo substancial esse "direito fantasma", como todas as assombrações, viveria uma vida de mentira, não se realizaria, e a norma jurídica foi feita para se realizar16. A norma não corresponderia a sua finalidade; seria, no seio da sociedade, elemento de desordem, anarquia, instrumento de arbítrio e de opressão. A norma jurídica17 viveria numa "torre de marfim, isolada, à margem das realidades, autossuficiente, procurando em si mesma o seu próprio princípio e o seu próprio fim". Abstraindo-se do homem e da sociedade, alhear-se-ia de sua própria finalidade e de suas funções, passaria a ser uma pura ideia, criação cerebrina e arbitrária18. À vista do exposto poder-se-á dizer que o direito positivo é o conjunto de normas/estabelecidas pelo poder político, que se impõem e regulam a vida social de um dado povo em determinada época19. Portanto, é mediante normas que o direito pretende obter o equilíbrio social, impedindo a desordem e os delitos, procurando proteger a saúde e a moral pública, resguardando os direitos e a liberdade das pessoas20. Com isso não estamos afirmando que o direito seja só norma21; apenas por uma questão de método é que assim o consideramos, uma vez que a 16. R. von Ihering, Uespntdu droit romain, t. 3, § 43, p. 16. 17. Bigne de Villeneuve, La crise du "sens comun" dans les sciences sociales, p. 96. 18. Maria Helena Diniz, Conceito de norma jurídica, dt., p. 28-35. 19. Capitant, Introduction à Vétude du droit civil, p. 8; Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de direito civil, Forense, 1976, v. 1, p. 18 e 19; Ruggiero e Maroi, Istituzioni di diritto privato, Milano, 1955, v. 1, § 2a. 20. Nelson Godoy Bassil Dower, Curso moderno de direito civil, Ed. Nelpa, 1976, v. 1, p. 6. 21. Santi Romano {Uordinamento giuriáico, Firenze, 1951, p. 25) éscreve que: "Derecho no es solo la norma dada, sino también la entidad de la cual ha emanado la norma. El proceso de objetivación, que da lugar al fenômeno jurídico, no se inicia en la emanación de una regia, sino en un momento anterior: las normas no son sino una manifestadón, una de las 1 distintas manifestaciones; un medio por medio dei cual se hace valer elpoder dei 'yo' social". 23 tarefa do civilista é interpretar as normas de direito civil, embora deva estudá-las em atenção à realidade social subjacente (fato econômico, geográfico, demográfico, técnico etc.) e ao valor, que confere sentido a esse fato, regulando a ação humana para a consecução de uma finalidade22. Realmente, parece útil lembrar, como o faz Van Acker, que uma vez gerada, não fica a norma estagnada, mas continua a sua vida própria, tendendo à autoconservação pela integração obrigatória que mantém os fatos da sua alçada e os valores com que os pretende reger23. Logo, os elementos do direito: fato, valor e norma coexistem numa unidade concreta. Para melhor elucidar tal questão, passamos a transcrever o seguinte exemplo de Miguel Reale24: ao se interpretar a norma que prevê o pagamento de letra de câmbio na data de seu vencimento, sob pena do protesto do título e de sua cobrança, goza o credor, desde logo, do privilégio de promover a execução do crédito. De modo que, se há um débito cambiário, deve ser .pago, e, se não for quitada a dívida, deverá haver uma sanção. Como se vê, a norma de direito cambial representa uma disposição legal que se baseia num fato de ordem econômica (o fato de, na época moderna, as necessidades do comércio terem exigido formas adequadas de relação) e que visa a assegurar um valor, o valor do crédito, a vantagem de um pronto pagamento com base no que é formalmente declarado na letra de câmbio. Tem-se um fato econômico que se liga a um valor de garantia para se expressar por meio de uma norma legal que atende às relações que devem existir entre aqueles dois elementos. T e o r ia G e r a l d o D i r e i t o C ivil Raul Ahumada transcreve esse trecho in Sobre el concepto dei derecho, RBF, (55):361. Giorgio Campanini (Ragione e volontà nélla legge, Milano, Giuffrè, p. 3) entende também que o conceito de direito não pode identificar-se com o de norma ao dizer: "Indubbiamente ií concetto di legge è parte integrante dei piú generale concetto ãi Diritto, ma rton si risolve in esso, perchè Diritto non e soltanto la legge, nè con essa è stato storicamente identificato: accanto alia legge positiva sono sempre State poste, anche nél momento normativo dei diritto, legge naturale consuetudine, talchè ridurre la storia dei concetto di Diritto alia storia dei concetto di legge sarebbe un'arbitraria e ingiustificata trasposizione sul piano storico di attuali posizioni teoretiche non sufficientemente e criticamente fondate". 22. Orlando Gomes, Introdução ao direito civil, Rio de Janeiro, Forense, 1971, p. 16; Miguel Reale, Lições preliminares de direito, São Paulo, Saraiva, 1976, p. 65. 23. Van Acker, op. cit., p. 170. 24. M. Reale, Lições preliminares, cit., p. 66. 24 Portanto o jurista deve ter uma atitude intencionalmente compreensiva e teorética, ao estudar as normas postas pelo poder político, cujo valor deve procurar captar, e atualizar, em razão do fato que lhe é subjacente25. Com isso poder-se-á definir o direito como uma ordenação heterônoma das relações sociais, baseada numa integração normativa de fatos e valores26. B . D i r e i t o o b j e t i v o e d i r e i t o s u b j e t i v o Costuma-se distinguir o direito objetivo do subjetivo. O direito objetivo é o complexo de normas jurídicas que regem o comportamento humano, de modo obrigatório, prescrevendo uma sanção no caso de sua violação (jus est norma agendí). ■ O direito subjetivo, para Goffredo Telles Jr., é a permissão dada por meio de norma jurídica, para fazer ou não fazer alguma coisa, para ter ou não ter algo, ou, ainda, a autorização para exigir, por meio dos órgãos competentes do poder público ou por meio de processos legais, em caso de prejuízo causado por violação de norma, o cumprimento da norma infringida ou a reparação do mal sofrido. P. ex.: são direitos subjetivos as permissões de casar e constituir família; de adotar pessoa como filho; de ter domicílio inviolável; de vender os seus pertences; de usar, gozar e dispor da propriedade; de alugar uma casa sua; de exigir pagamento do que é devido27; de mover ação para reparar as conseqüências de ato considerado ilícito. Infere-se, daí, que duas são as espécies de direito subjetivo: a) o comúm da existência, que é a permissão de fazer ou não fazer, de ter ou não ter alguma coisa, sem violação de preceito normativo, e b) o de defender direitos, que é a autorização de assegurar o uso do direito subjetivo, de modo que o C u r s o d e D i r e i t o C iv il B r a s i l e ir o 25. M. Reale, O direito como experiência, São Paulo, Saraiva, p. 163 e s. 26. Adaptação do conceito dado por M. Reale, Lições preliminares, cit., p. 67. 27. Esta é a definição de G. Telles Jr. (O direito quântico, 5. ed., São Paulo, Max Limonad, 1981, cap. VIII; e Direito subjetivo — I, in Enciclopédia Saraiva do Direito, v. 28, p. 298) por nós adotada. Autores há, como Kelsen, que procuram demonstrar que o direito subjetivo não existe como algo independente. O mestre de Viena, ao estabelecer que o direito deve ser visto como um sistema de normas, afirma que o direito subjetivo nada mais é do que o reflexo de um dever jurídico, que existe por parte dos outros em relação ao indivíduo de que se diz ter um direito subjetivo. Como o dever jurídico é a própria norma, o direito subjetivo é o fenômeno normativo colocado à disposição do sujeito (Kelsen, Teoria pura do direito, 2. ed., 1962, v. 1, n. 29; Tércio Sampaio Ferraz Jr., Direito subjetivo — U, in Enciclopédia Saraiva do Direito, v. 28, p. 331). 25 T e o r ia G e r a l d o D ir e i t o C iv il lesado pela violação da norma está autorizado por ela a resistir contra a ilegalidade, a fazer cessar o ato ilícito, a reclamar reparação pelo dano e a processar criminosos, impondo-lhes pena. Essas autorizações são permissões concedidas pela coletividade, por meio de normas de garantia, que são as 1 normas jurídicas28. O direito subjetivo é subjetivo porque as permissões, com base na norma jurídica e em face dos demais membros da sociedade, são próprias das pessoas que as possuem, podendo ser ou não usadas por elas29. É comum dizer-se que o direito subjetivo é facultas agendi. Porém as faculdades humanas não são direitos, são qualidades próprias do ser humano, que independem de norma jurídicípara sua existência. A filosofia clássica já ensinava que fatíuldade são potências ativas ou qualidades, que dispõem, imediatamente, um ser a agir. Compete à norma jurídica ordenar tais faculdades humanas; logo, o uso dessas faculdades é lícito ou ilícito, conforme for permitido ou proibido. Portanto o direito subjetivo é a permissão para o uso das faculdades humanas. P. ex.: todos temos faculdade de ser proprietáriç, porém essa faculdade não é o direito de propriedade, porque o direito de propriedade não é mera faculdade de ser proprietário, mas a permissão, dada a quem é proprietário, de usar, gozar e dispor de seus bens (CÇ, àrt. 1.228, caput). Qualquer dos cônjuges, segundo o art. 1.647, I, do Código Civil, não pode, sem 28. G. Telles Jr., Direito subjetivo, cit., v. 28, p. 313 e 314; O direito quântico, cit., p. 407- 9; Iniríação na ciência do direito, São Paulo, Saraiva, 2001, p. 255-96; Palavras do amigo aos estudantes de direito, São Paulo, Juarez de Oliveira, 2003, p. 1-40. 29. Bassil Dower, op. cit., p. 7; Goffredo Telles Jr., Direito subjetivo, cit., v. 28, p. 299; e O direito quântico, cit., p. 391, e Tércio Sampaio Ferraz Jr. (Direito subjetivo, cit, v. 28, p. 331 e 332), que escreve: "Karl Olivecrona, p. ex., diz que quando usamos esta expressão, fazemo-lo como se ela denotasse uma posição real de uma pessoa com respeito a uma coisa. Mas definir esta posição real é impossível, pois o'direito,de alguém à propriedade de um terreno não é idêntico à sua posse real e nem à garantia do Estado a uma posse tranqüila ou aos preceitos dirigidos a todos, proibindo sua interferência naquela posse, nem à possibilidade de iniciar uma ação contra os que violam a posse. O direito subjetivo à propriedade, como expressão, não tem um referencial real. Trata-se de uma expressão ou 'palavra oca' que tem apenas a função de influir na conduta, na medida em que serve de nexo para um conjunto de regras, as regras de aquisição de propriedade, de indenização de danos etc., e que se referem à situação em que uma pessoa é proprietária de um objeto e outra pessoa faz algo em relação a este objeto. Trata-se de uma função facilitadora das relações jurídicas, pois se suprimíssemos a expressão as relações continuariam a existir, ainda que fosse mais difícil manejá-las de modo unitário". 26 C u r s o d e D i r e i t o C iv il B r a s i l e ir o consentimento do outro, salvo no regime de separação absoluta de bens, alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis (CPC, arts. 10, com redação da Lei n. 8.952/94, e 11, parágrafo único). Pode fazê-lo, mas não tem direito de alienar sem outorga uxória ou marital. Como se vê, a chamada facultas agendi é anterior ao direito subjetivo. Primeiro, a faculdade de agir, e, depois, a permissão de usar essa aptidão30. Ante esta concepção, não podem ser aceitas as três teorias sobre a natureza do direito subjetivo, consagradas pela doutrina tradicional, que são: 1) A da vontade, de Savigny e Windscheid31, que entende que o direito subjetivo é o poder da vontade reconhecido pela ordem jurídica. A esta teoria surgiram as seguintes objeções: a) Sua definição é menos extensa que o definido, pois há direitos em que não existe uma vontade real do seu titular. P. ex.: os incapazes têm direito subjetivo, podem ser proprietários, herdar etc., mas não possuem vontade em sentido jurídico e próprio; o nascituro tem direito à vida, ao nome, à sucessão, embora não possua vontade própria; as pessoas jurídicas têm direitos, mas não se pode falar, com propriedade, na "vontade" desses entes; o empregado tem direito às férias anuais remuneradas; mesmo que queira renunciar a ele, sua renúncia não terá efeito jurídico, b) Casos existem em que há uma vontade real, porém o ordenamento jurídico não protege, propriamente, a "vontade" do titular, mas, sim, o seu direito32, c) O direito subjetivo não depende da vontade do titular. Pode existir sem fundamento nessa vontade. Deveras, os direitos de alienar, comprar, emprestar podem existir sem que haja nenhuma vontade de alienar, comprar, emprestar. O direito de cobrar um débito pode ser desprezado pelo credor; o direito de propriedade pode surgir sem que o proprietário o deseje. 2) A do interesse, de Ihering, para a qual o direito subjetivo é o interesse juridicamente protegido por meio de uma ação judicial33. Não se diga, 30. G. Telles Jr., Direito subjetivo, cit., v. 28, p. 300-3; e O direito quântico, cit., p. 391-8. As permissões dadas por meio de norma podem ser explícitas, quando mencionadas expressamente (CC, arts. 5a, 1.639 e 2.013), ou implícitas, quando não forem, embora seu uso seja regulado pelas normas, ou assegurado por elas, pela proibição do que impede esse uso ou, simplesmente, quando não for proibido por elas (GC, arts. 70 a 78; 1.525 a 1.564). 31. Windscheid, Pandectas, v. 1, § 37, p. 80 e s.; Savigny, Tratado de direito romano, § 14. 32. Essas críticas foram feitas por Ihering. Vide Franco Montoro, op. cit., v. 2, p. 222-7. 33. Von Ihering, üesprit du droit romain, v. 4, § 70 e s. 27 T e o r ia G e r a l d o D i r e i t o C iv il também, que o direito subjetivo é interesse juridicamente protegido porque: a) Há interesses, protegidos pela lei, que não constituem direitos subjetivos. P. ex.: no caso das leis de proteção aduaneira à indústria nacional, as empresas têm interesse na cobrança de altos tributos pela importação dos produtos estrangeiros, mas não têm nenhum direito subjetivo a tais tributos, b) Há hipóteses de direitos subjetivos em que não existe interesse da parte do titular. P. ex.: os direitos do tutor ou do pai em relação aos filhos são instituídos em benefício dos menores e não do titular, c) Na verdade, quando se diz que direito subjetivo é um "interesse", o que se está dizendo é que o direito subjetivo é um bem material ou imaterial que interessa. P. ex.: direito à vida, à liberdade, ao nome, à honra etc. Ora, interesse é utilidade, vantagem ou proveito assegurado pelo direito; logo, não tem sentido dizer que direito subjetivo é objeto que interessa. Os interesses ou bens não constituem direito subjetivo, são objetos em razão dos quais o direito subjetivo existe. Quando algo interessa a uma pessoa, ela procura consegui-lo. A pessoa age, buscando o bem que lhe interessa. Se ela age é porque tem essa faculdade. A permissão para empregá-la é que é direito subjetivo. O direito objetivo permite que à pessoa faça ou tenha o que lhe interessa ou não. Essa permissão é que é juridicamente protegida porque foi dada pelo direito objetivo e porque seu emprego é assegurado pelos remédios de direito34. 3) A mista, de Jellinek, Saleilles e Michoud35, que define o direito subjetivo como o poder da vontade reconhecido e protegido pela ordem jurídica, tendo por objeto um bem ou interesse; não pode ser aceita, por nós, pelas mesmas razões das anteriores. Nítida é a Correlação existente entre o direito objetivo e o subjetivo. Apesar de intimamente ligados, são inconfundíveis. O direito objetivo é sempre um conjunto de normas impostas ao comportamento humano, autorizando-o a fazer ou a não fazer algo. Estando, portanto, fora do homem, indica-lhe o caminho a seguir, prescrevendo sanção em caso de violação. O direito subjetivo é sempre permissão que tem o. ser humano de agir conforme o direito objetivo. 3.4. Vide Dabin, Le droit subjectif, Paris, Dalloz, 1952, p. 72 e s.; Franco Montoro, op. cit.; Anotações de aula do Prof. Dr. Goffredo Telles Jr., ministrada no Curso de Mestrado da USP em 1971, O direito quântico, cit., p. 398-400; Iniciação, cit., p. 105-16. 35. Saleilles, De ia personnalité jitridique, Paris, 1922, p. 547-8; Michoud, La thêorie de la personnalité morale, Paris, 1932, v. 1, p. 107 e s. 28 Um não pode existir sem o outro. O direito objetivo existe em razão do subjetivo, para revelar a permissão de praticar atos. O direito subjetivo, por sua vez, constitui-se de permissões e autorizações dadas por meio do direito objetivo36. C . D i r e i t o p ú b l i c o e d i r e i t o p r i v a d o A clássica divisão do direito em público e privado é oriunda do direito romano, como se vê na seguinte sentença de Ulpiano: “Hujus studii duae sunt positiones, públicum et privatum. Publicum jus est quoã ad statum rei Romanae spectat, privatum quod ad singulorum utilitatem: sunt enim quaedam publice utilia, quaedam privatum"37. O direito público era aquele concernente ao estado dos negócios romanos; o direito privado era o que disciplinava os interesses particulares. Esse critério da utilidade ou interesse visado pela norma é falho, porque não se pode afirmar, com segurança, se o interesse protegido é do Estado ou dos indivíduos, porque nenhuma norma atinge apenas o interesse do Estado ou do particular. Tais interesses são correlatos, de modo que a norma jurídica que tiver por finalidade a utilidade do indivíduo visa também a do Estado e vice-versa. Deveras, casos há em que é nítida a interpenetraçâo existente entre o interesse individual e o social, como, p. ex., o direito de família, pois não há tema de índole mais individual do que o casamento, entretanto, não há, também, tema de maior, relevância para a sociedade do que á estabilidade familiar. Nas hipóteses da proibição de construção em desacordo com posturas municipais, da interdição da queima de matas ou da obrigatoriedade de se inutilizarem plantações atingidas por pragas, a interpenetraçâo dos interesses públicos e particulares é tão grande que parece haver o sacrifício do individual ao social, porém, na prática, ocorre, de modo indireto, vantagem para o cidadão. Delineia-se uma zona de interferência recíproca, o que dificulta a exata caracterização da natureza pública ou privada dessas normas38. C u r s o d e D i r e i t o C iv i l B r a s i l e ir o 36. G. Telles Jr., Diieito subjetivo, cit., v. 28, p. 312 e 313. 37. Digesto, I, 1, 1, 2. 38. Anadeto de Oliveira Faria, Direito público e privado, in Enciclopédia Saraiva do Direito, v. 28, p. 40. Nas p. 41 e 42, faz esse autor uma observação de' ordem histórica: no momento em que o poder público sofreu alterações profundas, ao fim da Antiguidade e no inído da Idade Média, quando o Estado sofreu grave colapso, em decorrênda da invasão dos bárbaros e com o estabelecimento do feudalismo, o direito público entrou em crise, tomando-se inexistente. Depois da queda do Império Romano, os 29 T e o r ia G e r a l d o D i r e i t o C iv il Em razão disso houve autores que concluíram que o fundamento dessa divisão encontrava-se no "interesse preponderante ou dominante". Assim as normas de direito público seriam as que assegurariam diretamente o interesse da sociedade e indiretamente o do particular; e as de direito privado visariam atender imediatamente o interesse dos indivíduos e mediatamente o do poder público. Entretanto, esse critério é insatisfatório; tão interligados estão, que é impossível verificar, com exatidão, qual o interesse que prepondera39. É, portanto, inidôneo separar o interesse público do privado e admitir que a utilidade dos cidadãos seja antagônica à utilidade pública. Modernamente, recusa-se a utilidade ou interesse como fator exclusivo da diferenciação em tela40. Já para Savigny essa tradiciorial divisão baseia-se no fim do direito. É o que se infere deste seu texto: "Enquanto no direito público o todo se apresenta como fim e o indivíduo permanece em segundo plano, no direito privado cada indivíduo, considerado em si, constitui o fim deste ramo do direito e a relação jurídica apenas serve como meio para a sua existência e para as suas condições particulares"41. Esta concepção não teve grande aceitação, pois o Estado também pode ser fim de relação jurídica regulada pelo direito privado, como no caso em que for parte num contrato de compra e venda42. Ihering propôs, para demonstrar a existência da dicotomia, três espécies de propriedade: a individual, cujo "sujeito-fim" é o indivíduo; a do Estado, em que o "sujeito-fim" é o Estado, e a coletiva, na qual o "sujeitofim" é a sociedade propriamente dita. A propriedade estàtal tem por titular textos sobre a administração imperial tomaram-se destituídos de qualquer valor ou . utilidade. Os jurisconsultos passaram a recorrer às fontes do direito romano, compiladas por Justiniano, apenas para procurar as normas de direito privado. O feudalismo confundiu soberania e propriedade, atribuindo ao titular do domínio poderes típicos do Estado, quais sejam os de distribuir a justiça, manter exércitos ou cunhar moedas. Disto resultava a possibilidade de serem as funções públicas reguladas com base em normas de âmbito privado. Desse modo desapareceu, durante a Era Medieval, a clássica distinção entre direito público e direito privado. Somente após a Revolução Francesa, com a fixação do novo conceito de soberania, é que retoma a divisão entre direito público e privado. Vide Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de direito civil, Forense, 1976, v. 1, p. 26. 39. Anacleto de Oliveira Faria, op. cit., p. 45. 40. Caio M. S. Pereira, op. cit., p. 26. '41. Savigny, Sistema de direito romano, v. 1, § 9a. 42. G. Telles Jr., Introdução, cit., fase. 4,1972, p. 231; Iniciação, cit., p. 225-54. 30 o govemo da nação (p. ex.: o automóvel do Governador), e a coletiva, o povo (exempllflcativamente, uma praça pública). Insustentável é essa tese porque o direito não se reduz ao direito de propriedade43. Kahn apresenta-nos como critério para efetivar tal distinção o da "patrimonialidade", segundo o qual o direito privado teria conteúdo patrimonial enquanto o direito público não conteria questões dessa ordem. Entretanto, há partes do direito privado que não têm natureza patrimonial, como o direito de família, e normas de direito público com caráter patrimonial, como as concernentes às desapropriações, orçamentos etc.44. Outro critério foi proposto por Jellinek ao sustentar que o cerne da questão está em que o direito privado regulamenta relações dos indivíduos considerados como tais, e o direito público, a organização, relações e funções daqueles que têm poder de império, ou seja, relações entre sujeitos dotados de imperium, relações entre esses sujeitos e os que se submetem ao seu imperium. Para ele só têm poder de império o Estado e entes similares. Imperfeita é esta tese, porque mesmo os sujeitos dotados de imperium podem ser sujeitos de direito privado, como na hipótese em que o Estado é parte num contrato de compra e venda45. Goffredo Telles Jr.46 apresenta-nos um critério misto, pelo qual distingue-se o direito público do direito privado com base em dois elementos: o interesse preponderante protegido pela norma e a forma da relação jurídica regulada por prescrição normativa. Isto é assim porque se o direito é autorizante, é sempre um vínculo entre pessoas e este vínculo pode ser de coordenação ou de subordinação. A relação jurídica de coordenação é a que existe entre partes que se tratam de igual para igual. Um particular, ou mesmo o govemo, quando compra um objeto, paga um determinado preço e recebe o bem comprado. Há um laço entre o estabelecimento comercial e o comprador, que sempre terá tratamento igual, seja indivíduo ou governo. Se o govemo quiser pagar preço menor do que o estipulado, o comerciante não vende sua mercadoria. A relação jurídica de subordinação é aquela em que uma das partes é o govemo da sociedade política, que exerce sua C u r s o d e D i r e i t o C iv i l B r a s il e ir o 43. G. Telles Jr., Introdução, cit., p. 232. 44. Anacleto de Oliveira Faria, op. cit., p. 45; A. Franco Montoro, Introdução à ciência do direito, Ed. Martins, 1971, v. 2, p. 168 e 169. 45. G. Telles Jr., Introdução, cit., p. 233. 46. G. Telles Jr., Introdução, cit., p. 236-8. 31 função de mando, como, p. ex., a existente entre o Estado e os cidadãos por ocasião da convocação das eleições ou entre o Estado e os contribuintes de imposto, de modo que se o indivíduo não atender aos reclamos estatais deverá ser punido, conforme a norma jurídica. É, pois, uma relação entre partes que se tratam de superior para inferior. Assim o direito público seria o que protege interesses preponderantemente públicos, regulando relações jurídicas de subordinação, e o direito privado, o que concerne a interesses preponderantemente particulares e que regula relações jurídicas de coordenação. Gurvitch e Radbruch47 também entendem que o direito público seria um direito de subordinação^ havendo desigualdade nas relações jurídicas, com o primado da justiça distributiva, e o direito privado seria um direito de coordenação, em que as partès encontrar-se-iam em absoluta igualdade, subordinadas à justiça comutativa. Anacleto de Oliveira Faria observa que a "subordinação" implicaria as disposições de ordem pública, absolutamente compulsórias: a coordenação, as normas de caráter supletivo. Não resiste, pois, esse critério, às críticas, pois o direito internacional público ficaria à margem da distinção, já que em seu âmbito predomina a mera coordenação, sendo muito tênues as normas imperativas da organização mundial de nações48. Eis a razão pela qual, hodiernamente, se tem buscado o elemento diferenciador no sujeito ou titular da relação jurídica, associando-se o fator objetivo ao subjetivo. O direito público seria aquele que regula as relações em que o Estado49 é parte, ou seja, rege a organização e atividade do Estado considerado em si mesmo (direito constitucional), em relação com outro Estado (direito internacional), e em suas rèlações com os particulares, quando procede em razão de seu poder soberano e atua na tutela do bem coletivo (direitos administrativo e tributário). O direito privado é o que disciplina as relaT e o r ia G e r a l d o D i r e i t o C iv il 47. Radbruch, Introduzione alia scienza dei diritto, Torino, Giappichelli, 1958. 48. Anacleto de Oliveira Faria, op. cit., p. 46. 49. Por Estado, em sua acepção mais ampla, entende-se o poder público (União, Estados, Municípios, Ministérios, Secretarias, Departamentos); as autarquias (órgãos que têm personalidade jurídica distinta da do Estado, mas que a ele se ligam, por serem criados por lei e exercerem função pública — INSS, OAB); as organizações internacionais (como a ONU, FAO, UNESCO, que são órgãos supranacionais, reconhecidos pelo Estado e que mantêm com eles relações jurídicas normais). É o que nos ensina A. Franco Montoro (op. cit., v. 1, cap. IV). 32 ções entre particulares50, nas quais predomina, de modo imediato, o interesse de ordem privada, como, p. ex., a compra e venda, a doação, o usufruto, o casamento, o testamento, o empréstimo etc.51. Pertencem ao direito público intemo: o direito constitucional, que visa regulamentar a estrutura básica do Estado, disciplinando a sua organização ao tratar da divisão dos poderes, das funções e limites de seus órgãos e das relações entre governantes e governados; o direito administrativo, que é o conjunto de normas que regem a atividade estatal, exceto no que se refere aos atos jurisdicionais e legislativos, visando à consecução de fins sociais e políticos ao regulamentar a atuação governamental, a administração dos bens públicos etc.; o direito tributário, disciplinando impostos, taxas e contribuições; o direito financeiro, que tem por escopo regular a despesa e a receita do Estado; o direito processual, que disciplina a atividade do Poder Judiciário e dos que a ele requerem ou perante ele litigam, correspondendo, portanto, à função estatal de distribuir a justiça; o direito penal, que é o complexo de normas que definem crimes e estabelecem penas, com as quais o Estado mantém a integridade da ordem jurídica, mediante sua função preventiva e repressiva; o direito previdenciário, que diz respeito à contribuição para o seguro social e aos benefícios dele oriundos (pensão, auxílios, aposentadoria etc.). No direito público externo, temos o direito internacional, que pode ser público, se se constitui de normas disciplinadoras das relações entre Estados, ou privado, se rege as relações do Estado com cidadãos pertencentes a Estados diversos52. Em que pese tal opinião entendemos que o direito internacional privado é ramo do direito público intemo por conter normas internas de cada país, que autorizam o juiz nacional a aplicar ao fato interjurisdicional a norma a ele adequada. C u r s o d e D i r e i t o C i v i l B r a s i l e ir o 50. Por particular devemos entender as pessoas físicas ou naturais; as instituições particulares (associações, fundações, sociedades simples ou empresárias), enfim as pessoas jurídicas de direito privado e o próprio Estado, quando participa, muna transação jurídica, não na qualidade de poder público, mas na de simples particular. P. ex., como locatário de um prédio, o Estado figura na condição de inquilino, sujeito à Lei do Inquilinato (A. Franco Montoro, op. cit., v. 1, cap. IV). 51. Enneccerus, Tratádo de derecho civil, v. 1, § 31, p. 132; Ruggiero, Instituições de direito civil, v. 1, § 8a, p. 59; Caio M. S. Pereira, op. cit., p. 27-9. 52. Washington de Barros Monteiro, Curso de direito civil, São Paulo, Saraiva, v. 1, p. 9 e 10; A. Franco Montoro, op. cit., v. 1, cap. IV; v. 2, p. 170 e s.; M. H. Diniz, Lei de Introdução ao Código Civil brasileiro interpretada, São Paulo, Saraiva, 1994. 33 O direito privado abrange o direito civil, que regulamenta os direitos e deveres de todas as pessoas, enquanto tais, contendo normas sobre o estado, capacidade e as relações atinentes à família, às coisas, às obrigações e sucessões; o direito comercial, ou melhor, empresarial, que disciplina a atividade econômica de produção e circulação de bens e serviços do empresário e da sociedade empresária; o direito do trabalho, que rege as relações entre empregador e empregado, compreendendo normas sobre a organização do trabalho e da produção, e o direito do consumidor, conjunto de normas que regem as relações de consumo existentes entre consumidor e fornecedor53. Entretanto, há, nos dias atuais, uma.tendência à publicização do direito privado, em virtude da interferência do direito público nas relações jurídicas privadas, como ocorre com a Lei do Inquilinato e com as normas de direito de família54. Existe, ainda, a questão da unificação do direito privado, que até hoje é controvertida. Há os que defendem a unificação total, preconizando a eliminação do direito comercial, e os que pretendem a unificação parcial no que concerne ao direito obrigacional. Apesar desse movimento para unificar o direito privado, parece-nos que a tese da dualidade prevalecerá, pelo menos no que diz respeito ao campo da circulação da riqueza55. A maioria dos juristas56 entende ser impossível uma solução absoluta ou perfeita do problema da distinção entre direito público e privado. Embora o direito objetivo constitua uma unidade, sua divisão em público e privado é aceita por ser útil e necessária, não só sob o prisma da ciência do T e o r ia G e r a l d o D i r e i t o C ivil 53. A. Franco Montoro, op. cit., v. 1, cap. IV, e v. 2, p. 191-202; W..Barros Monteiro, op. cit., p. 10; Fábio Ulhoa Coelho, Curso de direito civil, São Paulo, Saraiva, 2003, v. 1, p. ( 11 e 12. 54. W. Barros Monteiro, op. cit., p. 11; Caio M. S. Pereira, op. cit., p. 30. 55. Orlando Gomes, Introdução ao direito civil, Rio de Janeiro, Forense, 1971, p. 26-8. 56. Còm exceção de: a) Duguit, que julga tal distinção ultrapassada e sem rigor lógico, pois entre os dois direitos há o mesmo espírito de justiça, sem diversidade de natureza. Mas, ao mesmo tempo, defende a subsistência da tradicional linha de separação, buscando o critério diferencial no tipo de sanção de um e outro direito; e b) Kelsen, que nega a diferença fundamental entre direito público e privado, pois com a "pureza metódica" surgiu o postulado de unidade do conhecimento jurídico-científico, desaparecendo o dualismo Direito e Estado (se este último, segundo o kelsenismo, tem alguma relação com o direito, sendo, portanto, objeto da jurisprudência, não pode ser mais do que uma ordem jurídica); eliminou-se o dualismo direito estatal e internacional. A esse respeito, vide Serpa Lopes, Curso de direito civil, Freitas Bastos, 1962, v. 1, p. 26; Kelsen, Teoria pura do direito, 2. ed., 1962, v. 2, p. 165-72; Legaz y Lacambra, Filosofia dei derecho, p. 122 e 123; Maria Helena Diniz, A ciência jurídica, cit., p. 26 e 27. 34 direito, mas também sob o ponto de vista didático57. Todavia, não se deve pensar que sejam dois compartimentos estanques, estabelecendo uma absoluta separação entre as normas de direito público e as de direito privado, pois intercomunicam-se com certa frequência58. D. F o n t e s j u r í d i c a s * O termo "fonte do direito" é empregado metaforicamente, pois em sentido próprio — fonte — é a nascente de onde brota uma corrente de água59. Justamente por ser uma expressão figurativa tem mais de um sentido. . Nesta acepção, "fonte jurídica" seria a origem primária do direito, havendo confusão com o problema da gênese do direito. Trata-se da fonte real ou material do direito, ou seja, dos fatores reais que condicionaram o aparecimento de norma jurídica60. Kelsen admite esse sentido do vocábulo "fonte do direito", apesar de não o considerar como científico-jurídico, quando com esse termo se designam todas as representações que, de fato, influenciam a função criadora e aplicadora do direito, como: os princípios morais e políticos, as teorias jurídicas, pareceres de especialistas. Fontes essas que, no seu entender, se distinguem das fontes do direito positivo, porque estas são juridicamente vinculantes e aquelas não o serão enquanto uma norma jurídica positiva não as tomar vinculantes, caso em que elas assumem o caráter de uma norma jurídica superior que determina a produção de uma norma jurídica inferior61. 4 C u r s o d e D i r e i t o C iv i l B r a s il e ir o 57. Anacleto de Oliveira Faria, op. cit., p. 47. Convém lembrar aqui que alguns autores têm alertado para uma tendência, cada vez maior, de atenuação da clássica distinção entre direito público e direito privado, principalmente no que atina à atuação de entidades do terceiro setor, que não são pessoas jurídicas de direito público, mas atuam, exclusivamente, na defesa de interesses públicos. 58. Caio M. S. Pereira, op. cit., p. 26. 59. Ensina-nos Nelson Saldanha (Fontes do direito — I, in Enciclopédia Saraiva do Direito, v. 38, p. 47) que: "A sugestiva expressão latina fons et origo aponta para a origem de algo: origem no sentido concreto de causação e ponto de partida. Fonte, na linguagem corrente, pode aludir a um local ou a um fator, ou à relação entre um fenômeno e outro, do qual o primeiro serve de causa". Sobre fontes jurídicas, vide Maria Helena Diniz, Compêndio de introdução à ciência jurídica, São Paulo, Saraiva, 1989, p. 255-98; Pablo S. GagÜano e Rodolfo Pamplona Fa, Novo curso de direito civil, São Paulo, Saraiva, 2002, v. 1, p. 9-29. 60. Nelson de Souza Sampaio, Fontes do direito — II, in Enciclopédia Saraiva do Direito, v. 38, p. 51 e 53. 61. Kelsen, Teoria pura do direito, 2. ed., 1962, v. 2, p. 85. 35 T e o r ia G e r a l d o D i r e i t o C iv il Emprega-se também a expressão "fonte do direito" como equivalente ao fundamento de validade da ordem jurídica. A teoria kelseniana, por postular a pureza metódica da ciência jurídica, procura afastá-la de quaisquer influências sociológicas, ideológicas ou valorativas, liberando-a da análise de aspectos fáticos, teleológicos, morais ou políticos que, porventura, estejam ligados ao direito, remetendo o estudo desses elementos à sociologia, à política e à filosofia da justiça. Portanto, só as normas são suscetíveis, segundo Kelsen, de indagação teórico-científica. Com isso a problemática das fontes jurídicas confunde-se com a validade das normas de direito. Essa doutrina designa como "fonte" o fundamento de validadè jurídico-positiva da norma jurídica. O fundamento de validade de uma norma, como assevera Kelsen, apenas pode ser a validade de uma outra, figurativamente denominada norma superior, por confronto com uma norma que é, em relação a ela, a norma inferior. De maneira que o direito deve ser considerado como um sistema escalonado e gradativo de normas jurídicas suprainfraordenadas umas às outras, ou melhor, em que cada qual retirará sua validade da camada que lhe for imediatamente superior e assim sucessivamente até atingir a norma hipotética fundamental. Logo, é fonte jurídica a norma superior que regula a produção da norma inferior. Assim, a Constituição é a fonte das normas gerais, elaboradas pelo Poder Legislativo, Executivo e por via consuetudinária, e uma norma geral é fonte, p. ex., da sentença judicial que a aplica e que é representada por uma norma individual. Num sentido jurídico-positivo, fonte jurídica só pode ser o direito, pelo fato de que ele regula a sua própria criação, uma vez que a norma inferior só será válida quando for criada por órgão competente e segundo certo procedimento ou processo previsto em norma superior. A aplicação do direito é, concomitantemente, sua criação. Para essa concepção, entendese também por fonte jurídica a norma hipotética fundamental, que confere o fundamento último de validade da ordem jurídica. Tal ocorre porque é impossível encontrar na ordenação jurídica o fundamento positivo para a Constituição. Verifica-se que, na teoria pura do direito, a ciência jurídica, ao contemplar o direito como um sistema normativo, está obrigada a pressupor uma norma hipotética fundamental que garanta a possibilidade de conhecer o direito, pois é ela o princípio ideal que reduz as normas jurídicas a uma unidade absoluta; conferindo-lhes validade. Essa norma básica foi, por Kelsen, designada como constituição no sentido lógico-jurídico, diferenciando-a assim da Constituição em sentido lógico-positivo. Essa norma fundamental diz apenas que se deve obedecer ao poder que estabelece a ordem jurídica, mantendo a ideia de que uma norma somente pode originar-se de outra, da qual re 36 tira sua validez62. Nesta acepção enquadra-se, em certa medida, a fonte formal da teoria tradicional, que é a idônea para produzir norma jurídica, ou seja, a que é constituída pelos elementos que, na ordenação jurídica,l?ervem de fundamento para dizer qual é o direito vigente63. Estamos com a teoria egológica de Carlos Cossio, que demonstrou que o jurista deve ater-se tanto às fontes materiais como às formais, preconizando a supressão da distinção, preferindo falar em fonte formal-material, já que toda fonte formal contém, de modo implícito, uma valoração, que só pode ser compreendida como fonte do direito no sentido de fonte material. Além disso, a fonte material aponta a origem do direito, configurando a sua gênese, daí ser fonte de produção, aludindo a fatores éticos, sociológicos, históricos, políticos etc.; que produzem o direito e condicionam seu desenvolvimento. A fonte formal lhe dá forma, demonstrando quais os meios empregados pelo jurista para conhecer o direito, ao indicar os documentos que revelam o direito vigente, possibilitando sua aplicação a casos concretos, apresentando-se, portanto, como fonte de cognição64. As fontes formais podem ser estatais e não estatais. As estatais subdividem-se em legislativas (leis, decretos, regulamentos etc.), jurisprudenciais (sentenças, precedentes judiciais, súmulas etc.)65 e C u r s o d e D i r e i t o C iv il B r a s il e ir o 62. Kelsen, op. cit., p. 84; Nelson de Souza Sampaio, op. cit., p. 52 e 53; Maria Helena Diniz (A detida jurídica, cit., p. 18 e s., 145 e s. e 155 e 156) esclarece que "a norma fundamental é metajurídica no sentido de não ser uma norma positiva, criada por um ato real volitivo de um órgão jurídico e sim uma norma pressuposta no pensamento jurídico. Por não ser positiva, é óbvio que ela não pertence ao sistema, sendo até mesmo anterior a ele, que dela depende. Fora do sistema tem a norma básica uma função postulatória, ou seja, consiste no ponto de partida necessário à investigação jurídicocientífica. Todavia é jurídica no sentido de ter funções jurídicas relevantes como a de fundamentar a validade objetiva do significado subjetivo dos atos de vontade criadores da norma e a de fundamentar a unidade de uma pluralidade de normas. Dentro do sistema tem ela uma dupla função constitutiva: a de dar unidade e a de dar validade a um sistema de normas". 63. Luiz Fernando Coelho, Fonte formal, in Enríclopêdia Saraiva do Direito, v. 38, p. 40. 64. Luiz Fernando Coelho, Fonte de produção e Fonte de cognição, in Enciclopédia Saraiva do Direito, v. 38, p. 39 e 40. Alf Ross (Diritto e ginstizia, 3. ed., Torino, 1965, p. 74) reúne os dois tipos de fontes na seguinte definição: "Por fontes do direito entende-se o conjunto dos fatores que influem sobre a formulação da norma que serve de fundamento à decisão do juiz, com o acréscimo de que essa influência pode variar desde aquelas fontes que fornecem ao juiz uma norma já elaborada e que ele simplesmente tem que aceitar até aquelas fontes que só lhe oferecem ideias e inspiração, das quais ele formulará a norma que necessita". 65. O termo jurisprudênda está sendo empregado como o conjunto de decisões uniformes dos tribunais. É, como prefere Miguel Reale (Liçõespreliminares de direito, p. 167 e 175), 37 convencionais (tratados e convenções internacionais). As não estatais, por sua vez, abrangem o direito consuetudinário (costume jurídico), o direito científico (a doutrina)66 e as convenções em geral ou negócios jurídicos67. T e o r ia G e r a l d o D i r e i t o C ivil a forma de revelação do direito que se processa através do exercício da jurisdição, em virtude de uma sucessão harmônica de decisões dos tribunais. Os recursos ordinários e extraordinários do Supremo Tribunal Federal vão estabelecendo a possível uniformização das decisões judiciais. O Supremo Tribunal coordena e sistematiza sua jurisprudência mediante enunciados normativos que resumem as teses consagradas em reiteradas decisões. São as Súmulas do STF, que periodicamente vêm sendo atualizadas, constituindo, não um simples repertório de ementas de acórdãos, mas um sistema de normas jurispradenciais a que a Corte subordina os seus arestos. W. Barros Monteiro (op. cit.,. p. 23) apresentou vários casos concretos que realçam a importância da jurisprudência na formação do direito; dentre eles, podemos transcrever o seguinte: "Para o casal italiano, vindo pobre para o Brasil, o regime matrimonial era o da completa separação, por força de seu estatuto pessoal. Nessas condições, bens adquiridos em nome do marido só a ele pertenciam. Muitas situações iníquas surgiram em detrimento da mulher, com a aplicação do art. 14 da velha Lei de Introdução ao Código Civil. Passou, então, a jurisprudência a admitir, em casos semelhantes, a comunhão dos bens adquiridos na constância do matrimônio, porque a presunção era a de que a esposa havia contribuído com seu esforço, trabalho e economia para a aquisição. Tal entendimento tomou-se normal, sendo certo que à brasileira, casada com estrangeiro, sob regime que exclua a comunhão universal, socorre a mesma disposição específica (Dec.-lei n. 3.200/41, art. 17)". Impossível esquecer o papel que está reservado à jurisprudência na criação do direito. 66. Na lição de Fábio Ulhoa Coelho {Curso de direito civil, cit., v. 1, p. 65 e 66), as normas jurídicas externas podem ser: a) internacionais, se advindas de acordo entre Estados soberanos (convenções ou tratados); b) supranacionais, se editadas por organismos internacionais (ONU; OMC — Organização Mundial do Comércio; União Européia etc.). Se forem internalizadas, passam tais normas a ter a mesma hierarquia das leis. A doutrina é formada pela atividade dos juristas, ou seja, pelos ensinamentos dos professores, pelos pareceres dos jurisconsultos, pelas opiniões dos tratadistas. É a doutrina que constrói as noções gerais, os conceitos, as classificações, as teorias, os sistemas. Com isto exerce função relevante na elaboração, reforma e aplicação do direito, devido à sua grande influência na legislação e na jurisprudência. Sobre o assunto, vide Orlando Gomes, Introdução ao direito civil, cit., p. 54; Nelson Godoy Bassil Dower, Curso moderno de direito civil, v. 1, p. 29; W. Barros Monteiro, op. cit., p. 21 e 22. Miguel Reale, por sua vez, nega à doutrina a qualidade de fonte do direito, ao escrever nas Lições preliminares de direito (p. 176): "as fontes de direito produzem modelos jurídicos, isto é, estruturas normativas que, com caráter obrigatório, disciplinam as distintas modalidades de relações sociais. Como pensamos ter demonstrado em nosso livro O direito como experiência, enquanto as fontes revelam modelos jurídicos que vinculam os comportamentos, a doutrina produz modelos dogmáticos, isto é, esquemas teóricos, cuja finalidade é determinar: a) como as fontes podem produzir modelos jurídicos válidos; b) que é que estes modelos significam e c) como eles se correlacionam entre si para compor figuras, institutos e sistemas, ou seja, modelos de mais amplo repertório". Para nós a doutrina é, como afirmamos mais adiante, fonte de direito por ser norma consuetudinária. 67. Luiz Fernando Coelho, op. cit., p. 41. Chironi e Abello (Trattato di diritto civile, v. 1, nota 1, p. 23) discutem sobre se o contrato deva ser incluído como uma das fontes do 38 C o r s o d e D i r e i t o C iv il B r a s i l e ir o E . N o r m a j u r í d i c a e.l. Conceito Tem razão Alexandre Caballero68 ao afirmar que "é um fenômeno normal o da evolução dos conceitos, mesmo dos mais elementares e fundamentais. Quanto mais manuseada uma ideia, mais ela fica revestida de minuciosos acréscimos, sempre procurando os pensadores maior penetração, maior exatidão, maior clareza. A interferência das mais diversas teorias sobre um conceito em lugar de esclarecer complica, frequentemente, as ideias. E, o que era antes um conceito unívoco, converte-se em análogo e até em equívoco. Tal a variedade e disparidade de significação que lhe acabam sendo atribuídas". De modo que quem quiser orientar-se acerca do problema do conceito da norma jurídica encontrar-se-á, portanto, diante de uma imensidão caótica de orientações e pontos de vista diferentes que lhe não será fácil dominar. Isto nos leva a pensar na necessidade de buscar, com absoluta objetividade, o conceito de norma jurídica, pois não existe entre os juristas um certo consenso na definição da norma jurídica, que é uma das partes integrantes do direito. Para tanto dever-se-á ter presente que "um dos caminhos para a descoberta das essências das coisas é o que leva à intimidade das palavras que as simbolizam", revelando sua íntima estrutura, desvendando os elementos de que se compõem, enumerando seus aspectos inteligíveis ou notas, pois é óbvio que o conjunto desses aspectos constitui o perfeito conhecimento intelectual dos objetos69. direito, advertindo que uma das conseqüências da confusão entre fontes do direito objetivo e fontes do direito subjetivo é colocar-se o contrato como uma das fontes do direito. Dizem eles, o contrato pode ser fonte do direito objetivo, mas é ilógico eleválo ao mesmo plano da lei e dar-lhe a mesma força e significação jurídica, dada a diversidade de sua posição jurídica, restrita a um dado caso concreto, enquanto as relações jurídicas atuam sempre in abstracto. Eis por que a teoria clássica exclui os negócios jurídicos da categoria de fontes do direito. Observam Laborde-Lacoste (Intr. gênérale à 1’étude du droit, Paris, n. 206, p. 171 e 172) que, no fim do século XIX, os autores juspublicistas, como Duguit, Bonnard, Jèze, criticaram essa concepção clássica, partindo da ideia de que o contrato, sendo uma manifestação de vontade, exteriorizada com o fim de produzir efeito jurídico, constitui fonte de direito. Miguel Reale (Lições preliminares, cit., p. 178-81) salienta a importância do poder negocial como força geradora de normas jurídicas. 68. A. Caballero, O ser em si e o ser para si, RBF, 48(71):277,1968. 69. G. Telles Jr., Introdução, cit., fase. 4,1972, p. 219 (apostila). 39 T e o r ia G e r a i , d o D i r e i t o C i v i i Os conceitos refletem, no nosso entender, a essência da coisa, e as palavras são veículos dos conceitos. Isto supõe a relação entre significados das expressões lingüísticas e a realidade. A operação de se revelar o que um objeto é, por meio da enunciação de seus aspectos inteligíveis, chama-se operação de definir; seu produto é a definição. A lógica tradicional que procede de Aristóteles ensina que se determina a essência das coisas por meio de uma definição, ou seja, por indicação do gênero próximo e da diferença específica70. É preciso definir exatamente a norma jurídica, purificando-a de seus elementos contingentes, que encobrem sua verdadeira natureza, assinalando as essências que fazem dela uma realidade diferente de todas as realidades sociais. Logo, só a definição real essencial revela a essência da norma jurídica pelo gênero próximo, que é a ideia imediatamente superior, quanto à extensão, à ideia de norma, e pela diferença específica, ou seja, a qualidade que, acrescentada a um gênero, constitui uma espécie, distinta como tal de todas as espécies do mesmo gênero71. Ante a1 multiplicidade de normas, o pensamento deverá munir-se de um critério seletor que consiga enquadrar os caracteres essenciais das normas investigadas. Como o "ser" jurídico da norma não está na coisa material, sendo uma significação ideal que mantém com o objeto real uma relação peculiar, só a intuição racional poderá apreendê-lo, atingindo o conceito da norma jurídica, sem recorrer a nenhuma disposição normativa, sem fazer confrontos entre duas ou mais normas, devido a uma visão intelectual. A intuição racional consiste em olhar para uma norma qualquer, prescindindo de suas particularidades, de seu conteúdo ou caráter psicológico, sociológico etc., não considerando sua existência singular, para atingir aquilo que tem de geral, ou seja, ir isolando do objeto tudo o que for acidental até atingir a ideia72. 70. Fritz Schreier, Conceptos y formas fmdamentales dei derecho, Buenos Aires, Losada, 1942, p. 26; G. Telles Jr., Tratado da consequência, 2. ed., Bushatsky, 1962, p. 324-6; Jacques Maritain, Éléments de philosophie; petite logique, 2. ed., çi. 29, p. 95; Edmund Husserl, Idées directrices pour une phénoménotogie, 4. ed., Ed. Gallimard, 1950, p. 46. 71. Régis Jolivet, Curso de filosofia, 7. ed., Rio de Janeiro, Agir, 1965, p. 36. 72. L. Vilanova, Sobre o conceito do direito, Imprensa Oficial, Recife, 1947, p. 107-15, 123; Aloys Müller, Introducción a la filosofia, Buenos Aires, 1937, p. 104; Recaséns Siches, Tratado general de filosofia dei derecho, 3. ed., México, Porrúa, 1965, p. 458 e 459; Max Planck, Aonde vai a ciência? 40 C u r s o d e D i r e i t o C iv il B r a s i l e ir o Colocado ante uma norma, o sujeito cognoscente vai depurando-a, objetivamente, através de fases sucessivas de eliminação, até captá-la em toda sua pureza. Isto é assim porque a norma de direito encontra-se no mundo dos objetos reais, sendo valiosa positiva ou negativamente. As normas jurídicas têm um conteúdo que varia de acordo com as épocas, lugares, políticas dominantes etc. O conteúdo varia mas não a norma jurídica; esta é como que um invólucro capaz de reter dentro de si os mais variados conteúdos. Por este motivo podemos falar que é jurídica a norma jurídica argentina, a americana, a russa, a brasileira etc. O que demonstra que, além dos fatores particulares e imediatos que determinam as normas singulares, existem outros gerais e comuns. Todas elas têm em comum alguma coisa, que faz delas normas jurídicas; trata-se de sua essência. A essência não se confunde com a norma jurídica. A norma é algo real, porém, sua essência é ideal73, pois é atemporal, não está no espaço, é a priori, porque não depende desta ou daquela experiência; a ela não chegamos através dos sentidos, mas da intuição intelectual, e é neutra ao valor. É o conceito que fixa a essência, a dimensão ideal da norma, o seu elemento imutável e necessário74. Logo, o conceito não reproduz a norma, uma vez que funciona como um princípio de simplificação, tendo uma função seletiva75. Este conceito deve dar-nos a essência do jurídico, deixando de lado todos os qualificativos específicos e individuais, abrangendo todas as normas jurídicas que existiram, existem e hão de existir, servindo para a norma civil, penal, administrativa, tributária, processual etc. Sendo aplicável ao ordenamento de um povo primitivo ou dè um Estado civilizado, compreende, igualmente, as normas justas como as injustas, pois o sentido da norma jurídica deve ser apenas a intenção de realizar a justiça e não seu logrado cumprimento76. 73. L. Vilanova, op. cit., p. 58; Celso Antônio Bandeira de Mello, Metodologia do direito administrativo, aula proferida no Curso de Especialização em Direito Administrativo da PUC/SP, 1972, p. 17; Del Vecchio, Lições de filosofia do direito, 2. ed., Coimbra, Ed. A. Amado, 1951, p. 16 e 17; Juan Llambias de Azevedo, Eidética y aporêtica dei derecho, Buenos Aires, Espasa-Calpe, 1940, p. 18; Legaz y Lacambra, Filosofia dei derecho, 3. ed., Barcelona, Bosch, 1972, p. 166; Goldschmidt, Filosofia, historia y derecho, Buenos Aires, Livr. Jurídica, 1953, p. 102. 74. Cathrein, La filosofia dei derecho; el derecho natural y el positivo, 3. ed., Madrid, Ed. Reus, 1940, p. 17. 75. L. Vilanova, op. cit., p. 15 e 16. 76. Por mais desagradável que isto resulte não há por que duvidar de que houve, há e sempre haverá normas injustas: a que instituiu a escravidão, as inúmeras leis fascistas, 41 T e o r ia G e r a i , d o D ir e i t o C ivil Urge, portanto, que se faça uma análise racional sobre a natureza da norma jurídica, eliminando tudo o que resulte ao espírito como sendo acessório, numa seleção gradual que tenha em vista, tão somente, destacar as notas essenciais da norma jurídica77. A norma jurídica é, sem dúvida, uma norma de conduta, no sentido de que seu escopo direto ou indireto é dirigir o comportamento dos indivíduos particulares, das comunidades, dos governantes e funcionários no seio do Estado e do mesmo Estado na ordena internacional. Ela prescreve como se deve orientar a conduta de cada um, sendo, portanto, prescritiva ou diretiva. É manifestação de um ato de vontade do poder, por meio do qual uma conduta humana é obrigatória, permitida ou proibida. É imperativa como toda norma de comportamento humano dèstinada a regular o agir do homem e a orientá-lo para suas finalidades. Por conseguinte, é imperativa, porque "imperar" é impor um dever, o qual é da essência do preceito78. Nota-se que a norma jurídica situa-se no âmbito da normatividade ética, pois tem por objetivo regular a conduta humana tendente à consecução de seus fins próprios, no seio de uma sociedade. Apresenta-se, portanto, na vida social como uma ordem de conduta, ou de "dever ser", que indica que os comportamentos devem ser assim, de uma determinada maneira; logo pertence à ordem ética, que tem por objeto as ações humanas. A norma moral e a jurídica têm em comum a base ética; ambas são normas de comportamento. Assim sendo, a nòrma jurídica possui uma essência ética, uma vez que indica como deve ser a conduta dos simples indivíduos, autoridades e instituições na vida social79. E é justamente isso que a distingue da lei físico-natural, cuja finalidade é a explicação de relações constantes entre fenômenos, sendo constatativa nazistas e soviéticas (conglomerado das mais anti-humanas e nefandas normas), que contudo não deixam de ser jurídicas, ainda que abomináveis, aviltantes e repugnantes aos nossos sentimentos. 77. Jacy de Souza Mendonça, Problemática filosófico-jurídica atual, RBF, 81:52, 1971. 78. Kelsen, Teoria pura do direito, 2. ed., Coimbra, Ed. A. Amado, 1962, v. 1, n. 4-"b", p. 7, e 4-"c", p. 22; Juan Manuel Teran, Filosofia dei derecho, 5. ed., Porrúa, 1971; Del Vecchio, Filosofia dei derecho, p. 339. 79. Leonardo Van Acker, Sobre um ensaio de jusnaturalismo fenomenológico-existencial, RBF, 20(78):186,1970; Paul Amselek, Méthodephénommiologique etthéorie du droit, Libr. Générale de Droit et de Jurlsprudence, 1964, p. 71. 42 C u r s o d e D i r e i t o C iv il B r a s il e ir o de uma certa ordem que se verifica em qualquer setor da natureza. A norma ética, como, p. ex., a jurídica, tem por fim provocar um comportamento. Postula uma conduta que, por alguma razão, se estima valiosa, ainda que de fato possa produzir-se um comportamento contrário. Exprime o que deve ser, manda que se faça algo, e talvez não seja cumprida, isto porque o suposto filosófico de toda norma é a liberdade dos sujeitos a que obriga, situando-se no campo da atividade humana representada pela consciência e liberdade. Impõe dever, sendo, portanto, imperativa e não constatativa como a lei da natureza, que nada impõe à natureza. Todas as normas, sejam elas morais, religiosas, educativas ou jurídicas, são normas éticas, ou seja, mandamentos imperativos. O traço distintivo entre a norma ética e a lei física é a imperatividade, pois diferencia as normas de comportamento humano das leis que regem outros seres. Por conseguinte, é a nota de imperatividade que revela o gênero próximo da norma jurídica80, incluindo-a no grupo das normas que regulam o comportamento humano. A imperatividade é característica essencial genérica e importantíssima da norma jurídica. Não se pode conceber uma norma que não tenha caráter imperativo, elemento iniludível da norma de direito. Entretanto, uma norma que desse lugar tão somente a um mero dever não seria uma norma jurídica. A caracterização da norma de direito como imperativo é insuficiente, porque não permite diferenciá-la do heterogêneo conjunto de normas que a vida em sociedade nos oferece. A problemática da distinção entre norma moral e jurídica é uma velha questão doutrinária. Quando se examinam as ideias dos juristas a esse respeito, percebe-se um sem-número de pontos de vista. Há quem julgue que a sanção é a sua nota específica. Contudo, consideramos estreita a concepção da norma jurídica caracterizada pela sanção. Isto porque não é a sanção que distingue a norma jurídica da norma moral e dos convencionalismos sociais. Tanto estas como as jurídicas são sancionadoras, pois a infração de seus preceitos acarreta conseqüências. Já as 80. G. Telles Jr., O direito quântico, p. 262 e 172; Paul Amselek, La phénoménologie et le droit, in Archives de philosophie du Droit et Sociologie Juridique, 1972, p. 229 e 234. 43 T e o r ia G e r a l d o D i r e i t o C iv il leis físicas não o são, porque as conseqüências por elas previstas resultam, necessariamente, do fato em seus nexos causais. O desrespeito a uma norma moral pode causar: 1) sanção individual e interna, ou seja, da consciência, que nada mais é senão a insatisfação ou o desgosto (arrependimento, vergonha, remorso); 2) sanção externa, como a opinião pública que estima as pessoas honestas e lança ao desprezo os iníquos (desconsideração social)81. Pensamos que a sanção da norma moral e a dos usos sociais pode estar contida implicitamente e predeterminada na norma; mas consiste numa condenação, numa censura ao infrator pronunciada pelo círculo social a que pertence ou numa reprovação que poderá chegar até à eliminação do violador da norma do referido círculo. Como a transgressão de normas morais ou sociais desencadeia uma sanção de reprovação ou de exclusão de um determinado círculo coletivo — sanção esta que pode resultar gravíssima para o sujeito e cujo temor costuma exercer uma vigorosa influência —, a sanção não pode ser a característica específica da norma jurídica82. Logo, não é a sanção a nota distintiva da norma jurídica, porque a norma moral também contém sanções83. 81. R. Jolivet, op. cit., p. 382; Vicente Ráo, O direito e a vida dos direitos, Max Limonad, 1952, v. 1, p. 37. 82. Recaséns Siches, Panorama dei pensamiento jurídico en el siglo XX, t. 1, p. 501. Virally afirma: "La violation des règles morales peut entrainer des réactions sociales qui dépassent la simple désaprobation, et qui, pour être spontanées, peuvent être violents et automatiques: mise au ban, quarantaine, expulsion, sans parler d'autres humiliations” (La pertsêe juridique, Paris, LGDJ, 1960, p. 77). 83. Contudo alguns autores a consideram como elemento específico da norma jurídica; dentre eles podemos citar Durkheim, que afirma que o que diferencia a norma moral da jurídica é a forma da sanção. A norma moral está acompanhada de uma sanção difusa, isto é, não organizada, ao passo que a norma jurídica contém sanção organizada, uma vez que um órgão competente a exerce e executa. São da mesma opinião Raddiffe-Brown, que ponderam que só há normas jurídicas apenas quando as sanções forem aplicadas por autoridade constituída, política, religiosa ou econômica, e se as sanções não emanarem da referida autoridade, mas derivarem da sociedade difusamente, então, não há normas jurídicas, mas tão somente costumes; e Thumwald, que diz que o fenômeno de uma sanção organizada distingue a ordem jurídica dos costumes e usos sociais. Vide Durkheim, Division, Introduction, p. 25-37; Radcliffe-Brown, Law primitive e Sanction social, in Encyclapaedia ofthesocial sciences; Thurnwald, Origem, formação e transformação do direito, Sociologia, v. 3, n. 3/1941; Stodieck, Problemas da filosofia do direito, RF, 228(542), 1948; Malinowski (Crime and custom in savage society) pesquisou o direito dos habitantes das Ilhas Trobriand, na Melanésia, sustentando que é possível divisar a existência da norma jurídica mesmo sem a presença de uma sanção organizada que a tome obrigatória. Põe em dúvida, portanto, que a sanção organizada seja caráter específico da norma de direito. 44 Além do mais, a "sanção é uma medida legal que poderá vir a ser imposta por quem foi lesado pela violação da norma jurídica a fim de fazer cumprir a norma violada, de fazer reparar o dano causado ou de infundir respeito à ordem jurídica"84. A norma de direito, ao mesmo tempo que estabelece a ordem desejada, sanciona a transgressão a esta ordem, a fim de que essa infração não se produza. É, portanto, medida legal que a norma jurídica estabelece antes de ser violada. É um remédio colocado à disposição do lesado para eventual uso; logo esse remédio não é empregado necessariamente, o lesado o emprega quando quiser. É sempre medida ligada à violação possível da norma e não à norma jurídica. Está prescrita em norma de direito antes que haja violação. Não há sanção legítima sem norma jurídica que a institua e regulamente. Se é a norma que a estatui não pode ser de sua essência. "A sanção é a consequência jurídica que o não cumprimento de um dever produz em relação ao obrigado"85. O essencial na norma jurídica não pode ser a consequência jurídica (a sanção), precisamente porque é consequência. Como toda consequência, a sanção encontra-se condicionada pela realização de um suposto, ou seja, da violação da norma86. Se a obrigação for cumprida, a sanção não pode impor-se. A sanção é, portanto, indiferente, estranha à essência específica da norma de direito. Outros colocam a coação como elemento essencial da norma jurídica. A coação é a aplicação ou realização efetiva da sanção87. Quando a sanção for imposta ao violador da norma jurídica é que se dá a coação. Os adeptos da teoria do coativismo sustentam que a nota especificadora da norma C u r s o d e D i r e i t o C iv il B r a s i l e i r o 84. G. Telles Jr., Anotações de aula proferida no curso de Pós-Graduação em Direito da USP, 1971. 85. Garcia Máynez, Jntroducción al estúdio dei derecho, n. 154, p. 97; Du Pasquier, Introduction à la théorie générale et à la philosophie du droit, n. 135, p. 112. 86. Llambias de Azevedo, Eidética y aporética, cit., p. 86; Benvenuti, Sul concetto di sanzione, Jus, 1955, p. 223 e s.; Mandrioli, Appunti sulla sanzione, Jus, 1956, p. 86 e s. 87. Sforza, Norma e sanzione, RIFD, 1:6, 1921; Pekelis, II diritto come volontà constante, Pádua, 1930, p. 109 e s.; Aliara, Le nozioni fondamentali dei diritto privato, Torino, 1939, v. 1, p. 6; Goffredo Telles Jr., Anotações de aula proferida no Curso de Pós-Graduação em Direito da USP, em 1971; Camelutti, H valore delia sanzione nel diritto, Rivista di Diritto Processuale, 1:237 e s., 1955; Garcia Máynez, Introducciõn al estúdio dei derecho, México, Porrúa, 1972, p. 298 e s. 45 jurídica reside no uso da força88; com isso a norma jurídica converter-se-ia num fenômeno físico, ter-se-ia, então, justamente, o contrário do que as análises anteriores nos demonstraram, apareceria como a causa de um efeito. A ideia de força das normas de direito está em contradição manifesta com a realidade. Elas não exercem nenhuma pressão sobre o indivíduo, apenas lhe indicam o caminho que deve seguir. Realmente, como poderia a norma coagir? Como poderia tomar um indivíduo pelo braço e forçá-lo a fazer ou a não fazer algo? A 'norma não age, logo não coage89, apenas prescreve a conduta daquele que pode exercer coação. A coação não é exercida pela norma jurídica, mas por quem é lesado pela sua violação90. Se a norma jurídica fosse coativa, a coação seguiria, necessariamente, a sua violação. Nem sempre isso ocorre; pode suceder que a norma seja violada sem que haja alguma coação contra o seu infrator. Inúmeros são os casos em que os lesados abrem mão da coação91. A violação da norma jurídica pressupõe, necessariamente, a existência dessa norma, isto porque o que não existe não pode ser violado, de maneira que a norma é anterior à coação. Logo, não é a norma que depende da coação, mas é a coação que depende da norma. A norma jurídica vigora sem coação, pois com sua promulgação já é uma norma completa, com plena vigência, ao passo que a coação depende da preexistência da norma de direito, porque decorre da sua violação. Se a coação supõe a existência da norma jurídica, jamais poderia ser um elemento essencial desta. Note-se, ainda, que a coação pode nunca aparecer, bastando que a norma não seja violada, posto que é perfeitamente possível que ninguém infrinja a norma jurídica. Além disso, a regulamentação da coação é feita pela norma jurídica, para que não se converta numa brutal arbitrariedade e em T e o r ia G e r a l d o D i r e i t o C iv il 88. Hermes Lima, Introdução à ciência do direito, Ed. Nacional de Direito, 4. ed., p. 98 e 99, 1944; 6. ed., p; 19 e 22, 1952; Suárez, Tratado de ias leyes y de Dios legislador, Madrid, Reus, 1921, Livro III, 2,11,12; Ihering, El fin en el derecho, v. 1, p. 320; Olivecrona, Law as fact, London, Oxford University Press, 1959, p. 134; Alf Ross, On law and justice, London, Ed. Stevens, 1958, p. 34, 52 e 53. 89. G. Telles Jr., O direito quântico, cit., p. 264 e 265; Carbonnier, Droit civil, 1957, v. 1, p. 5; Lucien Aulagnon, Aperçu sur la force dans la règle de droit, in Mélanges Roubier, Dalloz, 1961, v. 1, p. 29. 90. G. Telles Jr., O direito quântico, cit., p. 265. 91. Schreier, Conceptos y formas fundamentales dei derecho, Buenos Aires, Losada, 1942, p. 111 e 117; Rosmini, Filosofia dei diritto, 2. ed., 1865, v. 1, p. 126; G. Telles Jr., Filosofia do direito, 2. ed., p. 279; M. Reale, Filosofia do direito, v. 1, p. 234. 46 violência. São as normas que disciplinam as condições e procedimento em que a coação pode ou deve ser exercida, as pessoas que podem e devem exercê-la etc.92. Para que haja coação é preciso que o violador da norma seja encontrado e identificado. Muitos são os infratores que burlam a ação da polícia: poderão não ser capturados, identificados, ou mesmo, se encontrados, poderão conseguir que um hábil advogado demonstre a sua inocência. A coação não é, pois, elemento constitutivo da norma jurídica. Se o fosse, nos casos em que se torna impossível a coação, desapareceria a norma jurídica. Existem autores que julgam que a norma jurídica exerce contínua coação sobre todos pelo medo que inspiram as conseqüências decorrentes de sua violação. Trata-se da coação psíquica ou coerção. Ora, o medo de violar a norma só pode nascer se existir uma norma a violar. Deveras, que medo pode haver das conseqüências da violação de uma norma de direito se essa norma não existe? Além disso, a norma jurídica não é a causa do medo. O medo não é da norma, mas das conseqüências que advêm de sua transgressão. A coerção não é privativa das normas de direito, pois o cumprimento de normas morais pode ser também motivado pelo medo das conseqüências que decorrem de sua violação. É importante esclarecer que o medo de violar a norma jurídica só existe em quem deseja violá-la. O normal é a eficácia pacífica da norma, sem necessidade do recurso à intimidação para obrigar os indivíduos a se sujeitarem a ela93. A norma jurídica será acatada pela maioria dos membros da comunidade porque serve aos seus interesses, merecendo o seu respeito. Não há dúvida de que a coerção possui uma eficácia preventiva. Todavia, se uma grande parte dos cidadãos resolver ser violenta, aplicando atos de sabotagem e resistência às normas jurídicas, a coerção será inútil para levá-los a cumprir as normas jurídicas. A coação física ou psíquica não entra na constituição da norma jurídica, embora seja um elemento importantíssimo na vida do direito, como um remédio que socorre a norma jurídica quando ela for violada. É a força a C u r s o d e D i r e i t o C iv il B r a s il e ir o 92. G. Telles Jr., O direito quântico, cit., p. 265; Bobbio, Studi per una teoria generale dei diritto, Torino, Giappichelli, 1970, p. 128. 93. G. Telles Jr., O direito quântico, cit., p. 266. 47 T e o r ia G e r a l d o D i r e i t o C ivil serviço da norma de direito; é um elemento externo que surge para revigorar a norma violada. Pelo exposto percebe-se que a coação não soluciona o problema do caráter jurídico da norma de direito. Alguns autores sustentam, então, que a coativiáade é parte dela necessariamente por ser a possibilidade de exercer a coação94. A norma jurídica para esses juristas é sempre um imperativo acompanhado da possibilidade do emprego da coação. A coação só intervém no caso de transgressão da norma e a possibilidade de coagir permanece latente, mesmo se a norma é respeitada. Engenhosa é esta argumentação, mas não convincente, como facilmente se demonstrará. A coatividade é contingente, pois só pode fundar-se em norma jurídica já existente, supondo a norma, uma vez que existe para sua defesa; logo, não pode ser de sua essência. Além disso, essa possibilidade de coagir o violador da norma jurídica há de pertencer a alguma entidade. Não será, obviamente, a própria norma de direito, que não contém, em si mesma, nenhuma possibilidade de coagir95. A coação é um ato consciente, logo, só seres conscientes têm a possibilidade de exercê-la. A coatividade não pode pertencer à norma, mas ao lesado. Impossível definir a norma jurídica pela coatividade, que é elemento que não lhe pertence. Petrazycki deu um passo à frente ao dizer que as normas jurídicas são atributivas, pois antes de sua obra os autores apenas diziam que eram coativas, superando, assim, os imperfeitos critérios de coação e de coatividade como elementos específicos das normas de direito96. A sua ideia tornou-se tradicional. O elemento essencial específico da norma jurídica passou a ser a atríbutividade, que é a qualidade inerente à norma jurídica de atribuir a quem seria lesado por sua eventual violação a faculdade de exigir do violador, por meio do poder competente, o cumprimento dela ou a reparação do mal sofrido. 94. Tomásio, Fundamenta iurís naturae etgentíum, 1705; Cammerata, Sidla coattività delle normegiuriãiche, Milano, 1932; Alessandro Levi, Teoria generale dei diritto, Padova, 1950, p. 146-8. 95. G. Telles Jr., O direito quântico, cit., p. 270. 96. Petrazycki, Theory oflaw, 1913. 48 C u r s o d e D i r e i t o C i v i l B r a s il e ir o 4 € Essa concepção, contudo, deu ensejo a uma série de pesquisas e análises, a uma longa meditação, que precisavam ser feitas e que efetivamente foram feitas, magistralmente, por Goffredo Telles Jr. A norma jurídica, diz ele97, não é uma atribuição de faculdade especial, a quem tenha sido lesado pela violação, de reagir contra quem o lesou. Não tem a norma jurídica nenhuma possibilidade de fazer essa atribuição, isto porque ela não possui nenhuma faculdade de reagir contra quem quer que seja. Com efeito, a etimologia indica, claramente, que a "faculdade" é principio de ação, pois este termo deriva do latim facultas, cuja raiz é facere (fazer, agir). Em vista disso, devemos confessar que o alcance jurídico outorgado a este vocábulo não está de acordo com sua significação etimológica. A faculdade é uma qualidade inerente ao homem. A filosofia clássica já ensinava que as faculdades são "potências ativas ou qualidades que dispõem imediatamente um ser a agir". As faculdades humanas são qualidades do homem que independem de normas jurídicas; elas existem com ou sem normas de direito98. Não se diga, pois, que a norma jurídica é atributiva. Para Goffredo Telles Jr., a essência específica da norma de direito é o autorizamento, porque o que compete à norma é autorizar ou não o uso dessa faculdade de reação do lesado. A norma jurídica autoriza que o lesado pela violação exija o cumprimento dela ou a reparação pelo mal causado. Em rigor deveríamos dizer que tal autorizamento é da sociedade e não da norma, mas como é a norma jurídica que prescreve as ações exigidas e proibidas pela sociedade nada desaconselha dizer que o autorizamento pertence à norma que exprime em palavras o autorizamento inerente à sociedade99. Com efeito, o elaborador da norma intervém apenas para legitimar as faculdades humanas e não para interditá-las. Nas normas jurídicas há assim um contínuo de licitudes e um descontínuo de ilicitudes. A norma jurídica traça, objetivamente, as fronteiras entre o lícito e o ilícito jurídico. É, portanto, a norma jurídica que autoriza o uso da faculdade de coagir, legitimando-a. A coatividade é do lesado, mas o autorizamento para o 97. G. Telles Jr., O direito quântico, cit., p. 236. 98. G. Telles Jr., O direito quântico, cit, p. 270. 99. G. Telles Jr., O direito quântico, cit., p. 264. 49 T e o r ia G e r a l d o D i r e i t o C iv il seu uso é da norma jurídica. Logo, o autorizamento é condição para o uso lícito da coatividade, sendo o elemento necessário e específico da norma jurídica, distinguindo-a das demais normas. Através dessa análise em progressão, em que selecionamos tudo o que há de essencial na norma jurídica, deixando de lado os elementos acidentais, atingimos as suas notas essenciais: a imperatividade e o autorizamento. Tais são os motivos pelos quais definimos a norma jurídica: imperativo autõrizante, que é o conceito dado por Goffredo Telles Jr. O elemento "imperativo" revela seu gênero próximo, incluindo-a no grupo das normas éticas que regem a conduta humana, diferenciando-a das leis físico-naturais. E o "autõrizante" indica sua diferença específica, distinguindo-a das demais normas, pois só a jurídica é autõrizante100. e.2. Classificação Quanto à imperatividade, as normas jurídicas podem ser: 1) de imperatividade absoluta ou impositivas, também chamadas absolutamente cogentes ou de ordem pública. São as que ordenam ou proíbem alguma coisa (obrigação de fazer ou de não fazer) de modo absoluto. São as que determinam, em certas circunstâncias, a ação, a abstenção ou o estado das pessoas, sem admitir qualquer alternativa, vinculando o destinatário a um único esquema de conduta. Exemplificativamente: o Código Civil, no art. 1.526, diz: "A habilitação (para o casamento) será feita perante o oficial do Registro Civil e, após a audiência do Ministério Público, será homologada pelo juiz"; no art. 3® estabelece: "São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil: I — os menores de 16 anos; II — os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos; III — os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade". Essas normas, por sua vez, subdividem-se em afirmativas e negativas. P. ex.: o art. 1.245, caput, do Código Civil, que estatui o seguinte: "Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis"; o art. 426 do Código Civil, que dispõe: "Não pode ser objeto de contrato a herança de pessoa viva". 100. Sobre esse assunto vide Goffredo Telles Jr., Iniciação, cit., p. 43-104; Maria Helena Diniz, Conceito de norma jurídica como problema de essência, São Paulo, Saraiva, 1999. 50 C u r s o d e D i r e i t o C iv il B r a s il e ir o A imperatividade absoluta de certas normas é motivada pela convicção de que determinadas relações ou estados da vida social não podem ser deixados ao arbítrio individual, o que acarretaria graves prejuízos para a sociedade. Existem relações humanas que pela sua grande importância são reguladas, taxativamente, em normas jurídicas, a fim de evitar que a vontade dos particulares perturbe a vida social. As normas impositivas tutelam interesses fundamentais, diretamente ligados ao bem comum, por isso é que são também chamadas de "ordem pública"101. 2) de imperatividade relativa ou dispositivas, que não ordenam, nem proíbem de modo absoluto; permitem ação ou abstenção ou suprem a declaração de vontade não existente. Podem ser, portanto, permissivas, quando permitem uma ação ou abstenção. P. ex.: Código Civil, art. 1.639, caput: "É lícito aos nubentes, antes de celebrado o casamento, estipular, quanto aos seus bens, o que lhes aprouver"; Código Civil, art. 628, que estabelece que "o contrato de depósito é gratuito, exceto se houver convenção em contrário, se resultante de atividade negocial ou se o depositário o praticar por profissão". As. normas dispositivas podem ser supletivas quando suprem a falta de manifestação de vontade das partes. Estas normas só se aplicam na ausência da declaração de vontade dos interessados. Se as partes interessadas nada estipularem, em determinadas circunstâncias, a norma estipula em lugar delas. Como exemplos, podem-se enumerar dentre outros: "Efetuar-se-á o pagamento no domicílio do devedor, salvo se as partes convencionarem diversamente" (CC, art. 327, I a parte). "Não havendo convenção, ou sendo ela nula ou ineficaz, vigorará, quanto aos bens entre os cônjuges, o regime da comunhão parcial" (CC, art. 1.640, caput)102. Uma norma dispositiva pode tornar-se impositiva, em virtude da doutrina e da jurisprudência, como verifica Goffredo Telles Jr. P. ex.: o Código Civil de 1916, art. 924, que estatuía o seguinte: "Quando se cumprir em parte a obrigação, poderá o juiz reduzir proporcionalmente a pena estipulada para o caso da mora ou inadimplemento", salientando que, ao tempo 101. G. Telles Jr., Introdução à ciência do direito, 1972, fase. 5, p. 347 e 348 (apostila). 102. G. Telles Jr., Introdução, cit., p. 349; A. Franco Montoro, Introdução à ciência do direito, v. 2, p. 76 e 77. Têm imperatividade relativa: arts. 233, 287, 296, 327, 354, 450, 485, 490, 502, 533,1, 551, 552, 566, I, 578, 619, 631, 698, 704, 711, 713, 714, 728, 770, 812, 917; 989, 1.331, § 52, 1.334, § 2a, 1.348, § 2a, 1.352, parágrafo único, 1.392, 1.411, 1.421, 1.427, 1.488, § 2a, e 1.507, § 2a, do CC. 51 T e o r ia G e r a l d o D i r e i t o C iv il da promulgação do Código Civil, este dispositivo só vigorava quando não havia, no contrato, a declaração de que a multa era sempre devida, integralmente, no caso de mora ou inadimplemento. Por influência dos civilistas e dos tribunais, posteriormente, entendeu-se que ainda que houvesse tal cláusula estabelecendo que a multa era sempre devida integralmente, o juiz podia reduzir a pena, proporcionalmente à parte devida da obrigação, porque o citado artigo, que era dispositivo, passou a ser considerado norma impositiva103. Hoje, pelo art. 413 do novo Código Civil, "a penalidade deve ser reduzida equitativamente pelo juiz se a obrigação principal tiver sido cumprida em parte, ou se o montante da penalidade for manifestadamente excessivo, tendo-se em vista a natureza e a finalidade do negócio". Quanto ao autorizamento as normas jurídicas podem classificar-se em: 1) Mais que perfeitas: são as que por sua violação autorizam a aplicação de duas sanções: a nulidade do ato praticado ou o restabelecimento da situação anterior e ainda a aplicação de uma pena ao violador. Como exemplo desta noima, podemos citar o Código Civil, art. 1.521, VI, que estatui: "Não podem casar as pessoas casadas"; com a violação dessa disposição legal, autoriza a norma que se decrete a nulidade do casamento; realmente, estabelece o Código Civil, no art. 1.548, II, que: "É nulo o casamento contraído por infringência de impedimento", e que se aplique uma pena ao transgressor, como dispõe o Código Penal no seu art. 235: "Contrair alguém, sendo casado, novo casamento. Pena: reclusão de 2 a 6 anos". 2) Perfeitas: são aquelas cuja violação as leva a autorizar a declaração da nulidade do ato ou a possibilidade de anulação do ato praticado contra sua disposição e não a aplicação de pena ao violador. São exemplos dessas normas: Código Civil, art. 1.647, I: "Ressalvado o disposto no art. 1.648, nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do outro, exceto no regime de separação absoluta, alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis", sob pena de nulidade relativa, não havendo suprimento judicial (CC, art. 1.649); Código Civil, art. 1.730: “É nula a nomeação de tutor pelo pai ou pela mãe que, ao tempo de sua morte, não tinha o poder familiar". 3) Menos que perfeitas: são as que autorizam, no caso de serem violadas, a aplicação de pena ao violador, mas não a nulidade ou anulação do ato que as violou. Como exemplos temos o Código Civil, art. 1.523,1: "Não devem casar o viúvo ou a viúva que tiver filho do cônjuge falecido, enquan103. G. Telles Jr., Introdução, cit., p. 350; Iniciação, cit., p. 155-7. T 52 C u r s o d e D i r e i t o C iv il B r a s il e ir o to não fizer inventário dos bens do casal e der partilha aos herdeiros". Violada esta norma, não está nulo o novo matrimônio, porque a norma não autoriza que se declare a nulidade desse ato; com efeito, o art. 1.641, I, do Código Civil diz: "É obrigatório o regime da separação de bens no casamento, das pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento" e o art. 1.489, II, do mesmo diploma legal, confere hipoteca legal aos filhos sobre imóveis do pai ou da mãe que passar a outras núpcias antes de fazer o inventário do casal anterior. 4) Imperfeitas: são aquelas cuja violação não acarreta qualquer consequência jurídica. São normas sui generis, não são propriamente normas jurídicas, pois estas são autorizantes. Casos típicos são as obrigações decorrentes de dívidas de jogo, dívidas prescritas e juros não convencionados. "A dívida de jogo deve ser paga"; essa norma não é, contudo, positiva, não a encontramos no Código Civil brasileiro, não está prescrita em norma jurídica; assim sendo, o lesado pela sua violação não poderá, certamente, exigir o seu cumprimento, de modo que ninguém pode ser obrigado a pagar tal débito, já que a referida norma não é autõrizante. O Código Civil chega até a dispor expressamente, no art. 814, que: "As dívidas de jogo ou de aposta não obrigam a pagam ento...". Logo, se violado esse preceito, a referida norma não autoriza o credor a exigir o seu adimplemento. Entretanto, se essa norma for cumprida, se o devedor pagar sua dívida, ele não poderá exigir a devolução do que, voluntariamente, pagou, porque a norma jurídica não o autoriza a isso. Com efeito, reza o art. 814 do Código Civil: "As dívidas de jogo ou de aposta não obrigam a pagamento, mas não se pode recobrar a quantia, que voluntariamente se pagou...". Além disso, estatui o Código Civil no seu art. 876: "Todo aquele que recebeu o que não lhe era devido fica obrigado a restituir...". Ora, o credor recebeu a importância que lhe era devida em virtude de jogo, logo, não é obrigado a restituir (Súmulas 71 e 546 do STF). A norma que manda pagar a dívida de jogo, embora não tenha a natureza de norma jurídica, adquire eficácia jurídica quando cumprida. Quem a viola não pode ser obrigado a cumpri-la, uma vez que a norma não autoriza o lesado pela violação a exigir seu adimplemento; mas quem a cumpre não pode arrepender-se, pois a norma não o autoriza a exigir a restituição da importância com que a pagou. Da mesma natureza, como observa Goffredo Telles Jr., é a norma que manda pagar dívida prescrita, ou seja, da que, por força do tempo decorri 53 T e o r ia G er a l d o D i r e i t o C iv il do após seu vencimento, sem reclamação do credor, não pode mais ser cobrada judicialmente. O pagamento dessa dívida é inexigível, mas quem a pagar voluntariamente não poderá requerer a restituição da quantia com que a solveu, é o que prescreve o Código Civil, art. 882. Essas obrigações, cujo cumprimento é inexigível, são as chamadas obrigações naturais, que são obrigações civis cuja evolução ainda não se completou por não ter chegado a adquirir a indispensável tutela jurídica; realmente, como vimos, o credor não pode ingressar em juízo a fim de reclamar o pagamento; ele não tem ação, não está autorizado a isso, porque as obrigações naturais são desprovidas de exigibilidade. Trata-se de instituto impreciso, de natureza incerta. Não são obrigações jurídicas porque ninguém tem o dever de solvê-las e de exigi-las. Mas não deixam, como assevera Goffredo Telles Jr., de ser obrigações verdadeiras, pois acarretam dois efeitos: quando cumprida, sua repetição é inexigível, e, quando não cumprida, acarreta o descrédito social do inadimplente104. Quanto à sua hierarquia105 as normas classificam-se em: 1 — Nòrmas constitucionais: são as relativas aos textos da Constituição Federal, de modo que as demais normas da ordenação jurídica deverão ser conformes a elas. 2 — Leis complementares: ficam entre a norma constitucional e a lei ordinária. São inferiores à Constituição Federal,, que lhes confere essa quàli104. Para Kelsen trata-se de norma Jurídica não autônoma que não estatui sanções, mas que só vale quando se liga a uma norma sancionadora. Vide o que dizemos a respeito no v. 2 do Curso de direito civil brasileiro, cap. III, item A, a.4. Sobre esta classificação vide G. Telles Jr., Introdução, cit., fase. 5, p. 352 (ápostila); Iniciação, cit., p. 158; A. Franco Montoro, op. cit., v. 2, p. 77 e 78; Cendrier, L'obligatión naturel, p. 12; Dabin, Teoria general dei derecho, Madrid, 1955, p. 52; Senn, Leges perfectae, imperfectae, minus quam perfectae, Paris, 1902; W. Barros Monteiro, Curso de direito civil, São Paulo, Saraiva, v. 4, p. 237-42; Marcelo Figueiredo, A medida provisória na Constituição, São Paulo, Atlas, 1991. 105. A. Franco Montoro, op. cit., p. 65 e s.; Roberto Caldas, Limitações das medidas provisórias, Folha de S. Paulo, 19 jan. 1994; Celso Ribeiro Bastos, Lei complementar — teoria e comentários, São Páulo, Celso Bastos ed., 1999; CF, art. 5 9 ,1 a VII. Vide: Resolução n. 1/2002 do Congresso Nacional sobre apreciação do CN das Medidas Provisórias e o Decreto n. 4.176/2002 que estabelece normas para elaboração, redação, alteração, consolidação e encaminhamento ao Presidente da República de projetos de atos normativos da competência dos órgãos do Poder Executivo; Resolução do Senado Federal n. 23/2007, que altera o Regimento Intemo do Senado Federal, para dispor sobre o processo de apresentação, tramitação e de aprovação dos projetos de lei de consolidação. 54 C u r s o d e D i r e i t o C iv il B r a s i l e ir o dade, não podendo, portanto, apresentar contradições com os textos constitucionais, sob pena de serem declaradas inconstitucionais, e superiores às leis ordinárias, que por sua vez não as podem contrariar, sob pena de invalidade (CF, arts. 59, parágrafo único, 61 e 69). 3 — Leis ordinárias: são as elaboradas pelo Poder Legislativo. Leis delegadas: têm a mesma posição hierárquica das ordinárias, só que são elaboradas pelo Presidente da República, que deverá solicitar a delegação ao Congresso Nacional (CF, art. 68, §§ I a a 3a). Medidas provisórias: estão no mesmo plano das ordinárias e das delegadas, embora não sejam leis, sendo editadas pelo Poder Executivo (CF, art. 84, XXVI) que exerce função normativa, nos casos previstos na Constituição Federal. Substituíram, com a promulgação da Nova Carta, os antigos decretos-leis (art. 25, I, II, §§ I a e 2a, do Ato das Disp. Transitórias). Pelo art. 62, §§ I a a 12, da Constituição de 1988 (com a redação da EC n. 32/01), o Presidente da República poderá adotar tais medidas, com força de lei, em caso de relevância e urgência, devendo submetê-las de im ed ia to ao Congresso Nacional. Tais medidas provisórias perderão eficácia, desde a edição, se não forem convertidas em lei dentro de 60 dias, prorrogável por uma única vez por igual prazo, contado a partir de sua publicação, suspendendo-se durante os períodos de recesso parlamentar, devendo o Congresso Nacional disciplinar, por decreto legislativo, as relações jurídicas delas decorrentes. Se tal decreto legislativo não for editado até 60 dias após a rejeição ou perda de eficácia da medida provisória, as relações jurídicas constituídas e decorrentes de atos praticados durante sua vigência conservar-se-ão por ela regidas. Vedada está a edição de medidas provisórias sobre: a) questões relativas a nacionalidade, cidadania, direitos políticos, partidos políticos e direito eleitoral; direito penal, processual penal e processual civil; organização do Poder Judiciário e de Ministério Público, a carreira e garantia de seus membros; planos plurianuais, diretrizes orçamentárias, orçamento e créditos adicionais e suplementares; b) detenção ou seqüestro de bens, de poupança popular ou qualquer outro ativo financeiro; c) matéria reservada à lei complementar; e d) assunto já disciplinado em projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional e pendente de sanção ou veto do Presidente da República. Com isso freia-se o poder normativo do Presidente da República, tornando-se o Congresso Nacional corresponsável pela decisão do Executivo. Decretos legislativos: são normas, aprovadas pelo Congresso, sobre matéria de sua exclusiva competência, como ratificação de tratados intemacio- 55 nais, julgamentos das contas do Presidente da República. Portanto, tais atos não são remetidos ao Presidente da República para serem sancionados. Resoluções: são decisões do Poder Legislativo sobre assuntos do seu peculiar interesse, como questões concernentes à licença ou perda de cargo por deputado ou senador ou à fixação de subsídios. 4 — Decretos regulamentares: são normas jurídicas gerais, abstratas e impessoais, estabelecidas pelo Poder Executivo, para desenvolver üma lei, facilitando sua execução.. 5 — Normas internas: são os despachos, estatutos, regimentos etc. 6 — Normas individuais: são os contratos, sentenças judiciais, testamentos etc. T e o r ia G e r a i , d o D ir e i t o C ivil 1 Q uadro S in ó t ic o DIREITO POSITIVO 1. NOÇÃO DE DIREITO POSITIVO 2. DIREITO OBJETIVO 3. DIREITO SUBJETIVO 4. DIREITO PÚBLICO E DIREITO PRIVADO 4. DIREITO PÚBLICO E DIREITO PRIVADO o) Conceito Segundo Miguel Reale é a ordenação heterônoma das relações sociais, baseada numa integração normativa de fatos e valores. É o complexo de normas jurídicas que regem o comportamento humano de modo obrigatório, prescrevendo uma sanção no caso de sua violação. " Para Goffredo Telles jr. é a permissão, dada por meio de norma jurídica, para fazer ou não fazer alguma coisa, para ter ou não ter algo, ou, ainda, a autorização para exigir, por meio dos órgãos competentes do direito público ou por meio de processos legais, em caso de prejuízo causado por violação de norma, o cumprimento de norma infringida ou a reparação do mal sofrido. 1. Direito subjetivo comum da existência, que é a permissão de fazer ou não fazer, de ter ou não ter algo, sem violação de preceito normativo. 2. Direito subjetivo de defender direito, que é a autorização de assegurar o uso do direito subjetivo, de modo que o lesado pela violação da norma está autorizado por ela a resistir contra a ilegalidade, a fazer cessar o ato ilícito, a reclamar reparação pelo dano e a processar criminosos, impondo-lhes pena, ‘ Direito público era aquele concernente ao estado dos negócios romanos, e o privado, o que disciplinava interesses particulares. Contudo, esse critério da utilidade ou interesse visado pela norma é falho, porque não se pode 1. Direito afirmar, com segurança, se o interesse protegido é do Esromano tado ou dos indivíduos. Em razão disso houve autores que concluíram que o fundamento da divisão encontrava-se no "interesse dominante", ideia insatisfatória, pois tão interligados estão que é impossível verificar qual o interesse dominante. b) Espécies o) Fundamentos da divisão o) Fundamentos da divisão 2. Savigny 3. Ihering 4. Kahn 5. jellinek 6. Goffredo Telles Jr. 7. Doutrina dominante No direito público o todo se apresenta como fim, e o indivíduo permanece em segundo plano; no privado, cada indivíduo, considerado em si, constitui o fim deste ramo do direito, e a relação jurídica apenas serve como meio para sua existência e para as suas condições particulares. Percebe-se, todavia, que o Estado também pode ser fim da relação jurídica regulada pelo direito privado, como no . caso em que for parte numa compra e venda. Reduz o direito ao direito de propriedade, ao dizer que a propriedade estatal tem por titular o governo da nação e a coletiva, o povo. O direito privado teria conteúdo patrimonial e o público, não. N ão' se pode aceitar essa teoria porque há partes do direito privado que não têm natureza patrimonial e normas de direito público com caráter patrimonial. O direito privado regula relações individuais e o público, as relações entre sujeitos dotados de imperium. Observa-se, entretanto, que mesmo os sujeitos que têm império podem ser sujeitos de direito privado, como na hipótese em que o Estado é parte numa compra e venda. Este jurista distingue o direito público do privado com base em dois elementos: o interesse preponderante protegido pela norma e a forma de relação jurídica regulada por prescrição normativa. A relação jurídica de coordenação (direito privado) é a que existe entre partes que se tratam de igual para igual. E a de subordinação, de direito público, é a em que uma das partes é o governo, que exerce poder de mando. Gurvitch e Radbruch também aceitam que o direito público seria um direito de subordinação, com primado da justiça distributiva, e o privado, um direito de coordenação, subordinado à justiça comutativa. Nessas concepções o direito internacional público ficaria à margem da distinção., O direito público é aquele que regula relações em que o Estado é parte, regendo a organização a atividade do Estado, considerado em si mesmo, em relação com outro Estado e em suas relações com particulares, quando procede em razão de seu poder soberano e atua na tutela do bem coletivo. O direito privado é o que disciplina relações entre particulares, nas quais predomina, de modo imediato, o interesse de ordem privada. 4. DIREITO PUBLICO E DIREITO PRIVADO 5. FONTES JURÍDICAS 6. NORMA JURÍDICA b) Ramos do direito público e privado 1. Direito público Interno Externo Direito constitucional. Direito administrativo. Direito tributário e financeiro. Direito processual. Direito penal. Direito previdenciário. Direito internacional público e privado. Este último é, na verdade, ramo do direito público interno. 2. Direito privado Direito civil. Direito comercial. Direito do trabalho. Direito do consumidor. a) Fonte material ou real, ou seja, os fatores que condicionam a gênese da norma jurídica. b) Fonte formal como fundamento da validade da ordem jurídica. c) Fonte formal- -material a) Conceito Toda fonte formal contém implicitamente a material (fonte de produção), dando-lhe a forma, demonstrando quais são os meios empregados para conhecer o direito; daí ser fonte de cognição, abrangendo fontes estatais (legislativas, jurisprudenciais e convencionais) e não estatais (direito consuetudinário, científico e convencional). Segundo Goffredo Telles Jr. é um imperativo-autorizante. A imperatividade revela seu gênero próximo, incluindo-a no grupo das normas éticas, que regem a conduta humana, diferenciando-a das leis físico-naturais, e o autorizamento indica sua diferença, distinguindo-a das demais normas. 1. Quanto à imperatividade Normas de imperatividade absoluta ou impositivas. Normas de imperatividade relativa ou dispositivas, que podem ser permissivas e supletivas. b) Classificação 2. Quanto ao autorizamento Mais que perfeitas. Perfeitas. Menos que perfeitas. Imperfeitas. 6. NORMA JURÍDICA b) Classificação 3. Quanto à hierarquia o) Normas constitucionais. b) Leis complementares. c) Leis ordinárias. - Leis delegadas. - Medidas provisórias. - Decretos legislativos. - Resoluções. d) Decretos regulamentares. e) Normas internas. f ) Normas individuais. Direito civil A . P r i n c í p i o s e c o n t e ú d o d o d i r e i t o c i v i l O conceito do direito civil passou por uma evolução histórica106. No direito romano era o direito da cidade que regia a vida dos cidadãos independentes107, abrangendo todo o direito vigente, contendo normas de direito penal, administrativo, processual etc. Na era medieval, o direito civil ídentiflcou-se com o direito romano, contido no Corpus Juris Civilis, sofrendo concorrência do direito canônico, devido à autoridade legislativa da Igreja, que, por sua vez, constantemente, invocava os princípios gerais do direito romano. Na Idade Moderna, no direito anglo-americano, a expressão civil law correspondia ao direito moderno, e as matérias relativas ao nosso direito civil eram designadas como private law10S. Passou a ser um dos ramos do direito privado, o mais importante por ter sido a primeira regulamentação das relações entre particulares. A partir do século XIX toma um sentido mais estrito para designar as instituições disciplinadas no Código Civil109. Contém o Código Civil duas partes: a geral, que, com base nos elementos do direito subjetivo, apresenta normas concernentes às pessoas, aos bens, aos fatos jurídicos, atos e negócios jurídicos, desenvolvendo a teoria das nulidades e princípios reguladores da prescrição e decadência110, e a especial, 106. Hemández Gil, El concepto dei derecho civil, Madrid, RDP. 107. Gaius, Institiiciones, Commentarius primus, 1. 108. Caio M. S. Pereiia, Instituições, cit., v. 1, p. 31. 109. Caio M. S. Pereira, Instituições, cit., v. 1, p. 31; Orlando Gomes, Introdução ao direito civil, p. 37. 110. Caio M. S. Pereira, op. cit., v. 1, p. 88; Paulo Nader, Curso de direito civil— parte geral, Rio de Janeiro, Forense, 2002; Arnaldo Rizzardo, Parte geral do Código Civil, Rio de Janeiro, Forense, 2003. 61 T e o r ia G e r a l d o D i r e i t o C iv il cóm normas atinentes: a) ao "direito das obrigações", tendo como fulcro o poder de constituir relações obrigacionais para a consecução de fins econômicos ou civis, disciplinando os contratos e as obrigações oriundas de declaração unilateral de vontade e de atos ilícitos; b) ao "direito de empresa", regendo o empresário, a sociedade, o estabelecimento e os institutos complementares; c) ao "direito das coisas", referente à posse, à propriedade, aos direitos reais sobre coisas alheias, de gozo, de garantia e de aquisição; ã) ao "direito de família", normas relativas ao casamento, à união estável, às relações entre os cônjuges e conviventes, às de parentesco e à proteção de menores e incapazes; e e) ao "direito das sucessões", formulando normas sobre a transferência de bens por força de herança e sobre o inventário e partilha111. Apresenta, ainda, um livro complementar que encerra as disposições finais e transitórias (arts. 2.028 a 2.046). O direito civil é, pois, o ramo do direito privado destinado a reger relações familiares, patrimoniais e obrigacionais que se formam entre indivíduos encarados como tais, ou seja, enquanto membros da sociedade112. É o direito comum a todas as pessoas, por disciplinar o seu modo de ser e de agir, sem quaisquer referências às condições sociais ou culturais. Rege as relações mais simples da vida cotidiana, atendo-se às pessoas garantidamente situadas, com direitos e deveres, na sua qualidade de marido e mulher, pai ou filho, credor ou devedor, alienante ou adquirente, proprietário ou possuidor, condômino ou vizinho, testador ou herdeiro113. Como se vê, toda a vida social está impregnada do direito civil, que regula as ocorrências do dia a dia, pois, como exemplifica Ferrara, a simples aquisição de uma carteira de notas é contrato áe compra e venda; a esmola que se dá a um pedinte é doação; o uso de um ônibus é contrato de transporte; o valer-se de restaurante automático no qual se introduz uma moeda para obter alimento é aceitação de oferta ao público114. Os princípios basilares que norteiam todo conteúdo do direito civil são: o da personalidade, ao aceitar a ideia de que todo ser humano é sujeito de direitos e obrigações, pelo simples fato de ser homem; o da autonomia da vontade, pelo reconhecimento de que a capacidade jurídica da pessoa humana lhe confere o poder de praticar ou abster-se de certos atos, conforme 111. M. Reale, Lições preliminares áe direito, p. 356; Caio M. S. Pereira, op. cit., p. 88 e 89. 112. Serpa Lopes, Curso de direito civil, cit., v. 1, p. 32. 113. M. Reale, Lições, cit., p. 353 e 354. 114. Orlando Gomes, op. cit., p. 40. 62 C u r s o d e D i r e i t o C i v i l B r a s il e ir o sua vontade; o da liberdade de estipulação negocial, devido à permissão de outorgai direitos e de aceitar deveres, nos limites legais, dando origem a negócios jurídicos; o da propriedade individual, pela ideia assente de que o homem pelo seu trabalho ou pelas formas admitidas em lei pode exteriorizar a sua personalidade em bens móveis ou imóveis que passam a constituir o seu patrimônio; o da intangibilidade familiar, ao reconhecer a família como uma expressão imediata de seu ser pessoal; o da legitimidade da herança e do direito de testar, pela aceitação de que, entre os poderes que as pessoas têm sobre seus bens, se inclui o de poder transmiti-los, total ou parcialmente, a seus herdeiros; o da solidariedade social, ante a função social da propriedade e dos negócios jurídicos, a fim de conciliar as exigências da coletividade com os interesses particulares115. Os demais ramos do direito privado destacaram-se do direito civil por força da especialização de interesses, sujeitando-se à regulamentação de atividades decorrentes do exercício de profissões116, pois o direito civil, propriamente dito, disciplina direitos e deveres de todas as pessoas enquanto tais e não na condição especial de empresário ou empregado, que se regem pelo direito comercial, apesar de algumas de suas normas estarem inseridas no Código Civil, que absorveu o direito da empresa, e pelo direito do trabalho. Q u a d r o S i n ó t i c o : CONTEÚDO E PRINCÍPIOS DO DIREITO CIVIL • Apresenta norm as sobre pessoas, bens e fatos jurídicos em sentido amplo. = Regula o direito das obrigações (arts. 233 a 965); o direito de empresa (arts. 966 a 1.195); o direito das coisas (arts. 1.196 a 1.510); o direito de família (arts. 1.511 a 1.783) e o direito das sucessões (arts. 1.784 a 2.027). * Disposições finais e transitórias (arts. 2.028 a 2.046). 115. M. Reale, Lições, cit., p. 355 e 356; Paulo Luiz Netto Lôbo, Constitucionalização do direito civil, Revista de Informação Legislativa, n. 141, ;an./mar. 1999, p. 99-109; R. Limongi França, O direito civil como direito constitucional, RDC, 54:167; Francisco dos Santos Amaral Neto, A evolução do direito civil brasileiro, RDC, 24:74; Roberto Rosa, Constituição e direito civil, RT, 761:64; Rosa Maria Andrade Nery, Noções preliminares de direito civil, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2002. 116. Orlando Gomes, op. cit., p. 37. Parte Ceral 1. CO N TEÚ D O DO DIREITO C IV IL * ? . . Especial Livro C o m plementar 63 T e o r ia G e r a l d o D ir e i t o C iv il ! 2. PRIN CÍPIO S DO j D IREITO CIV IL B. E t x o l o g i a h i s t ó r i c a d o C ó d i g o C i v i l b r a s i l e i r o Difícil é a tarefa de codificar o direito, pois não é uma simples reunião de preceitos normativos relativos a certo tema. É preciso coordenar e classificar metodicamente as normas concernentes às relações jurídicas de uma só natureza, criando princípios harmônicos, dotados de uma unidade sistemática117; para tanto deve-se eleger um critério objetivo, lógico e racional. A ideia de codificar o direito surgiu entre nós com a proclamação da independência política em 1822. Ante o fato de não haver leis próprias, a Assembleia Constituinte baixou a Lei de 20 de outubro de 1823, determinando que continuassem a vigorar, em nosso território, as Ordenações Filipinas, de Portugal, embora alteradas por leis e decretos extravagantes, principalmente na seara cível, até que se elaborasse o nosso Código. A Constituição Imperial de 1824 determinou a organização do Código Civil e Criminal, que viria consolidar a unidade política do país e das províncias. Carvalho Moreira, em 1845, foi quem primeiro se preocupou com a matéria ao apresentar um estudo sobre a revisão e codificação das leis civis. Em 15 de fevereiro de 1855, o governo imperial entendeu que antes da codificação seria preciso tentar uma consolidação das leis civis, que se encontravam esparsas, e para tanto encarregou Teixeira de Freitas, que, em 1858, obteve a aprovação de sua Consolidação das Leis Civis, com 1.333 artigos. Contratou-se, então, Teixeira de Freitas para elaborar. 9 projeto de Código Civil, que não foi aceito por ter unificado o direito civil com o direi • Da personalidade. " Da autonomia da vontade. • Da liberdade de estipulação negocial. • Da propriedade individual. • Da intangibilidade familiar. • Da legitimidade da herança e do direito de testar. • Da solidariedade social. 117. Caio M. S. Pereira, op. cit., p. 82; Sebastião José Roque, Teoria geral do direito civil, São Paulo, ícone, 1994, p. 13-24. 64 to comercial. Entretanto, o Esboço de Teixeira de Freitas exerceu grande influência na feitura do Código Civil argentino. Após rescindir o contrato com Teixeira de Freitas, o ministro da Justiça, Nabuco de Araújo, incumbiu-se de elaborar um novo projeto, porém devido a sua morte não pôde levar até o fim sua missão. Em 1881, Felício dos Santos apresentou um projeto denominado Apontamentos, com 2.602 artigos, que recebeu parecer contrário da comissão nomeada para examiná-lo. Essa mesma comissão, composta de juristas renomados como Lafayette Rodrigues Pereira, Ribas, Justiniano de Andrade, Coelho Rodrigues, Ferreira Viana e Felício dos Santos, fez uma tentativa de codificação, mas a comissão, com a perda de Justiniano e Ribas e com o afastamento de Lafayette, logo se dissolveu em 1886. Em 1889, pouco antes da proclamação da República, o ministro da Justiça, Cândido de Oliveira, nomeou uma comissão, que, com o advento da República, não chegou a apresentar nenhum projeto de codificação. Ante as tentativas infrutíferas das comissões, o ministro da Justiça, Campos Sales, incumbiu em 12 de julho de 1890 Coelho Rodrigues da feitura de projeto, que, concluído em 23 de fevereiro de 1893, também não conseguiu ser transformado em lei. Contudo, ao ocupar a Presidência da República, Campos Salles, por indicação de seu ministro Epitácio Pessoa, nomeou, em 1899, Clóvis Beviláqua para esta árdua tarefa. No final desse ano apresentou ele um projeto, que após dezesseis anos de debates transformou-se no Código Civil, promulgado em I a de janeiro de 1916, e vigente a partir de l 2 de janeiro de 1917, com novas alterações introduzidas pela Lei n. 3.725/19118. Como observa R. Limongi França119, o Código Civil apresentou-se como um diploma de seu tempo, atualizado para a época, porém o seu tempo foi o da transição do direito individualista para o social. Com isso, precisou ser revisto e atualizado. O Código Civil de 1916 era obra monumental; alterar seu texto seria a destruição de um patrimônio cultural, mas a realidade social se impôs, de C u r s o d e D i r e i t o C iv i l B r a s il e ir o 118. Caio M, S. Pereira, op. cit., p. 84-8; W. Barros Monteiro, op. cit., p. 48-53. O CC de 1916, por seguir o espírito de sua época, era individualista e patriarcalista e caracterizava-se pelo voluntarismo baseado na autonomia da vontade. 119. R. Limongi França, Código Civil (Histórico), in Enciclopédia Saraiva do Direito, v. 15, p. 393. 65 T e o r ia G e r a l d o D i r e i t o C iv il modo imperioso, pois os fatos não podiam ficar adstritos a esquemas legais que, a eles, não correspondiam. Em verdade, depois de 1916 os acontecimentos alteraram, profundamente, os fatos sociais, requerendo maior ingerência do juiz nos negócios jurídicos, derrogando o princípio pacta sunt servanãa. A locação de serviço deu ensejo ao aparecimento dos contratos de trabalho; a propriedade, que no Código Civil apresentava-se com um cunho individualista, passa a ter uma função social efetiva; o direito de família sofreu influência da publicizaçãò dos conceitos, reclamando a alteração das condições da mulher casada, em razão de sua promoção política e profissional, a inclusão dos preceitos concernentes à separação judicial e divórcio, a modificação dos princípios relativos ao menor sob pátrio poder e tutela, maior atenção à questão do menor abandonado e à dos efeitos da união estável, a revisão do regime de bens, pois a minúcia com que cuidava do regime dotal poderia levar o observador a pensar que ele era extremamente usado entre nós, quando, na verdade, ninguém a ele recorria; o condomínio em edifícios de apartamentos e o pacto de reserva de domínio em contratos de compra e venda requeriam uma secção no Código Civil; o pacto de melhor comprador, a enfiteuse e a hipoteca judicial estavam em franca decadência, sendo de bom alvitre que se suprimissem tais institutos do Código e se incluísse a superfície; o direito obrigacional exigia que se alargasse a noção de responsabilidade civil, que se consignassem normas sobre a teoria da imprevisão, que se disciplinasse o instituto da lesão e o do estado de perigo, que se fixasse a questão do abuso de direito, que se cogitasse da reserva mental, que se tratasse da cessão de débito paralela à do crédito; o direito da personalidade requeria uma construção dogmática; o direito das sucessões sofreu pressão do direito previdenciário que acolheu a herança do companheiro, sendo necessário, ainda, que se adaptassem as normas de sucessão legítima e legitimária conseqüentes às modificações do direito de família, e simplificasse a elaboração do testamento, principalmente nas formas em que participe o oficial público120. Com o escopo de atualizar o Código Civil de 1916, atendendo aos reclamos sociais, várias leis, que importaram em derrogação do diploma de 1916, 120. R. Limongi França, Código, cit., v. 15, p. 393 e 394; Calo M. S. Pereira, op. cit., p. 90 e 91; Silvio Rodrigues, Direito Civil, Max Limonad, 1962, v. 1, p. 35; W. Barros Monteiro, op. cit., p. 53; Maria Helena Diniz, Código Civil de 1916, in História do direito brasileiro, Eduardo C. B. Bittar (org.), São Paulo, Atlas, 2003, p. 209-220. 66 foram publicadas, dentre elas: a do estatuto da mulher casada, a do divórcio, as da união estável, a dos direitos autorais, a dos registros públicos, a do compromisso de compra e venda, a do inquilinato, a do reconhecimento de filhos, a do condomínio edilício, a do parcelamento do solo, a do estatuto da criança e do adolescente etc.121. O direito civil, então, inclinou-se às contingências sociais criadas por leis especiais, acolhendo as transformações ocorridas, aluvionalmente, paia atender às aspirações da era atual. O Govemo brasileiro, reconhecendo a necessidade da revisão do Código Civil, em virtude das grandes transformações sociais e econômicas, resolveu pôr em execução o plano de reforma, encarregando Orozimbo Nonato, Filadelfo Azevedo e Hahnemann Guimarães de redigir um Anteprojeto de Código das Obrigações separado do Código Civil, seguindo o exemplo suíço, que, vindo a lume em 1941, sofreu, contudo, severas críticas de juristas, por atentar contra o critério orgânico do nosso direito codificado, que se romperia com a aprovação isolada do Código Obrigacional122. Em 1961, com o objetivo de elaborar um Anteprojeto do Código Civil, o Governo nomeia para tanto Orlando Gomes, Caio Mário da Silva Pereira e Sílvio Marcondes. Entretanto, esse projeto, ao ser enviado ao Congresso Nacional, em 1965, foi retirado pelo Govemo em decorrência de fortes reações. O ministro da Justiça Luiz Antônio da Gama e Silva, em 1967, nomeia nova comissão para rever o Código Civil, convidando para integrarem-na: Miguel Reale, José Carlos Moreira Alves, Agostinho Alvim, Sílvio Marcondes, Ebert V. Chamoun, Clóvis Couto e Silva e Torquato Castro. Em 1972, essa comissão apresenta um Anteprojeto que procurou manter a estrutura básica do Código Civil, reformulando os modelos normativos à luz dos valores éticos e sociais da experiência legislativa e jurisprudencial, substituindo na Parte Geral a disciplina dos atos jurídicos pela dos negócios jurídicos e alterando a Parte Especial em sua ordem, a saber: obrigações, direito empresarial, coisas, família e sucessões. Recebeu críticas desfavoráveis por unificar as obrigações civis e mercantis. Em 1984 foi publicada no Diário do Congresso Nacional a redação final do Projeto de Lei n. 634-B/75 que, constituindo o PLC n. 118/84, recebeu inúmeras emendas em razão da promulgação da nova Carta Magna, introduzindo muitas novidades, oriundas da evolução social, cheC u r s o d e D i r e i t o C iv il B r a s il e ir o 121. R. Limongi França, Código, cit., v. 15, p. 394. 122. Caio M. S. Pereira, Instituições, cit., v. 1, p. 89 e 90. 67 gando após 26 anos.de tramitação no Senado e na Câmara dos Deputados à sua redação definitiva, contando com subsídios de entidades jurídicas e de juristas e dando maior ênfase ao social. Aprovado por ela e pelo Senado em 2001, e publicado em 2002, revogou o Código Civil de 1916, a primeira parte do Código Comercial de 1850, bem como toda a legislação civil e comercial que lhe for incompatível (CC, art. 2.045). O novel Código passa a ter um aspecto mais paritário e um sentido social, atendendo aos reclamos da nova realidade, abolindo instituições moldadas em matrizes obsoletas, albergando institutos dotados de certa estabilidade, apresentando desapego a formas jurídicas superadas, tendo um sentido operacional à luz.do princípio da realizabilidaãe, traçando, tão somente, normas gerais definidoras de instituições e de suas finalidades, com o escopo de garantir sua eficácia, reservando os pormenores às leis especiais, mais expostas às variações dos fatos da existência cotidiana e das exigências sociocontemporâneas, e eliminando, ainda, normas processuais ao admitir apenas as intimamente ligadas ao direito material. Procura exprimir, genericamente, os impulsos vitais, formados na era contemporânea, tendo por parâmetro a justiça social e o respeito da dignidade da pessoa humana (CF, art. Ia, III). Tem por diretriz o princípio da socialidaáe, refletindo a prevalência do interesse coletivo sobre o individual, dando ênfase à função social da propriedade e do contrato e à posse-trabalho, e ao mesmo tempo, contém, em seu bojo, não só o princípio da eticidade, fundado no respeito à dignidade humana, dando prioridade à boa fé subjetiva e objetiva, à probidade e à equidade, como também o princípio da operabilidade, conferindo ao órgão aplicador maior elastério, para que, em busca de solução mais justa (LINDB, art. 5a), a norma possa, na análise de caso por caso, ser efetivamente aplicada. Como diz Engisch, "normatividade carece de preenchimento valorativo", as cláusulas gerais e os conceitos indeterminados contidos nos preceitos do novo diploma legal requerem uma valoração objetiva do julgador, tendo por base os valores vigentes na sociedade atual. Todos os princípios norteadores do Código Civil de 2002, ora vigente, giram em torno da cidadania, da dignidade humana, dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa. Deixa, o novo Código, acertadamente, para a legislação especial a disciplina de questões polêmicas ou dependentes de pronunciamentos jurisprudenciais e doutrinários. Por isso, nada dispõe sobre contratos eletrônicos, direitos difusos, relações de consumo, parceria entre homossexuais, preservação do meio ambiente sadio e ecologicamente equilibrado, experiênT e o r ia G e r a l d o D ir e i t o C ivil 68 C o r so d e D i r e i t o C iv il B r a s i l e ir o cia científica em seres humanos, pesquisa com genoma humano, clonagem humana, efeitos jurídicos decorrentes das novas técnicas de reprodução humana assistida, medidas socioeducativas aplicadas à criança e ao adolescente etc. Tais matérias não se encontram, no nosso entendimento, nos marcos do direito civil, por serem objeto de outros ramos jurídicos, em razão de suas peculiaridades, devendo ser regidas por normas especiais. Por exemplo, diante da necessidade de uma adaptação do direito do estado atual das situações inusitadas engendradas pelo progresso biotecnológico, o grande desafio do século XXI será desenvolver um biodireito, que corrija os exageros provocados pelas pesquisas científicas, pela biotecnologia e pelo desequilíbrio do meio ambiente e promover a elaboração de um Gódigo Nacional de Bioética, que sirva de diretriz na solução de questões polêmicas advindas de práticas biotecnocientíficas. Em vigor continuam, portanto, no que não conflitarem com o novo Código Civil, a Lei do Divórcio, o Estatuto da Criança e do Adolescente, o Código de Defesa do Consumidor, a Lei de Locação Predial Urbana etc. (CC, arts. 2.033, 2.036, 2.043). Oxalá o n ov o C ódigo Civil logre êxito, sem embargo da ocorrência de fatos supervenientes, por representar um esforço para atualizar o direito civil, que se encontrava preso a normas contrárias ao espírito da época, visto que, como já dizia Rui Barbosa, "o tempo só respeita as obras de que foi colaborador"123. Q u a d r o S i n ó t i c o O K IG H M D O C Ó D IG O C IV IL « Após árduas e infrutíferas tentativas de codificação, Cam pos Salles, ao ocupar a Presidência da República, por indicação de Epitácio Pessoa, nomeia, em „ m r c „ _ _ 1899, Clóvis Beviláqua para essa tarefa; este no final ORIGEM DO C O D IG O . ^ - * desse mesmo ano apresentou um projeto que, apos 16 anos de debates, transformou-se no Código C ivil, promulgado em 1M -1916, entrando em vigor em 1H-1-1917, ora revogado pelo atual Código, que após 26 anos de tramitação foi aprovado. 123. Nelson Godoy Bassil Dower, Curso moderno de direito civil, Ed. Nelpa, 1976, v. 1, p. 46 e 47; Caio M. S. Pereira, Instituições, cit., v. 1, p. 91 e 92; Fábio V. Figueiredo e Brunno 69 T e o r ia G e r a l d o D ir e i t o C iv il C . O b j e t o e f u n ç ã o d a Pa r t e G e r a l O sistema germânico ou método científico-racional — preconizado por Savigny124 para atender ao requisito de que para uma boa codificação é mister que haja ordem metódica na classificação das matérias12s — divide o direito civil em uma Parte Geral e uma Parte Especial. Na Parte Geral contemplam-se os sujeitos de direito (pessoas), o objeto do direito (bens jurídicos) e os fatos jurídicos. Regulamenta-se tanto a pessoa natural como a jurídica (arts. Ia a 69), com a correlata questão do domicílio (arts. 70 a 78). Refere-se às diferentes categorias de bens: imóveis (arts. 79 a 81) e móveis (arts. 82 a 84); fungíveis e consumíveis (arts. 85 e 86); divisíveis e inP. Giancoli, Direito civil, São Paulo, Saraiva, 2009, p. 7-56 (Coleção OAB Nacional, v. 1); Christiano Cassetari, A função social da obrigação: uma aproximação na perspectiva civil constitucional Direito civil — direito patrimonial e direito existencial — estudos em homenagem a Giselda Hironaka (coord. Tartuce e Castilho), São Paulo, Método, 2006, p. 177 a 190; Francisco Amaral, Interpretação jurídica segundo o Código Civil, Revista Brasileira de Direito Comparado, 29:19-42. Observa Reis (A elaboração do BGB: homenagem ao centenário do Código Civil Alemão, Revista de Direito Civil, n. 76, p. 30-43) que o BGB surgiu depois de 22 anos de discussão. Na Alemanha, após as dificuldades encontradas, desde o início do século XIX até pouco depois de sua metade, para a unificação do direito civil, o Conselho Federal (Bundesrat), cumprindo uma lei de 1873, veio a nomear, em 28-2-1874, uma Comissão Preparatória (Vorkommission), composta de cinco juristas, para elaborar o projeto de código civil. Em julho de 1896, o Conselho Federal aprovou o Projeto, votado pelo Reichstag, e em 18 de agosto do mesmo ano, aniversário da batalha de Gravelotte, o Kaiser promulgou o Bürgerliches Gesetzbuch (Código Civil, conhecido abreviadamente como BGB), com 2.385 parágrafos alterados em 2002. Consulte: Josaphat Marintre, Código e Leis especiais, Consulex, n. 13, p. 15 e 16; Glauber M. Talavera, O Projeto do Novo Código Civil brasileiro. Tribuna do Direito, abril de 2000, p. 32; Miguel Reale, Visão Geial do Projeto deiCódigo Civil, RT, 752:22; Osvaldo H. Tavares, Aspectos fundamentais do Projeto de Código Civil, RDC, 59:60; Roberto Senise Lisboa, Novo Código Civil e suas perspectivas perante a constitucionalização dos direitos, História, cit., p. 431-53; Jamil Miguel, Anotações à parte geral do Código Civil, in Contribuições ao estudo do novo direito civil, Campinas, Millennium, 2004, p. 3 a 9; George de C. Morais e Karina N. de Oliveira, A sistemática das dáusulas gerais no novo Código Civil, Direito e Liberdade, ESMARN, 5:455- 70 (2007); Francisco Amaral, O Código Civil brasileiro e o problema metodológico de sua realização. Do paradigma da aplicação ao paradigma judicativo-decisório, STVDIA IVRIDICA, 90:33-55. Imprimiu-se, no atual Código, estilo que, como admitia Pe. Antônio Vieira (Sermão da Sexagésima, I, p. 18), pode ser muito claro e muito alto. Claro para que o entendam os que nada sabem e alto para que nele tenham muito que entender os que sabem. 124. Savigny, Sistema do direito romano. 125. W. Barros Monteiro, op. cit., p. 53. Em sua estrutura adotou o método do BGB (Bürgerliches Gesetzbuch), de grande perfeição técnica. 70 C o r s o d e D i r e i t o C i v il B r a s i l e ir o divisíveis (arts. 87 e 88); singulares e coletivos (arts. 89 a 91); bens reciprocamente considerados (arts. 92 a 97); públicos e particulares (arts. 98 a 103). No que concerne aos fatos jurídicos, após mencionar as disposições preliminares (arts. 104 a 114), apresenta cinco títulos: o do negócio jurídico (arts. 104 a 184); o dos atos jurídicos lícitos (art. 185); o dos atos ilícitos (arts. 186 a 188); o da prescrição e decadência (arts. 189 a 211); o da prova (art. 212 a 232)126. Na Parte Especial cuida-se do direito das obrigações (arts. 233 a 965); do direito de empresa (arts. 966 a 1.195); do direito das coisas (arts. 1.196 a 1.510); do direito de família (arts. 1.511 a 1.783) e do direito das sucessões (arts. 1.784 a 2.027), não mais invertendo como o fez o de 1916 a ordem do Código Civil alemão que lhe serviu de modelo, que inclui em primeiro lugar o direito das obrigações, ao qual se seguem o direito das coisas, o direito de família e o das sucessões. Apresenta, ainda, um Livro Complementar, contendo disposições transitórias (arts. 2.028 a 2.046). Não é necessário apresentar aqui as discussões sobre a utilidade ou conveniência da existência de uma parte geral no Código, pois, se o legislador lançou mão de um critério que a exige, não se pode pretender suprimi-la. Apesar de haver objeções127 à sua inclusão no Código Civil, grande é sua utilidade por conter normas aplicáveis a qualquer relação jurídica. Deveras, o direito civil é bem mais do que um dos ramos do direito privado; estabelece os parâmetros de todo ordenamento jurídico e engloba princí126. W. Barios Monteiro, op. cit., p. 56; José Carlos Moreira Alves, A parte geral do Projeto do Código Civil brasileiro, São Paulo, Saraiva, 1986; Ehrenzweig, System des õsterreichischen allgemeinen Privatrechts, Wien, 1927, § 7, p. 36; Heck, Der allgemeine Teil des Privatrechts Einwort der Verteidigung, Archiv für die civilistische Praxis, 146:1 e s.; Georg Amold Heise, Grundiss eines Systems desgemeinem Zivilrechts, 1807; Alzira Pereira da Silva, A função da parte geral no Sistema do Código Civil, RDC, 16:53; Vilian Bollmann, As inovações jurídicas na Parte Geral do Novo Código Civil, RT, 793:42; Mário A. Konrad e Sandra L. N. Konrad, Direito civil 1, Coleção Roteiros Jurídicos, São Paulo, Saraiva, 2008, p. 3 a 92; Luís Paulo Cotrim Guimarães, Direito civil, Rio de Janeiro, Elsevier, 2007, p. 17 a 116; Silvio Luís Ferreira da Rocha, Direito civil 1, Parte Geral, São Pardo, Malheiros, 2010. 127. W. Barros Monteiro (op. cit., p. 55) apresenta algumas críticas à compreensão de uma Parte Geral e de uma Parte Especial. "Diz-se, p. ex., que a existência de ambas constitui excesso de técnica... Afirma-se ainda que o capítulo concernente aos fatos jurídicos interessa mais ao direito das obrigações, sendo raros seus reflexos nos demais ramos do direito civil. Não se justificaria assim sua permanência na Parte Geral. Assevera-se, por fim, que esta encerra princípios meramente acadêmicos, elementos heterogêneos ou abstrações inúteis, que poderiam ser perfeitamente dispensados, sem nenhum prejuízo para o Código. Tem-se por isso sustentado que as futuras codificações do direito privado não mais precisarão de Parte Geral." Entre nós, Hahnemann Guimarães e Orlando Gomes são adeptos da corrente que pretende suprimi-la. 71 T e o r ia G e r a l d o D i r e i t o C ivil pios ético-jurídicos de aplicação generalizada e não restritiva às questões cíveis. É consultando o direito civil que o jurista alienígena percebe qual a estrutura fundamental do ordenamento jurídico de um dado país e que o jurista nacional encontra as normas que têm repercussão em outros âmbitos do direito. É na Parte Geral que estão contidos os preceitos normativos relativos à prova dos negócios jurídicos, à noção dos defeitos dos atos jurídicos, à prescrição e à decadência, institutos comuns a todos os ramos do direito. Eis por que Planiol, Ripert e Boulanger sustentam que o direito civil continua sendo o direito comum, compreendendo normas atinentes às relações de ordem privada, generalizando conceitos fundamentais utilizados, frequentemente, por juspublicistas128. Além do mais a Parte Geral fixa, para serem aplicados, conceitos, categorias e princípios, que produzem reflexos em todo o ordenamento jurídico e cuja fixação é condição de aplicação da Parte Especial e da ordem jurídica; isto é assim porque toda relação jurídica pressupõe sujeito, objeto e fato propulsor que a constitui, modifica ou extingue. Como veremos, logo mais adiante, a relação jurídica pode ser focalizada sob três prismas: sujeito, objeto e relação de interesse sobre o objeto, que é o nexo de ligação entre eles. A Parte Especial contém normas relativas ao vínculo entre o sujeito e o objeto, e a Parte Geral, as normas pertinentes ao sujeito, ao objeto e à forma de criar, modificar e extinguir direitos, tornando possível a aplicação da Parte Especial. Logo, a Parte Geral do Código Civil tem as funções de dar certeza e estabilidade aos seus preceitos, por regular, de modo cogente, não só os elementos da relação jurídica, mas também os pressupostos de sua validade, existência, modificação e extinção e possibilitar a aplicação da Parte Especial, já que é seu pressuposto lógico. Clara é sua função operacional no sentido de que fornece à ordem jurídica conceitos necessários à sua aplicabilidade129. Ater-nos-emòs neste Livro ao exame da Parte Geral, daí o seu título: Teoria Geral do Direito Civil. 128. Planiol, Ripert e Boulanger, Traitê êlêmentaire du droit civil, v. 1, n. 32, p. 13; Caio M. S. Pereira, op. cit., p. 32 e 33. Constitui a Parte Geral o alicerce para a operacionalidade jurídica, por estabelecer as linhas basilares para adequar a norma aos fatos sociais in fieri e aos valores vigentes na sociedade atual. 129. A esse respeito vide Ephraim de Campos Jr., A função desempenhada pela Parte Geral no direito civil e fora do direito civil — Análise da Lei de Introdução ao Código Civil e sua função no ordenamento jurídico. Trabalho apresentado em 1980 no Curso de Pós-Graduação em Direito da PUCSP, p. 1-9. 1 Oi : u ! a ; 'O *“•' Z : O « • 'S C/D i ã iO O !i f i i < ' C3 ! c / E3cou CD > XIc VO 3 O) c , o 00 «3- rv ig u s l i 4 —r cc co ro u 3 § I c ,a ~ tO IO aj m ° CL. D - Q u . oo D oo i r ) on OT3p to te o ■D E £ gj s .! LO to £ £ CQ CU OU fa o 'i—'O 0) ’roQ. 'u c . •ÍT f D - Os 03C to »■§ S E .S"8 £ I ín o C U CQ 4-> O õ Q<9u< D. > o< fi£D DIREITO A IMAGEM • CC, art. 20. 2 „ Pessoa natural A , C o n c e i t o d a p e s s o a n a t u r a l Ao estudarmos a relação jurídica, vimos que ela contém duplicidade de sujeito: o ativo e o passivo. Qualquer dessas duas figuras denomina-se "pessoa"19. De modo que a "pessoa natural" é o ser humano considerado como sujeito de direitos e obrigações. Contudo, civilistas e legislações não chegam a um acordo para a denominação da pessoa humana como ente jurídico. O nosso Código Civil de 1916 e o atual adotaram a expressão "pessoa natural". Contra ela insurgiu-se Teixeira de Freitas porque tal denominação dá a entender que existem "pessoas não naturais", o que não corresponde à realidade, pois os entes criados pelo espírito humano também são naturais, por serem ideias personificadas; são, portanto, tão naturais quanto o espírito que os gerou. Propôs, então, que se usasse a expressão "ser de existência visível", para designar o homem, em contraposição aos entes coletivos, que denominou "seres de existência ideal", nomenclatura adotada pelo Código Civil argentino (arts. 31 e 32), que aceitou essa inovação. Entretanto, essa expressão não satisfaz, pois apenas atende à corporalidade do ser humano. "Pessoa física" é a designação na França e na Itália e usada na legislação brasileira para regulamentar imposto sobre a renda. Clara é a imprecisão dessa terminologia, porque desnatura o homem, ao 19. Serpa Lopes, Curso de direito civil, 2. ed., Freitas Bastos, 1962, p. 253; Roberto Senise Lisboa, Manual elementar de direito civil, São Paulo, Ed. Juarez de Oliveira, 1999, v. 1, p. 92-105; Sebastião José Roque, Teoria geral do direito civil, cit., p. 25-42; P. Stolze Gagliano e R. Pamplona F2, Novo curso, cit., p. 87-142; Renan Lotufo, Código Civil comentado, São Paulo, Saraiva, v. 1, 2003, p. 6-196; Rafael G. Rodrigues, A pessoa e o ser humano no novo Código Civil, A parte geral do novo Código Civil (coord. G. Tepedino), Rio de Janeiro, Renovar, 2002, p. 1-34. 163 T e o r ia G e r a l d o D i r e i t o C iv il realçai o seu aspecto material, sem considerar suas qualidades morais e espirituais, que são elementos integrantes de sua personalidade. O termo "pessoa individual", por sua vez, é bastante impróprio, ante a existência de pessoas de existência ideal, que não são coletivas20. Seguindo a orientação de nossa legislação civil e dos civilistas nacionais, aderimos à denominação "pessoa natural", que designa o ser humano tal como ele é. B. C a p a c i d a d e j u r í d i c a Como pudemos apontar alhures, a personalidade tem sua medida na capacidade, que é reconhecida, num sentido de universalidade, no art. Ia do Código Civil, que, ao prescrever "toda pessoa é capaz de direitos e deveres", emprega o termo "pessoa" na acepção de todo ser humano, sem qualquer distinção de sexo (Lei n. 9.029/95), idade (Leis n. 8.069/90, 10.741/2003, art. 96, Lei n. 12.033/2009, art. Ia, e Lei n. 12.213/2010, com alteração do art. l s pela Resolução n. 27/2010), credo (Lei n. 12.033/2009, art. I a), raça21 (Leis n. 7.437/85; n. 7.716/89, com alteração da Lei n. 9.459/97 (que revo20. Teixeira de Freitas, Esboço, observações ao art. 17; Caio M. S. Pereira, op. cit., v. 1, p. 199 e 200; Clóvis Beviláqua, op. cit., p. 70; Marco Aurélio S. Viana, Da pessoa natural, São Paulo, 1988. 21. Caio M. S. Pereira, Instituições, cit., v. 1, p. 201 e 202; Hédio Silva Jr., Antirracismo, São Paulo, Juarez de Oliveira, 1998; Direito de igualdade racial, São Paulo, Juarez de Oliveira, 2002; Maria da Penha S. Lopes Guimarães, Racismo, questão mundial, Jornal do Advogado — OAB-SP, agosto de 2001, p. 34; Adelino Brandão, Direito racial brasileiro, São Paulo, Juarez de Oliveira, 2002; Carlos Ayres Britto, O regime constitucional do racismo, Estudos de direito público em homenagem a Celso Antônio Bandeira de Mello, coord. Marcelo Figueiredo e Valmir Pontes Filho, São Paulo, Malheiros, 2006, p. 145-63; Cristiano Alves, A representatividade negra na política brasileira, São Paulo, SRS, 2008. Vide Decreto legislativo n. 104/64, que ratifica a Convenção n. 111, da OIT, sobre a Discriminação Racial em Emprego e Profissão, sendo que tal Convenção foi promulgada pelo Decreto n. 62.150/68; Decreto legislativo n. 23/67, que ratifica a Convenção Internacional sobre Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial; Decreto de 10- 3-2003, que instituiu Grupo de Trabalho Intermimsterial para elaborar proposta para criação da Secretaria Especial de Promoção da Igualdade Racial; Portaria n. 18/2002 do Conselho Federal de Psicologia, que estabelece normas de atuação para psicólogos em relação a preconceitos e discriminação racial; Lei n. 10.678/2003, que cria a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial; Portaria n. 31 da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, de 17 de março de 2011, que institui a Comissão de Validação da primeira edição do projeto Selo "Educação para Igualdade Racial"; Código Penal, art. 140, § 3a; Portaria n. 1.942/2003 do MEC, que institui Comissão Assessora de Diversidade para assuntos relacionados a afrodescendentes; Portaria n. 2.632, de 15-12-2004, do Ministério da Saúde, que aprova o Regimento Interno do Comitê 164 C u r so d e D i r e i t o C iv il B r a s il e ir o Técnico de Saúde da População Negra; Leis n. 10.558/2002 (regulamentada pelos Decs.n. 4.876/2003 e 5.193/2004), que cria o Programa de Diversidade na Universidade, e 10.639/2003, que inclui a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-brasileira" no currículo oficial da Rede de Ensino; Lei n. 12.061/2009, que altera o inciso II do art. 4a e o inciso VI do art. 10 da Lei n. 9.394/96 para assegurar o acesso de todos os interessados ao ensino médio público; Lei n. 12.289/2010, que cria a Universidade de Integração Internacional da Lusofonia Afro-brasileira — UNILAB; Lei n. 11.645, de 10 de março de 2008, que altera a Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996, modificada pela Lei n. 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oácial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-brasileira e Indígena"; Decreto n. 4.886/2003, que institui a Política Nacional de Promoção da Igualdade Racial (PNPIR); Portaria n. 4.542/2005 do Ministério da Educação, que institui Comissão Técnica Nacional de Diversidade para Assuntos Relacionados à Educação dos Afro-brasileiros (CADARA); Decretos n. 4.885/2003, que dispõe sobre a composição, estruturação, competências e funcionamento do Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial (CNPIR); e 4.919/2003 (ora revogado pelo Decreto n. 6.509/2008), que acresce e altera dispositivo do Decreto n. 4.885/2003, que dispõe sobre a composição, estruturação, competências e funcionamento do Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial (CNPIR); a Portaria n. 74/2005 da Secretaria Especial de Políticas de Promoção de Igualdade Racial cria seu comitê de Coordenação de Programas; a Resolução do Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial n. 7/2005 aprova o Regimento intemo do CNPIR; a Portaria n. 4.542, de 28 de dezembro de 2005, do Ministério da Educação, institui a Comissão Técnica Nacional de Diversidade para Assuntos Relacionados à Educação dos Afro-brasileiros — CADARA, com o objetivo de elaborar, acompanhar, analisar e avaliar políticas públicas educacionais, voltadas para o fiel cumprimento do disposto na Lei n. 10.639/2003, visando a valorização e o respeito à diversidade étnico-racial, bem como a promoção de igualdade étnico-racial no âmbito do Ministério da Educação — MEC; Resolução n. 14, de 28 de abril de 2008, do FNDE, que estabelece critérios para a assistência financeira com o objetivo de fomentar ações voltadas à formação inicial e continuada de professores de educação básica e a elaboração de material didático específico no âmbito do Programa de Ações Afirmativas para a População Negra nas Instituições Federais e Estaduais de Educação Superior (UNIAFRO); Portaria n. 992, de 13 de maio de 2009, do Ministério da Saúde, que institui a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra; Portaria n. 3.300, de 27 de outubro de 2010, do Ministério da Saúde, altera e acresce dispositivos ao Anexo à Portaria n. 2.632/GM/MS, de 15 de dezembro de 2004, que aprovou o Regimento Intemo do Comitê Técnico de Saúde da População Negra; Decreto n. 6.872/2009, que aprovou o Plano Nacional de Promoção da Igualdade Racial (PLANAPIR); Lei n. 8.069/90, art. 28, § 6a, I, II e III (acrescentado pela Lei n. 12.010/2009), que trata da colocação de criança ou adolescente, proveniente de comunidade remanescente de quilombo, em família substituta. Pelo Decreto n. 4.883/2003: "Art. Ia Fica transferida do Ministério da Cultura para o Ministério do Desenvolvimento Agrário a competência relativa a delimitação das terras dos remanescentes das comunidades dos quilombos, bem como a determinação de suas demarcações, estabelecida no inciso VI, alínea c, do art. 27 da Lei n. 10.683, de 28 de maio de 2003. Parágrafo único. Compete ao Ministério do Desenvolvimento Agrário a expedição dos títulos das terras a que se refere o caput deste artigo. Art. 2a Compete ao Ministério da Cultura assistir e acompanhar o Ministério do Desenvolvimento Agrário e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária — INCRA nas ações de regularização fundiária para garantir a preservação da identidade cultural dos remanescentes das comunidades dos quilombos". Vide Decreto n. 4.887/2003, que regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos 165 T e o r ia G e r a i d o D i r e i t o C iv il quilombos de que trata o art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Instrução Normativa n. 49, de 29-9-2008, do INCRA, que regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação, desintrusão, titulação e registro das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos de que tratam o art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal de 1988, e o Decreto n. 4.887, de 20-11-2003. Instrução Normativa n. 56, de 7 de outubro de 2009, do INCRA, que regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação, desintrusão, titulação e registro das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos de que tratam o art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal de 1988 e o Decreto n. 4.887, de 20 de novembro de 2003. Educação escolar quilombola: Resolução n. 4/2010 do Conselho Nacional de Educação, art. 41. A Portaria n. 57/2008 da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial estatui Comitê de Gestão da Agenda Quilombola, instituído no âmbito do Programa Brasil Quilombola, que deverá elaborar relatório periódico das atividades desenvolvidas a ser apresentado aos titulares dos órgãos representados, bem como disponibilizar balanços das atividades da Agenda Social Quilombola no sítio da Internet da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial. Caberá ao Comitê de Gestão propor e articular ações intersetoriais para o desenvolvimento das ações que constituem a Agenda Social Quilombola. O Comitê de Gestão se reunirá periodicamente para discussão sobre a formulação, implementação, monitoramento e avaliação das políticas públicas implementadas nas comunidades da Agenda Social Quilombola. A Instrução Normativa n. 49, de 29 de setembro de 2008, do INCRA, regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação, desintrusão, titulação e registro das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos de que tratam o art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal de 1988 e o Decreto n. 4.887, de 20 de novembro de 2003. A Resolução n. 8, de 26 de março de 2009, do Conselho Deliberativo do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, estabelece orientações e diretrizes para a execução de projetos educacionais de formação continuada de professores e elaboração de material didático específico para alunos e professores da educação básica nas áreas de remanescentes de quilombos. Pela Lei n. 12.188/2010, art. 52,1, os remanescentes de quilombos são beneficiários da Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural para a Agricultura Familiar e Reforma Agrária (PNATER). Sobre homossexualidade: Lei estadual paulista n. 667/2001; Lei estadual mineira n. 14.170/2002; Lei municipal de Belo Horizonte n. 8.176/2001. Há Projeto de Lei Complementar n. 122/2006 que determina sanções às práticas discriminatórias em razão da orientação sexual das pessoas, punindo como criminoso quem vier a criticar o homossexualismo, criando a figura penal da homofobia. A proposta pretende punir com 2 a 5 anos de reclusão aquele que ousar proibir ou impedir a prática pública de um ato obsceno ("manifestação de afeüvidade") por homossexuais (art. 7a). Na mesma pena incorrerá a dona de casa que dispensar a babá que cuida de suas crianças após descobrir que ela é lésbica (art. 4a). A conduta de um sacerdote que, em uma homilia, condenar o homossexualismo poderá ser enquadrada no art. 8° ("ação [...] constrangedora [...] de ordem moral, ética, filosófica ou psicológica"). A punição para o reitor de um seminário que não admitir o ingresso de um aluno homossexual está prevista para 3 a 5 anos de reclusão (art. 52); Portaria n. 544/2011, da Secretaria de Direitos Humanos, estabelece Regimento Interno Provisório do Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoção dos Direitos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais. Vide: STF, ADI n. 4.277 e ADPF n. 132 — decisão com efeito vinculante admitindo união homoafetiva como entidade familiar. A Portaria n. 4/2006 da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, da Presidência da República (art. I2) resolve: "alterar os incisos do Art. I2 da Portaria n. 54, de 5 166 C u r s o d e D i r e i t o C i v il B r a s i l e ir o gou a Lei n. 8.882/94) e n. 12.288/2010; Dec. de 8-9-2000; Lei n. 12.033/2009, art. I a; CP, art. 145, parágrafo único; Lei n. 10.778/2003, com a alteração da Lei n. 12.288/2010, art. I a, § l e; Decreto n. 7.261/2010) etc. Igualmente, a Constituição Federal (arts. Ia, III; 3a, IV; 5a, I, VI, XLI; 19, I) desconhece a discriminação racial (art. 5a, XLII), que é punida como crime, ou nacional no Brasil. E proclamando o princípio da igualdade civil, por razões de ordem pública e de interesse nacional, sem criar distinções entre brasileiros e estrangeiros, admite restrições e condições (Dec. n. 2.771/98, alterado pelo Dec. n. 4.400/2002) ao exercício por estes de certos direitos, vedando-lhes a exploração de minas e quedas-d'água (art. 176, § Ia, com alteração da EC n. 6/95), a função de corretor da Bolsa e leiloeiro público (CPC, art. 706), a propriedade de empresas jornalísticas e de radiodifusão sonora e de sons e imagens (art. 222, §§ I a a 5a, com redação da EC n. 36/2002; Lei n. 10.610/2002) e de embarcações (art. 178 e parágrafo único, com alteração da EC n. 7/95) etc., e, no campo político, reservando o direito de voto aos brasileiros natos ou naturalizados (CF, art. 14, §§ 2a e 3a, I), e para adquirirem os estrangeiros propriedade rural podem depender de certas limitações legais (Lei n. 5.709/71, Decreto n. 74.965/74 e Decreto n. 5.311/2004, ora revogado pelo Dec. n. 5.978/2006, art. 15, II, in fine) ou de autorização do Congresso Nacional (CF, art. 190). Contudo tais restrições não implicam desigualdade jurídica entre nacional e estrangeiro22. de novembro de 2004, referentes aos objetivos setoriais, que passam a vigorar com a seguinte redação: I — combater todos os tipos de violência e de discriminação contra a mulher; II — sensibilizar a sociedade brasileira sobre os problemas enfrentados pelas mulheres, desconstruir os mitos e conceitos discriminatórios, e promover a difusão de novos valores relativos à igualdade de gênero; III — desenvolver ações visando aumentar o poder das mulheres em situação de vulnerabilidade; IV — combater a exploração e a violência sexual contra meninas, adolescentes e jovens; V — realizar ações de geração de emprego e renda garantindo o corte de gênero em programas de emprego e trabalho; VI — sensibilizar a sociedade para os novos valores sobre os direitos reprodutivos e sexuais das mulheres e promoção da paternidade responsável; VTI — estimular o desenvolvimento sustentável, com base no corte de gênero e no conceito de justiça ambiental; VIII — combater a discriminação contra as mulheres negras e indígenas; IX — combater os obstáculos sociais e econômicos ao desenvolvimento das trabalhadoras rurais; X — combater as discriminações no mundo do trabalho; XI — promover e apoiar o desenvolvimento de programas de educação e erradicação do analfabetismo; XII — apoiar ações que tratem da titulação da mulher chefe de família na aquisição da habitação; e XIII — promover e apoiar as ações que tratem sobre ciência, tecnologia e relações de gênero". A Lei n. 11.340, de 7 de agosto de 2006, cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. 22. O termo "capacidade" advém do latim capere, isto é, agarrar, prender, tomar nas mãos, apoderar-se, apreender, adquirir, apanhar. Capax é aquele que tem essa aptidão, capa- 167 T e o r ia G e r a l d o D i r e i t o C iv il Da análise do art. I a do Código Civil surge a noção de capacidade, que é a maior ou menor extensão dos direitos e dos deveres de uma pessoa. De modo que a esta aptidão, oriunda da personalidade, para adquirir direitos e contrair deveres na vida civil, dá-se o nome de capacidade de gozo ou de direito. A capacidade de direito não pode ser recusada ao indivíduo, sob pena de se negar sua qualidade de pessoa, despindo-o dos atributos da personalidade23. citas (Antônio Chaves, op. cit., p. 2). Vide Lei n. 10.835/2004, que instituiu renda básica de cidadania a todos os brasileiros residentes no País e estrangeiros residentes há pelo menos 5 anos no Brasil, não importando sua condição socioeconômica, priorizando-se as camadas mais necessitadas da população. O pagamento do benefício deverá ser de igual valor para todos, e suficiente para atender às despesas mínimas de cada pessoa com alimentação, educação e saúde, considerando para isso o grau de desenvolvimento do País e as possibilidades orçamentárias. Esse pagamento poderá ser feito em parcelas iguais e mensais. O benefício monetário será considerado como renda não tributável para fins de incidência do Imposto sobre a Renda de Pessoas Físicas. Caberá ao Poder Executivo definir o valor do benefício. Vide, também, Decreto n. 74.965/74, que regulamenta a Lei n. 5.709/71, que trata da aquisição de imóvel rural por estrangeiro residente no país, e o Decreto n. 98.961/90, que dispõe sobre expulsão de estrangeiro condenado por tráfico de entorpecentes e drogas afins. Vide Decreto n. 740/93, que revoga dispositivos do Decreto n. 86.715/81, que regulamenta a Lei n. 6.815/80; Lei n. 9.029/95, que proíbe a exigência de atestados de gravidez e esterilização, e de outras práticas discriminatórias, para efeitos admissionais ou de permanência da relação jurídica de trabalho; Lei n. 10.610/2002, sobre participação de capital estrangeiro nas empresas jornalísticas e de radiodifusão sonora e de sons e imagens; Decreto n. 4.400/2002 sobre registro provisório para estrangeiro em situação irregular no Brasil; Resolução administrativa do Conselho Nacional de Imigração n. 6/2004, que disciplina procedimentos para autorização de trabalho a estrangeiro; Decreto n. 5.311, de 15-12-2004 (ora revogado pelo Decreto n. 5.978/2006), alterou os arts. 96 e 97 do Decreto n. 86.715, de 10-12-1981, e o artigo 30 do Decreto n. 1.983, de 14-8-1996, para estabelecer o prazo de validade do passaporte para estrangeiros e do laissez-passer, conceder validade para múltiplas viagens ao laissez-passer e dispor sobre o recolhimento desses documentos. 23. Orgaz, Personas individuales, Buenos Aires, 1961; Roger Raupp Rios, O princípio da igualdade e a discriminação por orientação sexual, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2003. O novel Código Civil preferiu empregar o termo deveres, alerta Fiuza, no relatório geral, por existirem deveres jurídicos diferentes da obrigação, como a sujeição, nos direitos de vizinhança, o dever genérico de abstenção, os poderes-deveres e os deveres do direito de família. A esse respeito: Jones Figueiredo Alves e Mário Luiz Delgado, Código Civil anotado, São Paulo, Método, 2005, p. 1-2. A Lei n. 10.048/2000, art. Ia (com a redação da Lei n. 10.741/2003), reza que pessoa portadora de deficiência, idoso com idade igual ou superior a 60 anos, gestante, lactante e pessoa acompanhada por criança de colo terão atendimento prioritário. Lei Municipal de São Paulo n. 11.248/92, sobre atendimento preferencial de gestantes, mães com crianças de colo, idosos e deficientes em estabelecimento comercial, de serviço e similares. 168 Entretanto, tal capacidade pode sofrer restrições legais quanto ao seu exercício pela intercorrência de um fator genérico como tempo (maioridade ou menoridade), de tuna insuficiência somática (deficiência mental)24. Aos que assim são tratados por lei, o direito denomina "incapazes". Logo, a capacidade de fato ou de exercício é a aptidão de exercer por si os atos da vida civil dependendo, portanto, do discernimento que é critério, prudência, juízo, tino, inteligência, e, sob o prisma jurídico, a aptidão que tem a pessoa de distinguir o lícito do ilícito, o conveniente do prejudicial25. Assim, temos, graficamente: C u r s o d e D i r e i t o C iv il B r a s i l e ir o CAPACIDADE | O O i k : de fato i A capacidade jurídica da pessoa natural é limitada, pois uma pessoa pode ter o gozo de um direito, sem ter o seu exercício por ser incapaz, logo, seu representante legal é que o exerce em seu nome26. A capacidade de exercício pressupõe a de gozo, mas esta pode subsistir sem a de fato ou de exercício27. C . I n c a p a c i d a d e c .l. Noção A incapacidade é a restrição legal ao exercício dos atos da vida civil, devendo ser sempre encarada estritamente, considerando-se o princípio de que "a capacidade é a regra e a incapacidade a exceção". 24. Caio M. S. Pereira, Instituições, cit., v. 1, p. 224. 25. Antônio Chaves, Capacidade civil, cit., p. 2. 26. Antônio Chaves, Capacidade civil, cit., p. 7; Luciano Campos de Albuquerque, A capa- • cidade da pessoa física no direito civil, Revista de Direito Privado, 18:84-103. 27. W. Barros Monteiro, op. cit., v. 1, p. 63; Marcos Bemardes de Mello, Achegas para uma teoria das capacidades em direito, Revista de Direito Privado, n. 3, p. 9-34; Guilherme C. Nogueira da Gama e Bruno Paiva Bartholo, Personalidade e capacidade jurídicas no Código Civil de 2002, Revista Brasileira de Direito de Família, 37:27-41. Pde direito 169 T e o r ia G e r a l d o D i r e i t o C iv il Como toda incapacidade advém de lei, consequentemente não constituem incapacidade quaisquer limitações ao exercício dos direitos provenientes de ato jurídico inter vivos ou causa mortis. Exemplificativamente: se o doador grava o bem doado de inalienabilidade, o donatário não poderá dele dispor; se o testador institui uma substituição fideicomissária, o fiduciário não terá a disponibilidade da coisa recebida28. Não se confunde também com a incapacidade a proibição legal de efetivar determinados negócios jurídicos com certas pessoas ou em atenção a bens a elas pertencentes, p. ex., a que proíbe o tutor de adquirir bens do tutelado; o ascendente de vender bens ao descendente sem o consentimento dos demais descendentes e do seu cônjuge (CC, art. 496; STF, Súmula 494); o casado, exceto no regime de separação absoluta de bens, de alienar imóveis sem a outorga do outro cônjuge (CC, art. 1.647,1); o indigno de herdar (CC, art. 1.814); os tutores ou curadores de dar em comodato os bens confiados a sua guarda sem autorização especial (CC, art. 580); o credor do herdeiro de aceitar,;por este, quando renunciante, a herança com autorização judicial (CC, art. 1.813). Trata-se de impedimentos para a prática de certos atos jurídicos, não traduzindo incapacidade do tutor, do curador, do ascendente, da pessoa casada, do indigno e do credor do herdeiro, que conservam o pleno exercício de seus direitos civis29. Referem-se à legitimação que é "a posição das partes, num ato jurídico, negocial ou não, concreto e determinado, em virtude da qual elas têm competência para praticá-lo"30. Eis por que, modernamente, se distingue a capacidade de gozo da legitimação. Mesmo que o indivíduo tenha capacidade de gozo, pode estar impedido de praticar certo ato jurídico, em razão de sua posição especial em relação a certos bens, pessoas e interesses. Logo, a legitimação consiste em saber se uma pessoa tem ou não competência para estabelecer determinada relação jurídica, sendo, portanto, um pressuposto subjetivo-obje28. Caio M. S. Pereira, Instituições, cit., v. 1, p. 229; Planiol, Ripert e Boulanger, Traité êlémentaire de droit civil, v. 1, n. 2.156; Colin e Capitant, Cours élémentaire de droit civil, v. 1, n. 71. 29. Caio M. S. Pereira, Instituições, cit., v. 1, p. 229 e 230; Antônio Chaves, Capacidade civil, cit., p. 7 e 8. 30. Mário Salles Penteado, A legitimação dos atos jurídicos, RT, 454:28,1973. Legitimação é uma forma especial de capacidade exigida a quem se encontrar em determinada situação, para certos atos da vida civil, p. ex., o art. 496 do Código Civil exige que ascendente só venda a descendente com anuência dos demais descendentes e com a do seu cônjuge. 170 C u r s o d e D ir e i t o C iv il B r a s i l e ir o tivo, enquanto a capacidade de gozo é pressuposto subjetivo do negócio jurídico. Deveras, como nos ensina Camelutti, a capacidade de gozo é relativa ao modo de ser da pessoa, e a legitimação, à sua posição em relação às outras31. O instituto da incapacidade visa proteger os que são portadores de uma deficiência jurídica apreciável, graduando a forma de proteção que para os absolutamente incapazes (CC, art. 3°) assume a feição de representação, uma vez que estão completamente privados de agir juridicamente, e para os relativamente incapazes (CC, art. 4a) o aspecto de assistência, já que têm o poder de atuar na vida civil, desde que autorizados32. Por meio da representação e da assistência, supre-se a incapacidade, e os negócios jurídicos realizam-se regularmente. Graficamente temos: INCA PA CIDAD E A b s o lu ta (C C , a r t. 3 a) R e p re s e n ta ç ã o R elativ a (C C y a r t. 4 a) A ssistê n cia Os arts. 3a e 4a do Código Civil são de imperatividade absoluta ou impositiva, pois determinam o estado das pessoas com a convicção de que certas relações e determinados estados da vida social não podem ser deixados 31. Antônio Chaves (Capacidade civil, cit., p. 8 e 9) expõe a doutrina de Camelutti. A propósito vide Emilio Betti, Teoria general dei negocio jurídico, Madrid, p. 177; Cariota Ferrara, Negozio giuridico, n. 432, p. 592. 32. Caio M. S. Pereira, Instituições, cit., v. 1, p. 230 e 231; Planiol, Ripert e Boulanger, op. cit., v. 1, n. 2.175. 171 ao arbítrio individual, o que acarretaria graves prejuízos para a ordem social. Daí serem essas disposições normativas de ordem pública. c.2. Incapacidade absoluta A incapacidade será absoluta quando houver proibição total do exercício do direito pelo incapaz, acarretando, em caso de violação do preceito, a nulidade do ato (CC, art. 166, I). Logo, os absolutamente incapazes têm direitos, porém não poderão exercê-los direta ou pessoalmente, devendo ser representados33. São absolutamente incapazes (CC, art. 3fi): 1) Os menores de 16 anos (CC, art. 3a, I), porque devido à idade não atingiram o discernimento para distinguir o que podem ou não fazer, o que lhes é conveniente ou prejudicial. Dado seu desenvolvimento mental incompleto carecem de auto-orientação, sendo facilmente influenciáveis por outrem34. As Ordenações do Reino, tendo em vista a aptidão para procriar, estabeleciam que o varão de menos de 14 anos e a mulher de menos de 12 deveriam ser representados por seus tutores35. Clóvis Beviláqua ao elaborar nosso Código Civil de 1916 considerou o desenvolvimento intelectual e o poder de adaptação às condições da vida em sociedade36, fixando a incapacidade absoluta até que se atinjam 16 anos de idade. O atual Código Civil, no art. 3e, I, manteve o mesmo limite de idade; todavia, tal limite deveria ser repensado, ante a mentalidade dos jovens aos 14 anos, que, hodiemamente, é bem mais desenvolvida do que na ocasião da promulgação do Código de 1916. T e o r ia G e r a l d o D i r e i t o C i v i l 33. Antônio Chaves, Capacidade civil, cit., p. 9. 34. Silvio Rodrigues, Direito civil, 3. ed., Max Limonad, 1967, p. 72; Caio M. S. Pereira, op. cit., v. 1, p. 232. Mas aos maiores de 14 anos é assegurado o direito trabalhista, sendo proibido qualquer trabalho a menor de 14 anos, salvo na condição de aprendiz (Lei n. 8.069/90, art. 60; Decreto n. 5.598/2005; Instrução Normativa n. 75/2009, da Secretaria de Inspeção do Trabalho; CLT, art. 428; CF, art. 7a, XXXIII). 35. Ordenações, L. 3, tít. 41, § 8a; L. 3, tít. 63, § 52; L. 4, tít. 81, princ. 36. Clóvis Beviláqua, op. cit., p. 80; Silvio Rodrigues, op. cit., p. 72; Paulo de Lacerda, Manual de Código Civil Brasileiro, Rio de Janeiro, 1925, v. 6, p. 507-12. Vide: Lei n. 8.069/90, arts. 36 e 37, com a alteração da Lei n. 12.010/2009; CC, art. 1.734, com a redação da Lei n. 12.010/2009. 172 C u r s o d e D i r e i t o C iv il B r a s i l e ir o No direito comparado diversa é a maneira com que é tratada a incapacidade decorrente de idade. Alguns Códigos, como o argentino (art. 127), distinguem os menores impúberes dos púberes, com total abstenção dos atos da vida civil até 14 anos. O alemão (art. 104) considera absolutamente incapaz o que não atingiu 7 anos e acima dessa idade confere-lhe o exercício do direito com limitações (art. 106), necessitando do consentimento de seus representantes até atingir 18 anos (lei alemã de reforma da maioridade, de 31-7-1974) para praticar atos na vida civil. O Código francês não faz qualquer distinção entre capacidade absoluta e relativa dos menores, deixando que o juiz verifique se já chegaram ou não à idade do discernimento. O italiano de 1865 seguia a esteira do francês, mas o atual (de 1942) faz cessar a incapacidade absoluta aos 18 anos, salvo em casos especiais de leis que estabelecem uma idade superior, ou seja, a de 21 anos (arts. 2- e 3a)37. 2) Os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática dos atos da vida civil (CC, art. 3a, II; RJTJSP, 82:51, 25;78; JSTJ, 75:185; RT, 625:166 e 468:112). Aqui inserem-se os que, por motivo de ordem patológica ou acidental, congênita ou adquirida, não estão em condições de reger sua pessoa ou administrar seus bens. Determinadas pessoas, por não terem, por falta de discernimento, a livre disposição de vontade para cuidar dos próprios interesses, são consideradas absolutamente incapazes devendo ser representadas por um curador (CC, art. 1.767, I), tais como: a) portadores de enfermidades físico-psíquicas que impedem o discernimento como: demência ou fraqueza mental senil {RJ, 190:98); demência afásica; degeneração; psicastenia; psicose tóxica; psicose autotóxica (depressão, uremia etc.); psicose infectuosa (delírio pós-infeccioso etc.); paranóia; demência arteriosclerótica; demência sifilítica; mal de Parkinson senil, apresentando tremores, sensíveis sinais de depressão evolutiva, rigidez muscular, instabilidade emocional e demência progressiva; doença neurológica degenerativa progressiva etc.; b) deficiência mental ou anomalia psíquica, incluindo alienados mentais, psicopatas mentecaptos, maníacos, imbecis, dementes e loucos furiosos, ou não. O termo loucos abrange toda es37. Caio M. S. Pereira, Instituições, cit., v. 1, p. 234 e 235; Sílvio Venosa; op. cit., p. 127; Pasquale Stanzione, Personalità, capacita e situazione giuridiche dei menore, RTDCiv., 1:113-, RT, 503:90. Mas, pelo Enunciado n. 138 do Conselho de Justiça Federal, aprovado na III Jornada de Direito Civil: "A vontade dos absolutamente incapazes, na hipótese do inciso I do art. 32, é juridicamente relevante na concretização de situações existenciais a eles concernentes, desde que demonstrem discernimento bastante paia tanto". 173 T e o r ia G e r a l d o D i r e i t o C iv il pécie de desequilíbrio mental, ainda que seja interrompido por intervalos de lucidez38 e desde que haja um processo de interdição (CPC, arts. 1.177 a 1.186; R T 447:63, 485:70, 503:93, 506:75) comprovando que não têm qualquer equilíbrio mental para efetivar atos ou negócios jurídicos; só podendo, se interditados, atuar juridicamente quando representados pelo curador. Urge lembrar que, outrora, com o Decreto n. 24.559/34, revogado pelo Decreto n. 99.678/90 (também ora revogado), passou-se a distinguir o psicopata em absoluta e relativamente incapaz, permitindo-se, assim, que o juiz fixasse na sentença, tendo em vista a gravidade da moléstia, se sua incapacidade é absoluta ou relativa; conforme o caso, deverá ser representado ou assistido pelo curador. Diante da ocorrência desse fato o novo Código Civil, no art. 3a, II, utiliza expressão mais abrangente ao mencionar a falta de necessário discernimento para a prática de atos da vida civil, mas gradua a debilidade mental no art. 4a, II e III, enquadrando no rol dos relativamente incapazes os ébrios habituais, os toxicômanos, os fracos de mente e os excepcionais com desenvolvimento mental incompleto. O que, sem dúvida, revela prudência legislativa, pois há hipóteses de deficiência mental que acarretam apenas uma capacidade limitada. Há diversas variantes de manifestações psicopáticas, ante o polimorfismo da insanidade. Por isso, entendemos, andou bem a legislação civil em não enumerar as formas de alienação mental, pois obrigaria o intérprete e o aplicador a exigir da perícia a dificílima diagnose de cada caso. Ora, o direito deve contentar-se com um critério prático: a simples afirmação de um estado de enfermidade ou deficiência mental, que reclame intervenção protetora, visto que a pessoa tomou-se absolutamente incapaz de prover aos próprios interesses, de dirigir sua vida, de exercer seus direitos, com discernimento, por ser doente ou por sofrer qualquer perturbação das faculdades mentais. 38. Fez bem nosso atual Código Civil em abandonar a expressão loucos de todo o gênero por ser anacrônica, e por pecar pela falta de técnica, dando ensejo a confusões, pelo seu conteúdo amplíssimo, alcançando toda e qualquer pessoa com distúrbio mental ou portadora de alguma anomalia psíquica. Clóvis Beviláqua (op. cit., p. 82) acrescenta que alienados ou loucos são aqueles que, por organização cerebral incompleta, por moléstia localizada no encéfalo, lesão somática ou vício de organização, não gozam de equilíbrio mental e clareza de razão suficientes para se conduzirem socialmente nas várias relações da vida. Vide, ainda, Sá Freixe, Manual do Código Civil brasileiro, v. 12, p. 49; Guido Arturo Palomba, Os Códigos Civil e Penal e os estados intermediários de loucura, Tribuna do Direito, n. 39, p. 14. Urge lembrar que a Lei n. 10.741/2003, Estatuto do Idoso, modifica dispositivos (art. 18, III) da Lei de Tóxicos (Lei n. 6.368/76 ora revogada pela Lei n. 11.343/2006). Vide CF, art. 227, § l2, II, com a redação da EC n. 65/2010; Lei n. 10.216/2001 (Lei Antimanicomial). 174 C u r s o d e D i r e i t o C i v i l B r a s i l e i r o A anomalia psíquica é, portanto, qualquer doença que compreende não só o estado fronteiriço entre a sanidade e a insanidade mental como também a loucura. Intervalos de lucidez, interrupções regulares, ou não, do estado de perturbação mental não obstam a interdição, como já dissemos. Todavia, é preciso esclarecer que imprescindível será que se tenha um estado duradouro, que justifique a interdição, não podendo ser um estado fugaz de falta de percepção. A alteração das faculdades mentais determinantes da interdição, nos casos do art. 3e, II, do Código Civil, não consiste em manifestações passageiras, deve ser permanente, podendo não ser contínua. Nem há que se perquirir se há ou não validade jurídica de ato praticado em intervalo lúcido. Além disso, é preciso esclarecer, ainda, que, em direito, não se cogita em saber se a enfermidade mental parcial exerce influência sobre todos os atos do paciente e sim, se anomalia psíquica apurada, embora parcial, torna a pessoa incapaz para reger-se e administrar seus bens. Segundo Pedro Nunes (Dicionário de tecnologia jurídica), a interdição "é o ato judicial que declara a incapacidade real e efetiva de determinada pessoa maior, para a prática de certos atos da vida civil, na regência de si mesma e de seus bens, privada de discernimento". O processo de interdição inicia-se com um requerimento dirigido ao magistrado, feito pelos pais, tutor, cônjuge, qualquer parente ou, ainda, pelo Ministério Público (CPC, art. 1.177; CC, art. 1.768). O juiz manda citar o interditando, a fim de que ele tenha conhecimento do pedido e para convocá-lo a uma inspeção pessoal. A audiência efetiva-se em segredo de justiça, sendo que o juiz, assistido por especialistas, o "examinará pessoalmente, interrogando-o minuciosamente acerca de sua vida, negócios, bens e sobre o que lhe parecer necessário para ajuizar do seu estado mental" (CPC, art. 1.181; CC, art. 1.771). Após o que começa a correr prazo de 5 dias para o interditando impugnar o pedido. Passado tal lapso de tempo, o órgão judicante nomeia perito para proceder ao exame médico-legal do interditando. Com a apresentação do laudo médico, havendo prova oral a ser produzida, o magistrado designará audiência de instrução e julgamento, após o que pronuncia o decreto judicial de interdição, que deverá ser assentado (Lei n. 6.015/73, art. 92; CC, art. 9a, III) no Registro das Pessoas Naturais e publicado pela imprensa local e pelo órgão oficial três vezes, com intervalo de 10 dias, constando do edital os nomes do interdito e do curador que o representará nos atos da vida civil, a causa da interdição e os limites da curatela (CPC, art. 1.184). 175 O assento da sentença no registro de pessoas naturais e a publicação editalícia, ensina-nos Pontes de Miranda, são indispensáveis para lhe assegurar eficácia erga omnes39 (CC, art. 9-, III). Em regra, só depois de decretada a interdição é que se recusa a capacidade de exercício, sendo nulo qualquer ato praticado (RT, 468:112, 652:166; RJTJSP, 82:51, 25:78) pelo doente ou deficiente mental, embora seja possível tornar nula a venda de imóvel realizada por amental, mesmo antes da decretação judicial de sua interdição, desde que se prove sua insanidade (RT, 224:137, 352:352; JSTF, 75:185)40. Daí a afirmação de Lafayette de que a sentença de interdição é meramente declaratória e não constitutiva, uma vez que não cria a incapacidade, pois esta advém da alienação mental41. Os processualistas entendem que, quanto ao momento da eficácia da sentença, ela é constitutiva porque seus efeitos são ex nunc, começando a atuar a partir de sua prolatação, mesmo antes do trânsito em julgado (CPC, art. 1.184). Eis por que alguns autores entendem que é declaratória no sentido de reconhecer a moléstia mental como causa da interdição, e constitutiva, em seus efeitos. Os primeiros atêm-se ao reconhecimento de uma situação fática, enquanto os segundos, aos efeitos da sentença. A senilidade, por si só, não é causa de restrição da capacidade de fato (RT, 714:120, 427:92, 275:391, 305:265, 441:105; RF, 214:155; BAASP, 2710: T e o r ia G e r a l d o D i r e i t o C iv il 39. Nada obsta que em ação que não a de interdição se alegue, comprovadamente, que a pessoa é portadora de anomalia psíquica. Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil, v. 16, p. 391-3, Tratato de direito privado, v. 9, p. 347; Carvalho Santos, Código Civil brasileiro, v. 1, p. 263; Chemeaux e Bonnecarrière apud Baudry-Lacantinerie, Traité de droit civil, personnes, v. IV, n. 777; Sílvio de S. Venosa, Curso de direito civil, v. 1, p. 350; Débora Gozzo, O procedimento de interdição, Coleção Saraiva de Prática de Direito, São Paulo, Saraiva, 1986, n. 19, p. 26-8 e 70; Caio M. S. Pereira, Instituições, cit., v. 1, p. 236, v. 5, p. 266; Nelson G. B. Dower, Curso moderno de direito civil, Ed. Nelpa, v. 1,1976, p. 57-9; Luiz Gonzaga de Carvalho, Dos insanos mentais, São Paulo, Ed. Juarez de Oliveira, 2005; RT, 467:163, 447:63, 455:68, 455:100; RTJ, 102:359, 119:204; RSTJ, 97:246. 40. O Código Civil francês contém artigo expresso a esse respeito: "Os atos anteriores à interdição poderão ser anulados, se a causa da interdição existia notoriamente à época em que tais fatos foram praticados" (art. 503) (RT, 436:74, 415:358). Os negócios jurídicos praticados pelos interditados são nulos, se posteriores à interdição; se forem anteriores a ela, serão anuláveis e só poderão ser invalidados se comprovada a insanidade no momento de celebrados (STJ, 4a T., REsp 9.077, rei. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. 25-2-1992). 41. Lafayette Rodrigues Pereira, Direito de família, §§ 165 e 169; Caio M. S. Pereira, Instituições, cit., v. 1, p. 236; Bassil Dower, op. cit., p. 59; Maria Helena Diniz, Curso de direito civil brasileiro, v. 5, p. 312 e 313; RT, 539:149 e 182, 537:74. 176 C u r s o d e D ir e i t o C iv il B r a s i l e ir o 1935-15), porque não pode ser considerada equivalente a um estado psicopático. Poderá haver interdição se a senectude originar um estado patológico, como a arteriosclerose, que afete a faculdade mental, retirando do idoso o necessário discernimento ou a clareza de razão para praticar atos negociais, hipótese em que a incapacidade absoluta resulta do estado psíquico e não da velhice42(RJ, 190:98; RT, 714:120). 42. Caio M. S. Pereira, Instituições, cit., v. 1, p. 238; Clóvis Beviláqua, op. cit., p. 95 e 96; Marcus Vinicius de V. Dias, Lei n. 10.741/03 — Estatuto do Idoso — aspectos penais precípuos, Síntese, 80:3; Alexandre de Moraes, Cidadania das pessoas idosas e o novo estatuto, in Questões de direito civil e o novo Código, Ministério Público de São Paulo, 2004, p. 76-95; Oswaldo Peregrina Rodrigues, Estatuto do Idoso: aspectos teóricos, práticos e polêmicos e o direito de família, in Família e dignidade humana, Anais do V Congresso Brasileiro de Direito de Família (coord. R. Cunha Pereira), São Paulo, IOB Thomson, 2006, p. 771-93. Interessantes sãó os artigos de Leonardo de Faria Beraldo, Apontamentos gerais sobre o Estatuto do Idoso, Síntese, Porto Alegre, 81:3-4; Alexandre de Moraes, Cidadania das pessoas idosas e o novo estatuto, in Questões de direito civil e o novo Código (coord. Selma N. P. Reis), São Paulo, Imprensa Oficial, Ministério Público, 2004, p. 76-95, e de Eneida G. de M. Haddad, Direitos humanos: dignidade na velhice, Revista da Faculdade de Direito da FAAP, v. 1, p. 101-8; Xisto T. de Medeiros Neto, A proteção jurídica ao trabalho do idoso, Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 8S Região, v. 41, n. 81, p. 207-232. A atual Constituição Federal, art. 230, §§ Ia e 22, protege os idosos. A Lei n. 8.842/94 cria o Conselho Nacional do Idoso e o Decreto n. 1.948/96 dispõe sobre a política nacional do idoso. O Ato n. 125/97 da PGJ disciplina a atuação do Ministério Público do Estado de São Paulo em defesa da pessoa idosa. A lei estadual paulista de n. 9.802/97 dispõe sobre o Conselho Estadual do Idoso. Há normas que protegem o idoso, como: Lei n. 12.008/2009, que altera não só o art. 1.211-A do Código de Processo Civil para dar prioridade de tramitação em todas as instâncias aos procedimentos judiciais em que pessoa com idade igual ou superior a 60 anos figure como parte, como também o art. 1.211-B e § Ia desse mesmo diploma legal, obrigando o interessado na obtenção do benefício, juntando prova de sua condição, a requerê-lo à autoridade judiciária competente para decidir o feito, que determinará ao cartório do juízo as providências a serem cumpridas. Com o deferimento da prioridade, os autos receberão identificação própria que evidencie o regime de tramitação prioritária. Essa Lei altera a redação do Código de Processo Civil estabelecendo, ainda, que tal prioridade não cessará com a morte do beneficiado, estendendo-se em favor do cônjuge sobrevivente ou companheiro. A Lei n. 9.784/99 passa, por força da Lei n. 12.008/2009, a ser acrescida do art. 69-A, I, que dá ao idoso prioridade em procedimento administrativo em que figure como parte ou interessado. O STJ (REsp 1052244) reconheceu direito à prioridade do idoso na tramitação de ação na qual pleiteia indenização por defeito de fabricação, do automóvel (Corsa Wind) que provocou morte de seu filho. Consulte: Decreto n. 4.227/2002 (alterado pelo Dec. n. 4.287/2002), que criou o Conselho Nacional dos Direitos do Idoso (CNDI); Resolução do CNDI n. 15/2008, que aprovou o Regimento Interno do Conselho Nacional dos Direitos do Idoso; Decreto n. 4.360/2002 (ora revogado pelo Decreto n. 4.712/2003, que perdeu vigência com o Decreto n. 6.214/2007), que alterou o art. 36 do Decreto n. 1.744/95, sobre benefício de prestação continuada devido a idoso, que é intransferível, não gerando direito à pensão. O valor não recebido em vida pelo beneficiário será pago aos seus herdeiros, diretamente, pelo INSS. Vide Lei n. 10.471/2003 (Estatuto do Idoso), com as alterações das 177 T e o r i a G e ra i, d o D i r e i t o C iv il Não é raro o pedido de interdição de pessoa idosa. Visto que a velhice acarreta diversos males, mas só quando assume caráter psicopático, com estado de involução senil em desenvolvimento e tendência de se agravar, pode sujeitar a pessoa à curatela. Assim, apesar de a idade avançada e o estado de deLeis n. 11.765/2008,11.737/2008,12.419/2011 e 12.461/2011; Decreto n. 5.109/2004, que dispõe sobre a composição, estruturação, competências e funcionamento do Conselho Nacional dos Direitos do Idoso — CNDI; Lei n. 11.551/2007, que institui o Programa Disque Idoso; Resolução — RDC da ANVISA n. 283/2005, que aprovou Regulamento Técnico para o funcionamento das instituições de longa permanência para idosos e Resolução n. 4, de 18 de abril de 2007, do Fundo Nacional de Assistência Social, que pactua os procedimentos a serem adotados para a emissão da Carteira do Idoso. A Lei n. 11.765, de 5 de agosto de 2008, acrescenta inciso IX ao parágrafo único do art. 3S da Lei n. 10.741/2003 (Estatuto do Idoso) para dar prioridade ao idoso no recebimento do Imposto de Renda; a Lei n. 11.737/2008 alterou o art. 13 da Lei n. 10.741/2003 para atribuir aos Defensores Públicos o poder de referendar transações relativas a alimentos; a Lei n. 12.419/2011 alterou o art. 38 da Lei n. 10.741/2003 para garantir prioridade dos idosos na aquisição de unidades residenciais térreas nós programas nele mencionados; a Lei n. 12.461/2011 modificou o art. 19 da Lei n. 10.741/2003 para estabelecer notificação compulsória dos atos de violência praticados contra idoso atendido em serviço de saúde; a Resolução n. 12, de 11 de abril de 2008, do Conselho Nacional dos Direitos do Idoso, estabelece parâmetros e diretrizes para a regulamentação do art. 35 da Lei n. 10.741/2003, que dispõe sobre o contrato de prestação de serviços das entidades com a pessoa idosa abrigada. A Lei n. 12.213/2010 instituiu o Fundo Nacional do Idoso e autoriza deduzir do imposto de renda devido por pessoa física ou jurídica as doações efetuadas aos Fundos Municipais, Estaduais e Nacional do Idoso. A Portaria n. 288, de 2 de setembro de 2009, do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, dispõe sobre a oferta de serviços de proteção social básica do Sistema Único de Assistência Social com os recursos originários do Piso Básico de Transição — PBT e estabelece o cofinanciamento dos serviços de proteção básica para idosos e/ou crianças de até seis anos e suas famílias por meio do Piso Básico Variável — PBV. A Resolução n. 303, de 18 de dezembro de 2008, do CONTRAN, dispõe sobre as vagas de estacionamento de veículos destinadas exclusivamente às pessoas idosas. Idosos, na cidade de São Paulo, prestam orientação, durante 4 horas diárias, a usuários do metrô, relativamente ao uso correto de elevadores e escadas e à sugestão de itinerários (Destak, 4-11-2008, p. 02). A Resolução n. 6, de Ia de outubro de 2010, do CNDI, dispõe sobre reserva de 3% das unidades residenciais em programas habitacionais públicos para atendimento aos idosos. A Resolução n. 8, de le de outubro de 2010, do CNDI, dispõe sobre ações básicas e elaboração de diretrizes para aprimorar o processo de comunicação social do Conselho Nacional dos Direitos do Idoso — CNDI. A Lei n. 12.033/2009 toma pública e condicionada a ação penal em razão de injúria consistente na utilização de elementos alusivos à condição de pessoa idosa. Já se decidiu que: "1. A concessão do amparo assistencial é devida ao idoso com 65 anos ou mais que não exerça atividade remunerada e ao portador de deficiência incapacitado para a vida independente e para o trabalho, desde que a renda mensal familiar per capita seja inferior a 1/4 do salário-mínimo, não podendo ser acumulada com qualquer outro beneficio da Seguridade Social ou outro regime. 2. Para fins de cálculo da renda' familiar per capita, objetivando a concessão de benefício da Lei n. 8.742/1993, conforme indica a previsão do art. 34, parágrafo único, da Lei n. 10.741/2003, não deverá ser computado o benefício de aposentadoria percebido pelo cônjuge da impetrante, pois idoso. No caso, o que pretendeu o legislador foi direcionar que o idoso, pelas próprias 178 C u r s o d e D i r e i t o C iv il B r a s i l e ir o cadência orgânica não serem motivos legais para a interdição, esta não poderá deixar de ser decretada quando a pessoa não consegue, pela palavra escrita ou falada, manifestar seu pensamento, cuidar de seus negócios, reger a si própria e administrar seus haveres (RT, 224:189, 325:165; CC, art. 3a, II e III). 3) Os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade (art. 3a, III). Expressão abrangente, que alarga a incapacidade absoluta, pois como se vê o Código Civil não alude, expressamente, à surdo-mudez como causa de incapacidade, mas ela poderá conforme o caso enquadrar-se no art. 3S, III, que considera absolutamente incapaz o que não puder exprimir sua vontade; no art. 32, II, que dá como absolutamente incapaz o que, por enfermidade, não tiver desenvolvimento mental completo, nem tiver o necessário discernimento para a prática dos atos na vida civil; e no art. 4a, III, que enquadra como relativamente incapaz o excepcional com desenvolvimento mental incompleto. Essa solução já poderia ser obtida pela interpretação decorrente do art. 1.772 do Código Civil, que reza: "Pronunciada a interdição das pessoas a que se referem os incisos III e IV do art. 1.767, o juiz assinará, segundo o estado ou o desenvolvimento mental do interdito, os limites da curatela, que poderão circunscrever-se às restrições constantes do art. 1.782". Os surdos-mudos que não possam manifestar sua vontade, por não terem recebido educação adequada ou por sofrerem de lesão no sistema nervoso central, que lhes retira o discernimento, são absolutamente incapazes. Se puderem exprimir sua vontade, ante o avanço das ciências médica e eletrônica e a educação apropriada recebida, passam a ser capazes, embora impedidos de praticar atos que dependam da audição, como ser testemunhas quando o conhecimento do fato que se pretende provar depender do sentido que lhes falta e, principalmente, ser testemunhas em testamento43. Todas as pessoas que, por doença que acarrete deficiência física, estado de coma, perda de memória, paralisia mental ou surdo-mudez, por hipnose, por contusão cerebral, por falta de controle emocional em razão de trauma provocado, p. ex., por acidente; por uso de entorpecente ou de drogas alucinógenas etc., não puderem, ainda que por razão transitória, exprimir sua vonpeculiaridades inerentes à idade, faz por necessitar maiores recursos. 3. Não há de falar em perigo de irreversibilidade do provimento antecipado, tendo em vista a natureza social e protetiva do direito que se quer garantir, além do caráter provisório da medida, que poderá ser revogada ou modificada a qualquer tempo no curso do processo, a teor do disposto no art. 273, § 4S, do CPC" (BAA SP, 2.617:1647-10; TRF, 4a Região, 5a T., AI 2008.04.00.024394-1-SC, rei. Juiz Federal Alcides Vettorazzi, j. 7-10-2008, v.u.). 43. Caio M. S. Pereira, Instituições, cit., v. 1, p. 239. Vide Sílvio Venosa, op. cit., p. 130; RJTJSP, 146:121. Vide Lei n. 12.319/2010, que regulamenta a profissão de tradutor e intérprete da Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS). 179 T e o r ia G e r a l d o D i r e i t o C iv il tade, para a prática dos atos da vida civil, deverão estar representadas por um curador, apesar de não se decretar sua interdição, pois esta exige causa duradoura (CC, art. 1.767, II, combinado com o art. 1.780). Percebe-se que pelo novo Código não se pode estender a incapacidade: a) ao deficiente físico, ao surdo-mudo ou ao cego, que, apesar da falta da locomoção, da audição ou da visão que lhe dificulta o contato perfeito com o ambiente em que vive, se adapta à sociedade com grande facilidade, devido a uma compensação fisiológica, que lhe desenvolve outros sentidos, possibilitando trabalho e vida social. Entretanto, a norma jurídica, ante a ausência de locomoção, audição ou visão, não permite sua intervenção em atos que dependem desse sentido, de forma que não poderá servir de testemunha, quando a ciência do fato que se quer provar depende da visão ou audição, nem poderá o cego fazer testamento por outra forma que não seja a pública (CC, art. 1.872) e o surdo-mudo só poderá, por sua vez, fazer o cerrado (CC, art. 1.873), nem poderá, ainda, o cego ser testemunha em testamentos44. Mas o deficiente físico ou sensorial, se quiser, poderá requerer curador para gerir seus bens e negócios (CC, art. 1.780); ou b) aos ausentes declarados como tais por sentença. Pode pedir a declaração de ausência qualquer interessado (parentes sucessíveis, cônjuge, credores, os que tiverem ações para propor contra o ausente). O registro da sentença declaratória de ausência, que nomear curador, deverá ser feito no cartório do domicílio anterior do ausente (Lei n. 6.015/73, art. 94; CC, art. 9a, IV). A ausência é o instrumento jurídico pelo qual se protegem os interesses daquele que se afastou de seu domicílio, sem deixar procurador ou representante e do qual não há notícias (CPC, arts. 1.159 a 1.169, e CC, art. 22), instituindo-se uma curatela (CC, arts. 23 a 25). A fim de evitar o perecimento do seu patrimônio, procura-se transmiti-lo aos herdeiros, promovendo sua utilidade coletiva. A curadoria é dos bens do ausente e não da pessoa do ausente. Isso é assim, porque tem-se considerado como um erro técnico a inserção do ausente na categoria dos absolutamente incapazes, pois logo que aparecer poderá exercer todos os atos da vida civil, assumindo a direção de seus negócios e readquirindo a administração de seu patrimônio na forma prevista em 44. É o que escreve Caio M. S. Pereira (Instituições, cit., v. 1, p. 248); Clóvis Beviláqua, op. cit., p. 95. Há quem ache, acertadamente, não se tratar de ausência o desaparecimento de alguém num acidente aéreo, rodoviário, ferroviário etc. em que, pelos indícios, a sua morte parece óbvia, apesar de não ter sido encontrado seu cadáver, já que não há incerteza de seu paradeiro. Por isso o Código Civil no art. 7Q tratou da morte presumida sem decretação de ausência, como mais adiante veremos. 180 C u r s o d e D i r e i t o C iv il B r a s i l e ir o lei. Não há, portanto, incapacidade por ausência, mas tão somente uma necessidade de proteger os interesses do desaparecido, devido a sua impossibilidade material de cuidar de seus bens e interesses e a impraticabilidade jurídica de se conciliar o abandono domiciliar com a conservação dos direitos. Por esta razão o novo Código Civil retirou a ausência do rol das incapacidades, tratando desse instituto, autonomamente, na Parte Geral, arts. 22 a 39. Tem-se a ausência quando alguém desaparece de seu domicílio, sem dar notícias de seu paradeiro e sem deixar representante ou procurador (CC, art. 22). Sendo declarado como ausente pelo magistrado, institui-se sua curatela. A nomeação do curador dar-se-á, assevera Caio M. S. Pereira, mesmo que ele tenha deixado procurador (CC, arts. 115, 2a parte, e 653) que se recuse a administrar seu patrimônio (CC, art. 6 8 2 ,1) ou que não queira continuar o mandato (CC, art. 682, II e III), seja por ter ocorrido o término da representação a termo (CC, art. 682, IV), seja por renúncia do mandatário, seja por sua morte ou incapacidade, seja por insuficiência de poderes (CC, art. 23). O mesmo se diga se os poderes outorgados ao procurador forem insuficientes para a gestão dos bens do ausente. Com isso, o ausente ficará sem representante que venha a gerir seu patrimônio, urgindo, pois, que se nomeie curador. Apresentam-se na ausência três fases bem distintas, que são: 1) A curatela do ausente, em que se dá a caracterização da ausência por sentença declaratória, que deverá ser registrada no cartório do domicílio anterior do ausente (Lei n. 6.015/73, art. 94). Verificado o desaparecimento de uma pessoa do seu domicílio, sem dar qualquer notícia e sem deixar procurador para administrar seus bens ou que tenha deixado mandatário que não quer ou não pode exercer o mandato, ou se seus poderes forem insuficientes para gerir os bens móveis ou imóveis do ausente (CC, arts. 22, 23, 115, 2- parte, 653, 682, I a IV; CPC, art. 1.159), o juiz, a requerimento de qualquer interessado ou do Ministério Público, certificando-se da veracidade do fato, arrecadará os bens do ausente (CPC, art. 1.160), especificando-os minuciosamente e entregando-os a um curador que nomeará (CC, art. 22). O cônjuge do ausente, desde que não esteja separado judicialmente ou de fato por mais de 2 anos antes da declaração da ausência, será seu legítimo curador (CC, art. 25); tal direito estender-se-á ao companheiro (CC, art. 1.775; Enunciado n. 97 do STJ, aprovado nas Jornadas de Direito Civil de 2002), desde que com ele esteja convivendo, em razão de sua condição de herdeiro (CC, art. 1.790); na falta de cônjuge ou companheiro, nomear-se-á os pais do desaparecido e, na ausência destes, os descendentes, desde que idôneos 181 a exercer o cargo (CC, art. 25, § I a), preferindo-se os mais próximos aos mais remotos; na falta dessas pessoas, competirá ao juiz a escolha do curador (CC, art. 25, §§ 2a e 32), procurando averiguar quem pela melhor idoneidade atenderia aos interesses da pessoa desaparecida. Na falta de cônjuge, ascendente ou descendente (curadores legítimos) do ausente competirá ao juiz a escolha do curador dativo, desde que idôneo a exercer o cargo. Esse curador nomeado terá seus poderes e deveres fixados pelo órgão judicante, de acordo com as circunstâncias do caso, observando-se, no que for aplicável, o disposto a respeito dos tutores e curadores (CC, arts. 24, 1.728 a 1.783). É, portanto, o órgão judicante que, baseado nos fatos, ditará as normas segundo as quais o curador, por ele nomeado, deverá exercer suas funções administrativas relativamente aos bens do ausente. Consequentemente, na averiguação da legitimidade dos atos praticados pelo curador, dever-se-á buscar fundamento no ato judicial de sua nomeação e de estipulação de seus poderes e deveres. O curador, sob compromisso, inventariará os bens do desaparecido e administrá-los-á, percebendo todos os rendimentos que, porventura, produzirem, para entregá-los ao ausente quando voltar, ou aos seus herdeiros, se não retornar. O intuito da lei foi preservar os bens do ausente, impedindo seu perecimento. A curatela dos bens do ausente perdura, em regra, por um ano, durante o qual o magistrado ordenará a publicação de editais, de 2 em 2 meses, convocando o ausente a reaparecer para retomar a posse de seus haveres (CPC, art. 1.161). Com sua volta, opera-se a cessação da curatela, o mesmo ocorrendo se houver notícia de seu óbito (CPC, art. 1.162, I e II), averbando-se o fato no livro das ausências (Lei n. 6.015/73, art. 104). Pelo art. 26 do Código Civil, passado.um ano da arrecadação dos bens do ausente ou, se deixou algum representante ou procurador, em se passando 3 anos, poderão os interessados requerer que se abra, provisoriamente, a sucessão, cessando a curatela (CPC, arts. 1.162, III, e 1.163). Ter-se-á, primeiramente, uma sucessão provisória, ante a possibilidade de: a) não ter havido morte do desaparecido, pois poderá ele retomar ou ocorrer a descoberta de que se encontra vivo em algum lugar (CC, art. 36), alterando a situação dos sucessores, que, então, não terão direitos absolutos sobre os bens recebidos; b) delimitação do exato momento da morte da pessoa desaparecida, desfazendo-se os direitos daqueles sucessores, se, na data da abertura da sucessão, outros forem os herdeiros. P. ex., se uma pessoa no instante de seu desaparecimento deixou marido e filhos, que por isso foram declarados sucessores provisórios, e ficar constatado que faleceu dois anos depois, resT e o r ia G e r a i , d o D i r e i t o C ivil 182 C o r s o d e D i r e i t o C iv il B r a s i l e ir o tando-lhe apenas os filhos, que serão seus únicos herdeiros, pois o óbito de seu cônjuge ocorreu antes do seu, logo ele nada poderá herdar. 2) A sucessão provisória apoia-se nos arts. 26 a 36 do Código Civil e 1.163 a 1.167 do Código de Processo Civil. Pode ser requerida por qualquer interessado (CC, art. 27, I a IV): cônjuge não separado judicial ou extrajudicialmente; herdeiros presumidos, legítimos ou testamentários (CC, arts. 1.829 e 1.799); pessoas que tiverem sobre os bens do ausente direito dependente de sua morte, p. ex.: usufruto vitalício condicionado à morte do usufrutuário (ausente) para que o nu-proprietário livre o bem onerado do ônus real; cláusula que preveja repasse de quotas do falecido aos sobreviventes, fideicomisso (CC, art. 1.951), legado (CC, art. 1.923), apólice de seguro de vida e doação com cláusula de reversão (CC, art. 547); credores de obrigações vencidas e não pagas (CPC, art. 1.163, § Ia; CC, art. 27). E se não houver interessados na sucessão provisória, findo o prazo legal, compete ao Ministério Público requerê-la (CPC, art. 1.163, § 2a; CC, art. 28, § Ia); logo, sua legitimidade é, portanto, subsidiária. Aquele que promover a abertura da sucessão provisória pedirá a citação pessoal dos herdeiros presentes e do curador e, por edital, a dos ausentes paxa oferecerem artigos de habilitação (CPC, art. 1.164). A sentença que determinar a abertura da sucessão provisória produzirá efeitos somente 180 dias depois de sua publicação pela imprensa. A sentença de abertura da sucessão provisória será averbada, no assento de ausência, após o trânsito em julgado (Lei n. 6.015/73, art. 104, parágrafo único). Assim que transitar em julgado, ter-se-á a abertura do testamento, se houver, e proceder-se-á ao inventário e partilha dos bens como se fosse o ausente falecido (CPC, art. 1.165, e CC, art. 28, caput). A herança do ausente passa a seus herdeiros, que são sucessores provisórios e condicionais, devendo guardar os bens, para serem devolvidos quando reclamados pelo desaparecido, por ocasião de sua volta. Logo, tem o efeito de imissão de posse, pois não há transferência da propriedade dos bens do desaparecido aos seus herdeiros provisórios. Para assegurar ao ausente a devolução dos seus bens, a) o juiz determina, se julgar conveniente, valendo-se se for preciso de laudo pericial, a conversão, por meio de hasta pública, dos bens móveis, sujeitos a deterioração ou a extravio, em imóveis ou em títulos (públicos ou privados) garantidos pela União (CC, art. 29). A conversão dos bens suscetíveis de deterioração não mais será obrigatória, sendo mera permissão ao órgão judicante; b) os herdeiros imitidos na posse desses bens darão, ante a precariedade de seu direito, garantias de sua res 183 T e o r ia G e r a l d o D i r e i t o C iv il tituição mediante penhores, hipotecas, equivalentes aos quinhões respectivos (CPC, art. 1.166; CC, art. 30). Se não puderem dar tais garantias não entrarão na posse dos bens, que ficarão sob a administração de um curador, ou de outro herdeiro designado pelo juiz, que preste as mencionadas garantias (CC, art. 30, § l 2). Mas os ascendentes, os descendentes e o cônjuge, se for provada sua qualidade de herdeiros necessários, poderão, independentemente de garantia, entrar na posse dos bens do ausente (CC, art. 30, § 2fi), pois há presunção legal de que zelarão pelos quinhões recebidos a título provisório; c) os imóveis do ausente, não só os arrecadados, mas também os convertidos por venda dos móveis (CC, art. 29), não poderão ser alienados, exceto em caso de desapropriação, ou hipotecados, salvo por ordem judicial, para lhes evitar ruína ou por ser mais conveniente convertê-los em títulos garantidos pela União (CC, arts. 31 e 29), antè a necessidade de preservar o patrimônio do ausente, já que há possibilidade de seu retomo; ã) os sucessores provisórios, empossados nos bens, ficarão representando ativa e passivamente o ausente, de modo que contra eles correrão as ações pendentes e as que de futuro àquele forem movidas (CC, art. 32), aplicando-se-lhes a norma do art. 1.792 do Código Civil, portanto não terão responsabilidade por encargos superiores às forças da herança recebida provisoriamente; e) o descendente, ascendente ou cônjuge, que for sucessor provisório do ausente, fará seus todos os frutos e rendimentos dos bens que a este couberem por serem herdeiros necessários (CC, arts. 1.829, I, II e III, e 1.845). Os outros sucessores (parentes colaterais), porém, deverão capitalizar metade desses frutos e rendimentos, conforme o art. 29 do Código Civil, de acordo com o representante do Ministério Público, e prestar anualmente contas ao juiz competente (CC, art. 33); f) o excluído da posse provisória (CC, art. 30, § l fl) por não ter oferecido a garantia real, poderá, se justificar falta de meios, requerer lhe seja entregue metade dos rendimentos do quinhão que lhe tocaria (CC, art. 34) para poder fazer frente a sua subsistência. O sucessor provisório que não pôde entrar na posse de seu quinhão, por não ter oferecido a garantia legal, poderá justificar-se provando a falta de recursos, requerendo, judicialmente, que lhe seja entregue metade dos frutos e rendimentos produzidos pela parte que lhe caberia, e que foi retida, para poder fazer frente à sua subsistência. Interessante é a seguinte observação de Gustavo Tepedino, Heloísa Helena Barboza e Maria Celina Bodin de Moraes: "Se o herdeiro excluído da posse recebe metade dos rendimentos do quinhão que lhe tocaria, resta a indagação sobre o destino da outra metade. Será ela capitalizada para o ausente ou será atribuída ao herdeiro que ficou imitido na posse de tais bens? Não parece razoá 184 vel que ao herdeiro exclúído sejam atribuídos rendimentos, enquanto aquele que o substituiu na gestão dos bens nada recebe. Parece mais coerente sustentar que é o ausente quem deixa de receber rendimentos por aquele quinhão, uma vez que, fosse um curador gerindo os bens, seria ele a arcar com a remuneração". Se se provar, cabalmente, durante a sucessão provisória a data certa da morte do ausente, considerar-se-á, nessa data, aberta a sucessão em prol dos herdeiros, que, legal e comprovadamente, o eram àquele tempo (CC, arts. 35 e 1.784); converte-se, então, a sucessão provisória em definitiva (CPC, art. 1.167, I). Retomando o ausente ou enviando notícias suas ou, ainda, comprovando-se judicialmente sua existência por estar vivo, cessarão para os sucessores provisórios todas as vantagens, ficando obrigados a tomar medidas assecuratórias ou conservatórias até a devolução dos bens a seu dono (CC, art. 36). Daí serem os sucessores provisórios herdeiros presuntivos, uma vez que gerem patrimônio supostamente seu; o verdadeiro proprietário é o ausente, cabendo-lhe, também, a posse dos bens, bem como os seus frutos e rendimentos, se o sucessor provisório não for o cônjuge, descendente ou ascendente. Logo, o sucessor provisório, com o retomo do ausente, deverá dar contas dos bens e de seus acrescidos. Mas se o ausente aparecer, e ficar provado que sua ausência foi voluntária e injustificada (p. ex., inexistência de perigo de vida ou de qualquer motivo plausível), perderá ele, em favor dos sucessores provisórios, sua parte nos frutos e rendimentos, compensando-os pela administração feita (CC, art. 33, parágrafo único), recebendo, como sanção, apenas de volta o patrimônio original. Portanto, o ausente, com seu regresso, deverá demonstrar que sua ausência se deu involuntária e justificadamente, sob pena de perder para os sucessores provisórios os frutos e rendas produzidos pelos seus bens móveis ou imóveis. Se dentro de 30 dias do trânsito em julgado da sentença que manda abrir a sucessão provisória não aparecer nenhum interessado, ou herdeiro, que requeira o inventário, o Ministério Público provocará o juiz a ordenar a arrecadação dos bens e a herança será, então, considerada jacente (CPC, art. 1.165, parágrafo único; CC, arts. 28, § 2°, e 1.819 a 1.823). 3) A sucessão definitiva e o levantamento das cauções prestadas poderão ser requeridos pelos interessados (CC, art. 27) 10 anos depois de passada em julgado a sentença que concedeu abertura de sucessão provisória (CPC, art. 1.167, II; CC, art. 37) ou se se provar que o ausente conta 80 C u r s o d e D i r e i t o C iv il B r a s i l e ir o 185 T e o r ia G e r a l d o D i r e i t o C ivil anos de idade e que de 5 anos datam as últimas notícias suas (CPC, art. 1.167, III; CC, art. 38; RT, 572:98). Os sucessores deixarão de ser provisórios, adquirindo, então, o domínio e a disposição dos bens recebidos, porém, sua propriedade será resolúvel se o ausente regressar nos 10 anos seguintes à abertura da sucessão definitiva, caso em que só poderá requerer ao juiz a entrega dos bens existentes no estado em que se encontrarem, os sub-rogados em seu lugar ou o preço que os herdeiros houverem recebido pelos alienados depois daquele tempo (CC, art. 39; CPC, art. 1.168), respeitando-se, assim, direitos de terceiros, uma vez que não se desfazem aquisições por eles realizadas. Daí afirmar-se que tal sucessão é quase-definitiva. Poderão perceber os frutos e rendimentos dos bens herdados, podendo utilizá-los como quiserem, e alienálos, onerosa ou gratuitamente e, ainda, requerer o levantamento das cauções (garantias hipotecárias ou pignoratícias) prestadas. Se, entretanto, o ausente regressar depois de passados os 10 anos de abertura da sucessão definitiva não terá direito a nada, não mais podendo recuperar seus bens. Se, nos 10 anos a que se referem os arts. 39 do Código Civil e 1.168 do Código de Processo Civil, o ausente não retomar, e nenhum interessado promover a sucessão definitiva, os bens serão arrecadados como vagos passando à propriedade do município ou do Distrito Federal, se localizados nas respectivas circunscrições, incorporando-se ao domínio da União, quando situados em território federal (CC, art. 39, parágrafo único), que ficarão obrigados a aplicá-los em fundações destinadas ao ensino (Dec.-lei n. 8.207/45, art. 3a). A presunção de morte por ausência tem o poder de pôr fim ao vínculo conjugal, por mais prolongada que seja. Há no direito brasileiro ação direta para a declaração de dissolução do vínculo matrimonial por ausência do cônjuge, que declarada judicialmente tem o condão de produzir ipsó iitre a dissolução do casamento (CC, art. 1.571, § I a). No regime anterior, a ausência não terminava com o casamento, mas o desaparecimento do cônjuge sem deixar notícia podia ser causa de separação judicial, por importar em conduta desonrosa ou grave violação dos deveres do casamento, tomando impossível a vida em comum; ou em ruptura da vida em comum por mais de 5 anos consecutivos impossibilitando a sua reconstituição (Lei n. 6.515/77, art. 5a, § Ia). Silvio Rodrigues, a esse respeito, distinguia duas situações, ante a Lei do Divórcio, conforme o ausente tenha desaparecido antes ou depois de 28 de junho de 1977, escrevendo que, se o desaparecimento ocorreu antes de 186 C u r s o d e D i r e i t o C iv i l B r a s i l e ir o 28-6-77 e já perdurava por mais de 5 anos, poderia o cônjuge do desaparecido, independentemente de sentença declaratória de ausência, promover ação de divórcio contra o seu consorte, com base no art. 40 da Lei n. 6.515/77; provada a separação de fato por mais de 5 anos, podia obter sentença favorável, que ensejava seu novo matrimônio. Era óbvio que a hipótese era transitória, porque na longa duração não haveria pessoas desaparecidas anteriormente a 28 de junho de 1977. Se o desaparecimento ocorresse após esta data, dever-se-ia propor a ação de separação, com base no art. 5a, § Ia, da mesma Lei do Divórcio, que seria alcançável se provado que a separação, derivada de ausência, durasse pelo menos 5 anos. Após a obtenção da separação judicial, o cônjuge do ausente aguardaria 3 anos e então obtinha a conversão de sua separação judicial em divórcio. Nesse momento poderia contrair novo matrimônio. Todavia, como já dissemos alhures, houve julgados que entendiam que havia uma permanente possibilidade jurídica de divórcio direto aos separados de fato há mais de 5 anos (Adcoas, 1979, n. 73.143, TJRJ). Pelo art. 226, § 6a, da Constituição Federal de 1988, bastaria para o divórcio direto consensual a comprovada separação de fato por mais de 2 anos, mas na hipótese de ausência, antes do advento do novo Código Civil, ter-se-ia, ante a impossibilidade de acordo para solucionar eventuais pendências, primeiro que obter a separação judicial litigiosa, convertendo-a depois de 1 ano em divórcio. Com o advento da EC n. 66/2010, que deu nova redação ao art. 226, § 6a, da CF, não há mais, hoje, necessidade de pleitear separação judicial e de prazos de carência de um ano daquela separação ou de dois da separação de fato para requerer o divórcio. Com o disposto no § I a do art. 1.571 a morte presumida extingue a sociedade e o vínculo conjugal, liberando o ex-cônjuge para convolar novas núpcias, sem precisar requerer antes o divórcio. Se, realizado o novo casamento, o morto presumido vier a reaparecer, o segundo matrimônio nulo será, mas produzirá por analogia (LINDB, art. 4a) os efeitos do casamento putativo. Mas há quem ache que, ante a constituição da nova família, o segundo casamento prevalecerá, exceto se os novos esposos, juntos ou separadamente, deliberarem anulá-lo. Se o ausente tiver deixado filhos menores e o outro consorte já for falecido ou incapaz para exercer o poder familiar, nomear-se-á tutor a essas crianças (CC, art. 1.728, I e II)45. 45. Caio M. S. Pereira, Instituições, cit., v. 1, p. 239, 240 e 314; Bassil Dower, op. cit., v. 1, p. 59 e 60. Vide Súmula 331 do STF. Sobre os efeitos no direito de família: M. H. Diniz, 187 T e o r ia G e r a l d o D i r e i t o C iv il Não há outras pessoas sujeitas à curatela, por serem consideradas absolutamente incapazes, além das arroladas pelo art. 3S do Código Civil. Logo, deficiência física, cegueira, analfabetismo, idade provecta (Lei n. 10.741/2003, com alteração da Lei n. 12.461/2011), por si sós, não constituem motivo bastante para a interdição, se a pessoa tiver condições psíquicas normais. c.3. Incapacidade relativa A incapacidade relativa diz respeito àqueles que podem praticar por si os atos da vida civil desde que assistidos por quem o direito positivo encarrega deste ofício, em razão de parentesco, de relação de ordem civil ou de designação judicial. O efeito da violação desta norma é gerar a anulabilidade do ato jurídico (CC, art. 1 7 1 ,1), dependendo de iniciativa do lesado, havendo até hipóteses em que poderá ser confirmado ou ratificado tal ato praticado por relativamente incapaz sem a assistência de seu representante46. Por outro lado, há atos que podem praticar, livremente, sem autorização. Eis por que se diz que os relativamente incapazes ocupam uma zona inCurso, cit., v. 5, n. 7, item B do cap. U. Vide: STJ, REsp 249.823 (200000201766) PR-3a T., rei. Min. Eduardo Ribeiro, DJU, 26-6-2000; W. Barros Monteiro, op. cit., p. 334- 7; Silvio Rodrigues, op. cit., p. 417; Sebastião José Roque, Direito de família, cit., p. 207-14; José Antonio de Paula Santos Neto, Da ausência, São Paulo, Juarez de Oliveira, 2001; sobre curadoria do ausente: Silvio Rodrigues, op. cit., p. 419 e 422; Hugo Nigro Mazzilli, Curadoria de ausentes e incapazes, São Paulo, 1988; Jones E Alves e Mário L. Delgado, Código, cit., p. 38; Barbara A. de Araújo, A ausência: análise do instituto sob a perspectiva civil e constitucional, A parte geral, cit., p. 59-82; Lei n. 6.015/73, art. 29, VI; Caio M. S. Pereira, Instituições, v. 5, cit., p. 315 e 317; Gustavo Tepedino e outros. Código, cit., v. 1, p. 93; Moacir Adiers, A ausência da pessoa natural no novo Código Civil, Revista do Direito Privado, 18:189 a 217; Tarcisa A. Marques Porto, A ausêticia no novo Código Civil, São Paulo, SRS, 2008. Sobre morte presumida de tripulantes de navios e aeronaves (Dec.-lei n. 3.577/41, arts. I2, § l2, 32 e 12), de militares, servidores públicos e militares de aeronáutica (Decs.-leis n. 4.819/42, 5.782/43 e 6.239/44, respectivamente). Vide Lei n. 9.140, de 4-12-1995, com alteração da Lei n. 10.536/2002, que reconhece como mortos os desaparecidos em razão de participação em atividades políticas no período de 2-9-1971 a 5-10-1988 — Decreto de 16-12-2004 (DOU de 17-12-2004 e republicado no DOU de 20-12-2004), concede indenização a famílias de pessoas desaparecidas ou mortas em razão de participação ou acusação de participação em atividades políticas, no período de 2-9-1961 a 5-10-1988; STF, Súmulas 331 e 445; Pontes de Miranda, Tratado de direito privado, § 220; Decreto n. 3.048/99; RJTJSP, 360:363, 221:181, 136:297, 116:49, 90:350, 35:63; RT, 794:382, 535:241. 46. Antônio Chaves, Capacidade civil, cit., p. 9; Caio M. S. Pereira, Instituições, cit., v. 1, p. 240 e 241. 188 termediária entre a capacidade plena e a incapacidade total, uma vez que podem participar da vida jurídica47. Dentre os que se enquadram nessa categoria (CC, art. 4a) temos: 1) Os maiores âe 16 e menores de 18 anos (CC, art. 42, I), pois a sua pouca experiência e insuficiente desenvolvimento intelectual não possibilitam sua plena participação na vida civil, de modo que os atos jurídicos que praticarem só serão reputados válidos se assistidos pelo seu representante. Caso contrário serão anuláveis. Entretanto, o menor, entre 16 e 18 anos, não poderá, para eximir-se de uma obrigação, invocar a sua idade se dolosamente a ocultou quando inquirido pela outra parte ou se, no ato de obrigar-se, espontaneamente se declarou maior (CC, art. 180)48. "A incapacidade relativa de uma das partes não pode ser invocada pela outra em benefício próprio, nem aproveita aos cointeressados capazes, salvo se, neste caso, for indivisível o objeto do direito ou da obrigação comum" (CC, art. 105). Se não houve malícia por parte do menor, tem-se a anulação de seu ato, porém, pelo art. 181 do Código Civil, "ninguém poderá reclamar o que, por uma obrigação anulada, pagou a um incapaz, se não provar que reverteu em proveito dele a importância paga". Pelo art. 116 do Estatuto da Criança e do Adolescente, havendo ato infracional, com reflexos patrimoniais, a autoridade poderá determinar, se for o caso, que o adolescente restitua a coisa, promova o ressarcimento do dano, ou, por outra forma compense o prejuízo da vítima. E acrescenta, ainda, no parágrafo único que "havendo manifesta impossibilidade, a medida poderá ser substituída por outra adequada". "O incapaz responde pelos prejuízos que causar de maneira subsidiária ou excepcionalmente, como devedor principal, na hipótese do ressarcimento devido pelos adolescentes que praticarem atos infracionais, nos termos do art. 116 do Estatuto da Criança e do Adolescente, no âmbito das medidas socioeducativas ali previstas" (Enunciado n. 40 do Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal). C u r s o d e D i r e i t o C iv il B r a s il e ir o 47. Caio M. S. Pereira, Instituições, cit., v. 1, p. 240; Mazeaud e Mazeaud, Traité, cit., p. 36; Lei n. 11.343/2006, que institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (Sisnad); prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas e define crimes. 48. Silvio Rodrigues, Dos defeitos dos atos jurídicos, São Paulo, 1959, n. 100 e s. e n. 131; RT, 465:86, 518:96. 189 T e o r ia G er a l d o D i r e i t o C iv il Em alguns casos, o menor relativamente incapaz procede independentemente da presença de um assistente. P. ex.: aceitar mandato (CC, art. 666); fazer testamento (CC, art. 1.860, parágrafo único); ser testemunha em atos jurídicos (CC, art. 228, I); exercer empregos públicos para os quais não for exigida a maioridade. Precedendo autorização pode ser empresário (CC, art. 52, parágrafo único, V; Lei de Falências, art. I 2); casar-se o homem e a mulher de 16 anos (CC, art. 1.517). Em regra, poderá: celebrar contrato de trabalho (CLT, art. 446; CF, arts. 72, XXXIII, e 227, § 3a, III, com a redação da EC n. 65/2010; Dec. n. 95.730/88, ora revogado pelo Dec. de 10-5-1991; Lei n. 8.069/90, arts. 60 a 69, 54, VI, 208, VIII; Lei n. 10.097/2000, que altera os arts. 402 e 403 da CLT, e Decreto n. 4.134/2002) se tiver mais de 16 anos, salvo na condição de aprendiz a partir dos 14 anos (Dec. n. 5.598/2005, art. 2a; CLT, art. 428; Dec. n. 4.134/2002; Dec. n. 6.481/2008, art. 3a; Instrução Normativa n. 75/2009 da Secretaria de Inspeção do Trabalho; Súmula 24 da Advocacia-Geral da União); ser eleitor (Código Eleitoral, art. 4a; CF, art. 14, § Ia, I, mas acrescenta o II, c, que será esse direito facultativo para os maiores de 16 e menores de 18 anos). Se tiver 18 anos, por ser maior, poderá: requerer registro de seu nascimento (Lei n. 6.015/73, art. 50, § 3fl, com alteração da Lei n. 9.053/95); pleitear perante a justiça trabalhista (CLT, art. 792); participar de cooperativas de trabalho, consumo ou crédito (Dec. n. 22.239/32 e Dec.-Lei n. 581/38, revogado pelo Dec.-Lei n. 59/66, que, por sua vez, perdeu vigência por força da Lei n. 5.764/71); exercer na justiça criminal o direito de queixa, renúncia e perdão (CPP, arts. 34, 50, parágrafo único, e 52); firmar recibos relativos a salários e férias se for trabalhador rural (como dispunha a Lei n. 4.214/63, art. 58, ora revogada pelo art. 21 da Lei n. 5.889/73, que nada prevê a respeito; CLT, art. 439); firmar recibo de pagamento de INSS (Dec. n. 77.077/76, revogado pelo Dec. n. 89.312/84, hoje prejudicado pelos arts. 111 da Lei n. 8.213/91 e 163 do Decreto n. 3.048/99, que dispõem sobre o assunto) e previdenciários (Dec. n. 35.448/54) etc.49. 2) Os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência mental, tiverem o discernimento reduzido (CC, art. 4a, II; CF, art. 227, § 32, VII, com a redação da EC n. 65/2010). Baseado em posição fundada em subsí49. W. Barros Monteiro, op. cit., v. 1, p. 66 e 67; Clóvis Beviláqua, op. cit., p. 88 e 89; Caio M. S. Pereira, Instituições, cit., v. 1, p. 242; Jones F. Alves e Mário Luiz Delgado, Código, cit., p. 9. Portaria n. 6/2001 da Secretaria de Inspeção do Trabalho proíbe trabalho de menor de 18 anos em local perigoso e insalubre. Decreto n. 4.134/2002 promulga a Convenção n. 138. Recomendação n. 146 da OIT sobre idade mínima de admissão em emprego. Pelo Decreto n. 5.598/2005, aprendiz é o maior de 14 anos e menor de 24, mas essa idade máxima não se aplica a aprendizes portadores de deficiência (art. 2-, parágrafo único). A Resolução n. 69/2011, do Conselho Nacional do Ministério Público, "dispõe sobre a atuação dos membros do Ministério Público como órgão interveniente nos processos judiciais em que se requer autorização para trabalho de crianças e adolescentes menores de 16 anos". 190 C u r s o d e D i r e i t o C iv i l B r a s il e ir o dios mais recentes da ciência médico-psiquiátrica, o novo Código Civil alarga os casos de incapacidade relativa decorrente de causa permanente ou transitória. Assim sendo, alcoólatras ou dipsômanos (os que têm impulsão irresistível para beber ou os dependentes do álcool), toxicômanos, ou melhor, toxicodependentes (opiômanos, usuários de psicotrópicos, crack, heroína e maconha, cocainômanos, morfinômanos) ou portadores de deficiência mental adquirida, em razão, p. ex., de moléstia superveniente (p. ex., psicose, mal de Alzheimer), que sofram uma redução na sua capacidade de entendimento, não poderão praticar atos na vida civil sem assistência de curador (CC, art. 1.767, III), desde que interditos. São, portanto, considerados, também, relativamente incapazes os toxicômanos, após processo de interdição (CPC, art. 1.185), pois os entorpecentes, tóxicos, substâncias naturais ou sintéticas, como morfina, cocaína, heroína, crack, maconha etc., introduzidos no organismo, podem levar os viciados à ruína econômica pela alteração de sua saúde mental. Os toxicômanos, pela Lei n. 4.294/21, foram equiparados aos psicopatas, criando o Decreto- -lei n. 891/38, no art. 30, § 5a, duas espécies de interdição, conforme o grau de intoxicação: a limitada, que é similar à interdição dos relativamente incapazes, e a plena, semelhante à dos absolutamente incapazes. Caracterizando-se incapacidade de maior ou menor extensão, dá-se ao toxicômano curador com poderes mais ou menos extensos (v. Leis n. 6.368/76 e 10.409/2002 ora revogadas pela Lei n. 11.343/2006). Se se averiguar, no processo de interdição, que o toxicômano encontra-se em situação tal que o impede de exprimir sua vontade, enquadrar- -se-á no art. 3a, III, do Código Civil, passando a ser tido como absolutamente incapaz. 3) Os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo (CC, art. 4a, III; CF, art. 227, § Ia, II, com a redação da EC n. 65/2010). Abrangendo os fracos de mente, os surdos-müdos sem educação apropriada e os portadores de anomalia psíquica genética ou congênita (p. ex., a de síndrome de Down), que apresentem sinais de desenvolvimento mental incompleto, comprovados e declarados em sentença de interdição, que os tomam incapazes de praticar atos na vida civil, sem assistência de um curador (CC, art. 1.767, IV). 4) Os pródigos (CC, art. 4a, IV; JTJ, 200:110), pois até nosso direito anterior já restringia a capacidade daquele que, desordenadamente, dilapidava os seus bens ou patrimônio, fazendo gastos excessivos e anormais50, man50. Aubry e Rau (Cours de droit civil, v. 1, § 138) assim definem o pródigo: "celui qui, par dêrèglement d'esprit ou des moeurs, dissipe sa fortune en excessives et folies dépenses"; Clóvis, op. cit., p. 111; Clóvis F. C. Becalho e Osmar B. Corrêa Lima, Loucura e prodigalidade à luz do direito e da psicanálise, RIL, 118:363. 191 T e o r ia G e r a l d o D i r e i t o C iv il dando que fosse apregoado o seu estado, para que ninguém fizesse qualquer negócio com ele, qualificando a prodigalidade como uma espécie de alienação mental51 em razão de manifestação de ação perdulária. Observa Roberto Senise Lisboa que a prodigalidade pode dar-se por: a) oniomania, perturbação mental que provoca o portador a adquirir descontroladamente tudo o que tiver vontade; b) cibomania, psicose conducente à dilapidação patrimonial em jogos de azar; c) imoralidade que leva a gasto excessivo para satisfação de impulsos sexuais. E esclarece, ainda, que "não se constitui prodigalidade o eventual gasto excessivo, na expectativa de obtenção futura de lucro ou da consolidação de um patrimônio que mantenha a qualidade de vida do indivíduo como aceitável, dentro dos parâmetros da razoabilidade". Pelo Código Civil, arts. 1.768 e 1.769: O pródigo só incorrerá em interdição, havendo cônjuge, ascendente, descendente, qualquer parente ou órgão do Ministério Público, que a promovam. "Quando o curador for o cônjuge e o regime de bens do casamento for de comunhão universal, não será obrigado à prestação de contas, salvo determinação judicial" (CC, art. 1.783). O nosso Código Civil mantém linha intermediária, enquadrando o pródigo entre os relativamente incapazes, privando-o, exclusivamente, dos atos que possam comprometer seu patrimônio, não podendo, sem a assistência de seu curador (CC, art. 1.767, V), alienar, emprestar, dar quitação, transigir, hipotecar, agir em juízo e praticar, em geral, atos que não sejam de mera administração (CC, art. 1.782). Todos os demais atos da vida civil poderão ser, por ele, validamente praticados, como: o casamento, a fixação do domicílio do casal, a autorização para que seus filhos menores contraiam matrimônio etc.52. O pródigo, enquanto não declarado tal, é capaz para todos os atos, pois só com sua interdição passa a ser relativamente incapaz. Portanto, quanto ao pródigo, a lei não lhe impõe a abstenção total dos atos jurídicos nem lhe confere a liberdade de ação que lhe possibilite a perdulariedade. Entretanto, até mesmo a prodigalidade poderia estar incluída no termo enfermidade mental do art. 3a, II, do Código Civil, porque quem tem juízo não dissipa bens, com o intuito de proteger o seu portador de vir a abster-se totalmente dos bens imprescindíveis para a sua sobrevivência. Deveras, se a prodigalidade resultar de desordem das faculdades mentais, que lhe retira o necessário discernimento para a prática dos atos da vida civil, 51. Ordenações, L. 4, tít. 103, § 6a; RT, 477:149. 52. Silvio Rodrigues, Direito civil, cit., v. 1, p. 82; Roberto Senise Lisboa, Manual elementar de direito dvil, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2002, v. 1, p. 219. 192 C u r s o d e D i r e i t o C iv il B r a s i l e ir o sua interdição deverá ser requerida com fulcro no art. 32, II, do Código Civil, para declará-lo absolutamente incapaz53. A mulher casada, por ocasião da promulgação do Código Civil de 1916, em razão do matrimônio e não do sexo, devido à necessidade de ter a sociedade conjugal uma chefia, e como esta competia ao marido, passou a ser tida como incapaz, incapacidade esta que se cobria pela autorização e não pela assistência54. Na verdade, tratava-se de falta de legitimação e não de incapacidade, pois as restrições que lhe eram feitas eram as mesmas que pesavam sobre o marido, que não podia praticar atos sem sua anuência, tais como: alienar e gravar de ônus reais os bens imóveis (CC de 1916, art. 235); pleitear esses bens como autor ou réu; fazer doações, não sendo estas remuneratórias ou módicas; prestar fiança. Por outro lado, a mulher casada, como dirigente do lar, supunha-se autorizada a praticar os atos necessários ao exercício de suas funções domésticas (CC de 1916, art. 247), e, para a segurança dos direitos, que a norma, especialmente, lhe conferia, dispensava a autorização marital (CC de 1916, art. 248)55. Logo, a mulher casada não devia ter sido incluída entre os incapazes; faltava-lhe, na época, apenas legitimação para realizar certos negócios jurí53. W. de Barros Monteiro, Curso, cit., v. 2., p. 325; José Olympio Castro Filho, Comentários ao Código de Processo Civil, Rio de Janeiro, Forense, 1983, v. 10, p. 207; Caio M. S. Pereira, Instituições, cit., v. 1, p. 247. "O juiz não está adstrito ao laudo pericial, podendo formar a sua convicção com outros elementos ou fatos provados nos autos (artigo 438, CPC). Assim é que, indicados os motivos que formaram o convencimento a respeito da prodigalidade determinante da interdição, não há cogitar de negativa de vigência ao artigo 131 do Código de Processo Civil. Perfeitamente dispensável, no caso, referir a anomalia psíquica, mostrando-se suficiente a indicação dos fatos que revelam o comprometimento da capacidade de administrar o patrimônio. A prodigalidade é uma situação que tem mais a ver com a objetividade de um comportamento na administração do patrimônio do que com o subjetivismo da insanidade mental invalidante da capacidade para os atos da vida civil. Negativa de vigência ao artigo 1.180 do CPC não configurada. Recurso Especial não conhecido (STJ)" (Boi. AASP, 1.882:8). Vide: Decreto n. 4.262, de 10 de junho de 2002, que regulamenta a Lei n. 10.357, de 27 de dezembro de 2001, que estabelece normas de controle e fiscalização sobre produtos químicos que direta ou indiretamente possam ser destinados à elaboração ilícita de substâncias entorpecentes, psicotrópicas ou que determinem dependência física ou psíquica; Lei n. 11.343/2006, que institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (Sisnad); prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas e define crimes. 54. Caio M. S. Pereira, Instituições, cit., v. 1, p. 244; De Page, Traité êlémentaire de droit civil, v. 1, n. 78, p. 85; Clóvis Beviláqua, op. cit., p. 89. 55. Serpa Lopes, Curso de direito civil, Freitas Bastos, 1962, v. 1, p. 288; Clóvis Beviláqua, op. dt., v. 1, p. 89 e 90. Vide Lei n. 9.799/99, que insere na CLT normas sobre acesso da mulher ao mercado de trabalho (arts. 373-A, I a VI, parágrafo único, 390-B, 390-C, 193 T e o r ia G e r a l d o D i r e i t o C iv il dicos, sem a anuência marital, de maneira que, com o consentimento de seu marido, ela adquiria essa legitimação e estava apta a praticar tais atos. A Lei n. 4.121, de 27 de agosto de 1962, aboliu a incapacidade relativa da mulher casada, instituindo a igualdade jurídica dos cônjugesSB; o mesmo se diga da Constituição Federal, art. 226, § 5a, e do novo Código Civil, art. 1.567, pelo qual a esposa tem poder decisório, p. ex., no que se refere ao domicílio que deve ser fixado pelo casal e não mais unilateralmente pelo marido. Tem, ainda, direito de ausentar-se, livremente, do lar para o trabalho ou para fins culturais, cabendo-lhe a exclusiva administração dos bens que lhe são próprios. Nos casos excepcionais de caber a decisão a ambos os cônjuges, tem sempre a esposa o direito de recorrer ao juiz para fazer prevalecer a sua vontade, em caso de divergência, desde que as questões sejam essenciais e não se tratando de matéria personalíssima. Dá-se, assim, à esposa um "poder de decisão" e não simples "função de colaboradora do marido" (arts. 1.567 e parágrafo único, 1.642, II, e 1.569). Assim, com a queda da ideologia patriarcal, a legislação retira a mulher casada da sujeição marital. Quanto aos silvícolas ou índios, pela sua gradativa assimilação à civilização, a questão de sua capacidade deverá ser regida por leis especiais (CC, art. 4a, parágrafo único; CF, arts. 210, § 2a, 215, § I a, e 231; Lei n. 6.001/73, art. Ia, parágrafo único). Nossos índios sofreram um processo de dizimação, principalmente no período colonial, sendo que os poucos que ainda restam, nos dias atuais, nos Estados centrais e nas regiões que aos poucos sofrem o impacto da civilização, podem ser equiparados a crianças. Devido a sua educação ser lenta e difícil, o legislador criou um sistema de proteção que os defende de pessoas sem escrúpulos57. O Código Civil de 1916 considerou-os re390-E e 392, § 4a, I e II); Lei n. 10.244/2001, que revoga o art. 376 da CLT para permitir realização de horas extras por mulheres; e Decreto n. 4.377, de 13 de setembro de 2002, que promulga a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, de 1979, e revoga o Decreto n. 89.460, de 20 de março de 1984. Decreto n. 5.446, de 20-5-2005, acrescenta inciso ao art. 4a do Decreto n. 5.390, de 8-3-2005, que aprova o Plano Nacional de Políticas para as Mulheres (Pnpm) e institui o Comitê de Articulação e Monitoramento. O Decreto n. 6.269, de 22 de novembro de 2007, altera e acresce dispositivos ao mencionado Decreto n. 5.390/2005. Lei n. 11.340/2006 cria mecanismos para coibir violência doméstica e familiar contra a mulher. 56. Caio M. S. Pereira, Instituições, cit., v. 1, p. 245; Maria Helena Diniz, Curso de direito civil brasileiro, v. 5. 57. Caio M. S. Pereira, Instituições, cit., v. 1, p. 247; Hugo N. Mazzilli, Regime jurídico do Ministério Público, Saraiva, 1995, p. 226; Antonio Chaves, A condição jurídica do índio, RDC, 9:27; Ismael Marinho Falcão, Regime tutelar indígena, RDC, 33:58; Carla G. A. Barbosa, João M. A. Barbosa e Marco Antonio Barbosa, Direito a diferença na sociedade de informação: os direitos indígenas na Constituição brasileira, Revista do IASP, 20:43-65. 194 C u r s o d e D i r e i t o C iv il B r a s il e ir o lativamente incapazes, sujeitando-os ao regime tutelar, estabelecido em leis e regulamentos especiais, o qual cessará à medida que se forem adaptando à civilização do país (CC de 1916, art. 6a, parágrafo único). Assim sendo a determinação de sua incapacidade por legislação especial é uma proteção e não uma restrição. Os índios têm direito à posse de suas terras, reconhecido pela Constituição Federal, art. 231, direito de ir para onde quiserem, direito de reunião, direito de se defenderem, constituindo advogado, pois têm responsabilidade penal. O Serviço de Proteção aos índios, que instituiu normas regulamentares com o escopo de tutelar seus interesses, foi extinto em 1967; criou-se, então, a Fundação Nacional do índio, que seguiu a mesma linha58 (Lei n. 5.371/67; Portaria n. 542/93 do Ministério da Justiça — apro58. Sobre os índios, consulte-se a título de remissão histórica: Decreto n. 5.484/28; Decreto n. 10.652/42 (ora revogado pelo Decreto n. 11, de 1991); Lei n. 5.371/67; Lei n. 6.001/73 (Estatuto do índio); Decreto n. 88.118/83 (ora revogado pelo Decreto n. 94.945/87); Constituição do Estado de São Paulo, 1989, arts. 282, §§ Ia a 3a, e 283. Pelo art. 50, § 2a, da Lei n. 6.015/77, enquanto não integrados os índios não estão obrigados à Inscrição do nascimento. Este poderá ser feito em livro próprio do órgão federal de assistência ao índio. Vide art. 246 da Lei n. 6.015/77, com a redação da Lei n. 10.267, de 28-8-2001, alusivo ao registro de terras indígenas. Os Decretos de 21-5-1992 e 25- 5-1992 e o Decreto n. 608/92 (ora revogado pelo Decreto n. 1.775/96) tratam da homologação e processo da demarcação da área indígena. Os Decretos n. 22 (ora revogado pelo Decreto n. 1.775/96), 23, 24, 25, 26, 27/91, 1.141/94 (que no art. 23 revogou os Decs. n. 23, 24 e 25/91) e a Instrução Normativa n. 2/94 referem-se à preservação da cultura indígena. A Resolução n. 45, de 29 de agosto de 2011, do Conselho Deliberativo do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), estabelece diretrizes para a educação escolar indígena. A Lei n. 11.645, de 10 de março de 2008, altera a Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996, modificada pela Lei n. 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena". A Instrução Normativa n. 1/94 é relativa ao ingresso na área indígena. Pelo Decreto n. 1.141/94, com a alteração do Decreto n. 1.479/95 (ora revogado pelo Decreto n. 3.156/99), as ações de proteção ambientál, saúde e apoio às atividades produtivas voltadas às comunidades indígenas constituíam encargos da União. Vide: Portaria n. 928/95 da FUNAI, sobre projeto integrado de proteção às terras e populações indígenas da Amazônia Legal; Decreto n. 1.775, de 8 de janeiro de 1996; Decreto de 15 de fevereiro de 1996; Despachos n. 39/96, 40/96 e 41/96 da FUNAI, sobre identificação e delimitação de terras indígenas; Portaria n. 14/96 do Ministério da Justiça; Decreto n. 1.775/96, sobre procedimento administrativo de demarcação de terra indígena; Decreto s/n., de 17 de setembro de 2004, que cria Grupo Operacional para coibir exploração mineral em terras indígenas; Resolução n. 3/99 do Conselho Nacional de Educação, que fixa diretrizes para o funcionamento de escolas indígenas; Resolução n. 4/2010 do Conselho Nacional de Educação, art. 37, sobre educação escolar indígena; Portaria n. 479/2001 da Fundação Nacional de Saúde, que estabelece as diretrizes para elaboração de projetos de estabelecimentos de saúde, de abastecimento de água, melhorias sanitárias e esgotamento sanitário, em áreas indígenas; Portaria n. 543/2001 do Ministério da Saúde, sobre normas e procedimentos operacionais para concessão e aplicação de suprimento de fundos especial, para atender às es- 195 T e o r ia G e r a l d o D i r e i t o C iv il pedfiddades decorrentes da assistência à saúde indígena; Portaria n. 1.098/2002 do Ministério da Justiça, que aprova o Regimento Interno do Conselho Indigenista da FUNAI; Decreto n. 5.051/2004, que promulga a Convenção n. 169 da OIT sobre povos indígenas e tribais; Decreto n. 4.906/2003, que dispõe sobre o remanejamento de funções comissionadas técnicas — FCT para a Fundação Nacional do índio — FUNAI; Lei n. 11.907/2009, arts. 109 a 116, sobre quadro de pessoal da FUNAI; Portaria n. 69/2004 do Ministério da Saúde, que dispõe sobre a criação do Comitê Consultivo da Política de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas, vinculado à Funasa; Portaria n. 70/2004 do Ministério da Saúde, que aprova as diretrizes da gestão da política nacional de atenção à saúde indígena; Portaria conjunta n. 1/2004 da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos e da Funasa, que cria grupo de trabalho para formulação de uma política de assistência farmacêutica para os povos indígenas; Portaria n. 747/2004 do Ministério da Saúde, que estabelece normas e procedimentos para concessão e aplicação de suprimento de fundos especial, para atender às especificidades decorrentes da assistência à saúde indígena; Portaria n. 1.062/2005, do Ministério da Saúde, que institui a Criação do Selo Hospital Amigo do índio e do Comitê de Certificação e Avaliação do Selo Hospital Amigo do índio; Portaria n. 52/2004, da Secretaria de Educação Superior, que institui Comissão Especial, no âmbito da Secretaria de Educação Superior — SESu, para elaborar políticas de educação superior indígena; Lei n. 11.102/2005, que autoriza a Caixa Econômica Federal, em caráter excepcional e por tempo determinado, a arrecadar e alienar os diamantes brutos em poder dos indígenas Cintas-Largas habitantes das Terras Indígenas Roosevelt, Parque Indígena Aripuanã, Serra Morena e Aripuanã; Resolução n. 12/2005, do Conselho Deliberativo do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, que estabelece as orientações e diretrizes para assistência financeira suplementar aos projetos educacionais, no âmbito da educação escolar indígena; Portaria n. 90/2009 da CAPES, que dispõe sobre o Observatório da Educação Escolar Indígena; Portaria n. 13/2005, da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, que institui a Comissão Nacional de Apoio à Produção do Material Didático Indígena; Portaria n. 177/2006, da FUNAI, sobre proteção do patrimônio material e imaterial relacionado à imagem, criação artística e cultural do povo indígena, e regulamenta o procedimento administrativo de autorização pela FUNAI de entrada de pessoas em terras indígenas interessadas no uso, aquisição ou cessão de direitos autorais e de direitos de imagem indígena e orienta procedimentos afins, com o propósito de respeitar os valores, criações artísticas e outros meios de expressão cultural indígena, bem como proteger sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições; Portaria n. 984, de 6 de julho de 2006, da Fundação Nacional de Saúde, que institui o Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional para os Distritos Sanitários Especiais Indígenas (SISVAN-Indígena); Portaria n. 135, de 28-2-2007, da FUNAI, que estabelece diretrizes e critérios técnicos para a definição de priorização das obras de saneamento em áreas indígenas que deverão ser considerados no planejamento das Coordenações Regionais e dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas; Portaria n. 52, de 8-10-2007, do Ministro da Cultura, que dispõe sobre a criação do Programa de Fomento e Valorização das Expressões Culturais e de Identidade dos Povos Indígenas; Portaria n. 2.656, de 17- 10-2007, do Ministro da Saúde, que dispõe sobre as responsabilidades na prestação da atenção à saúde dos povos indígenas, no Ministério da Saúde e regulamentação dos Incentivos de Atenção Básica e Especializada aos Povos Indígenas; Portaria n. 2.759, de 25-10-2007, do Ministro da Saúde, que estabelece diretrizes gerais para a Política de Atenção Integral à Saúde Mental das Populações Indígenas e cria o Comitê Gestor; Lei n. 11.696, de 12 de junho de 2008, que institui o Dia Nacional de Luta dos Povos Indígenas, celebrado no dia 7 de fevereiro; Portaria n. 126, de 14 de fevereiro de 2008, da FUNASA, que regulamenta o acompanhamento da execução física e financeira pela Coordenação Regional e Distrito Sanitário Especial Indígena, com a participação do 196 C o r s o d f . D i r e i t o C iv i l B r a s i l e ir o Controle Social Indígena, na Celebração e Execução dos Convênios de Saúde Indígena; Portaria n, 293, de 7 de abril de 2008, da Fundação Nacional de Saúde, que estabelece critérios para celebração de convênios com entidades governamentais e não governamentais para a execução das ações de atenção à saúde dos povos indígenas; Portaria n. 1.235, de 19 de junho de 2008, do Ministério da Saúde, que cria a Comissão de Estudo para elaboração de uma Política de Recursos Humanos para o Subsistema de Saúde Indígena; Decreto n. 6.513/2008, que altera o Decreto n. 4.412/2002, sobre atuação das Forças Armadas e da Polícia Federal nas Terras Indígenas; Portaria n. 1.922/2008 do Ministério da Saúde, que criou Grupo de Trabalho para discutir e propor medidas a serem implantadas relativas à gestão de serviços de saúde oferecidos a povos indígenas; Portaria n. 3.841, de 7 de dezembro de 2010, do Ministério da Saúde, que autoriza os Superintendentes Estaduais da Fundação Nacional de Saúde e os Chefes dos Distritos Especiais de Saúde Indígena, perante as Superintendências Estaduais da Fundação Nacional de Saúde, a praticar atos referentes à saúde indígena; Portaria n. 883, de 8 de agosto de 2008, da Fundação Nacional da Saúde, que institui as Comissões Nacional e Distrital de Investigação e Prevenção do Óbito Infantil e Fetal Indígena. Sobre colocação de criança e adolescente indígena em família substituta: Lei n. 8.069/90, art. 28, § 6a, I, II e m, acrescido pela Lei n. 12.010/2009. Sobre perda e suspensão do poder familiar de pais oriundos de comunidades indígenas: Lei n. 8.069/90, art. 161, § 2a (acrescentado pela Lei n. 12.010/2009). Pela Lei n. 12.188/2010, art. 5a, I, os povos indígenas são beneficiários da Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural para a Agricultura Familiar e Reforma Agrária (PRONATER). A Portaria n. 159, de 11 de março de 2010, da Subprocuradoria Geral Federal, atribui à Procuradoria Federal no Estado do Amazonas a representação judicial e as atividades de consultoria e assessoramento jurídicos da Fundação Nacional do índio — FUNAI, bem como a defesa judicial e extrajudicial dos direitos individuais e coletivos dos indígenas e de suas comunidades no Estado do Amazonas. A Portaria n. 203, de 23 de março de 2010, da Subprocuradoria Geral Federal, atribui à Procuradoria Federal no Estado do Maranhão a representação extrajudicial e as atividades de consultoria e assessoramento jurídicos da Fundação Nacional do índio — FUNAI, bem como a defesa judicial e extrajudicial dos direitos individuais e coletivos dos indígenas e de suas comunidades; a Portaria n. 215, de 9 de fevereiro de 2011, do Ministério da Saúde, institui o Grupo de Trabalho com o objetivo de coordenar as ações relativas à transferência dos bens permanentes ativos da Fundação Nacional de Saúde — FUNASA para o Ministério da Saúde, compreendendo os bens móveis, imóveis, intangíveis e semoventes, acervo documental e equipamentos destinados à promoção, proteção e recuperação da saúde dos povos indígenas, incluindo os relacionados às ações de saneamento ambiental em terras indígenas; vide também o Decreto n. 7.461/2011 (ora revogado pelo Decreto n. 7.530/2011), sobre prorrogação de prazo de efetivação da transição da gestão do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena, da Fundação Nacional de Saúde para o Ministério da Saúde. Já se decidiu que: "Ação direta de inconstitucionalidade. Inciso X do art. 7a da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul. Bens do Estado. Terras dos extintos aldeamentos indígenas. Violação dos arts. 2 0 ,1 e XI, 22, caput e inciso I, e 231 da Constituição Federal. Interpretação conforme. Extinção ocorrida antes do advento da Constituição de 1891. ADI julgada parcialmente procedente. I — A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, por diversas vezes, reconheceu que as terras dos aldeamentos indígenas que se extinguiram antes da Constituição de 1891, por haverem perdido o caráter de bens destinados a uso especial, passaram à categoria de terras devolutas. II — Uma vez reconhecidos como terras devolutas, por força do artigo 64 da Constituição de 1891, os aldeamentos extintos transferiram-se ao domínio dos Estados, m — ADI julgada procedente em parte, para conferir interpretação conforme à Constituição ao dispositivo impugnado, a fim de que a sua aplicação fique adstrita aos aldeamentos indíge- 197 T e o r ia G e r a l d o D i r e i t o C iv il va o Regimento Interno da FUNAI), atuando na defesa dos direitos e interesses indígenas, atendendo às suas atribuições legais (Portaria da FUNAI, 177/2006, art. Ia, § 2a). Pode até haver registro facultativo do índio em livro da FUNAI, que é o órgão federal que deve assisti-lo. Isto é assim porque a Lei n. 6.015/73, art. 50, § 2a, prescreve que: "os índios, enquanto não integrados, não estão obrigados a inscrição do nascimento. Este poderá ser feito em livro próprio do órgão federal dè assistência aos índios". Pela Constituição Federal de 1988 competirá à União legislar sobre índios (art. 22, XIV); ao Congresso Nacional autorizar, em terras indígenas, a alienação ou concessão de terras públicas com área superior a 2.500 hectares (art. 49, XVI); ao Ministério Público, defender judicialmente os direitos e interesses dos índios (art. 129, V), pois, pelo art. 232 da Constituição Federal, os indígenas, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em juízo, em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério Público em todos os atos processuais, julgados pelos juizes federais (art. 109, XI). A nova Carta (art. 231, §§ I a a 7a) reconhece aos índios sua organização social, costumes, língua, crença, tradições, direito originário sobre as terras ocupadas por eles, que sobre elas terão posse permanente e usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, competindo, todavia, à União sua demarcação, dentro de 5 anos da promulgação da Carta de 1988 (art. 67 das Disp. Transit.), e sua proteção. O processo da demarcação de terras indígenas está previsto no Decreto n. 1.775/96. nas extintos antes da edição da primeira Constituição Republicana" (ADI 255, STF, Min. ümar Galvão (relator)). Sobre silvícola: RT, 600:392. Sobre área indígena: RSTJ, 46:81.Vide: Marcelo Dolzany da Costa, Anotações sobre direitos indígenas, in JEncontro de Juizes Federais da Região Amazônica, 1995, p. 133 e s.; A. Gursen de Miranda, O direito e o índio, Belém, Cejup, 1994; Juliana Santílli, Os direitos indígenas e a Constituição, Porto Alegre, Sérgio A. Fabris, 2002; Orlando Villas Bôas Filho, Os direitos indígenas no Brasil contemporâneo, in História do direito brasileiro, Eduardo C. B. Bittar (org.), São Paulo, Atlas, 2003, p. 279-90; limar Galvão, Terras indígenas, Doutrina — STJ — edição comemorativa — 15 anos, Brasília, STJ, 2005, p. 473-92; José Fábio R. Maciel, Direito indígena — um direito ou uma concessão do direito estatal?, Carta Forense, março, 2007, p. 50; Roberto Lemos dos Santos Filho, Responsabilidade civil da União por dano ambiental em terra indígena, Revista do TKF-33 Região, 83:143-63; Ana Maria Viola de Sousa e Carlos Marquette de Sousa, Tutela jurídica dos povos indígenas e a preservação do meio ambiente, Direito Sc Paz, 15:47-76 (UNISAL); Hilário Rosa e Tales Castelo Branco, Direito dos índios à terra no passado e na atualidade brasileira, Revista do IASP, 21:170-85; Walter C. Rothenburg, índios e seus direitos constitucionais na democracia brasileira, Revista de Direita Constitucional e Internacional, 60:281-97; Luiz de Lima Stefanni, Código indígena no direito brasileiro, separata da Revista do TRF-33 Região, n. 105 (2011); Rafael Ruiz, A legislação sobre o trabalho indígena no Brasil durante a União Ibérica, Revista de Direito Privado, 2:17-29. 198 C o r s o d e D i r e i t o C iv i l B r a s i l e ir o Além disso, só será permitida a exploração e pesquisa de riquezas minerais contidas nessas terras com autorização do Congresso Nacional, ressalvando-se aos índios o direito de participarem, na forma legal, dos resultados da lavra. Proíbe também a remoção dos indígenas dessas terras, salvo autorização do Congresso Nacional em caso de interesse de Soberania Nacional, de catástrofe ou epidemia que os ponha em risco, sendo-lhes garantido o direito de retomo, em qualquer hipótese, assim que a circunstância excepcional cessar. Os atos que objetivarem a ocupação dessas terras ou a exploração de suas riquezas são nulos. Tal nulidade não acarretará direito de pleitear indenização contra a União, salvo na forma da lei, quanto às benfeitorias oriundas de ocupação de boa-fé. A Lei n. 6.001/73 (Estatuto do índio) coloca o silvícola, habitante da floresta, e sua comunidade, enquanto não integrados à comunhão nacional, sob regime tutelar. Pelo elenco das pessoas incapazes percebe-se que nossa legislação não incluiu os falidos, porque a abertura da falência só se restringe aos direitos e obrigações da massa falida, impondo aos falidos limitações à atividade mercantil, ou seja, não poderão votar nem ser votados nas eleições das juntas comerciais, exercer funções de corretor, leiloeiro, avaliador, perito ou arbitrador em questões comerciais. Garantida está sua capacidade civil em relação a todos os atos que não forem atinentes à massa falida59. Da mesma forma a condenação criminal não acarreta incapacidade civil. Como pena restritiva de direito poderá sofrer a perda da função pública ou do direito à investidura em função pública, do poder familiar, da tutela, da curatela, da autoridade na sociedade conjugal, dos direitos políticos (CP, arts. 43 a 48)60. c.4. Proteção aos incapazes A proteção jurídica dos incapazes realiza-se por meio da representação ou assistência, o que lhes dá segurança, quer em relação a sua pessoa, quer em relação ao seu patrimônio, possibilitando o exercício de seus direitos (CC, arts. 115 a 120, 1.634, V, 1.690, 1.734, com a redação da Lei n. 12.010/2009, 1.747, I, 1.767)61. 59. Clóvis Beviláqua, op. cit., p. 97; Carvalho de Mendonça, Tratado de direito comercial, v. 7, n. 429 a 435. 60. Caio M. S. Pereira, Instituições, cit., v. 1, p. 248. 61. Serpa Lopes, op. cit., v. 1, p. 290; Clóvis, op. cit., p. 98; Silvio Rodrigues, Direito civil, cit., v. 1, p. 82; Luiz Alberto David Araújo, A proteção constitucional das pessoas portadoras de deficiência, 1994; Mairan G. Maria Jr., A representação no negócio jurídico, São Pau- 199 T e o r ia G e r a l d o D i r e i t o C iv il lo, Revista dos Tribunais, 2001; Hugo N. Mazzilli, A defesa dos interesses difusos em juízo, Saraiva, 1995, p. 517-23, Curadoria de ausentes e incapazes, 1988, e O deficiente e o Ministério Público, RT, (529:64; Antonio Rulü Neto, Direitos do portador de necessidades especiais, São Paulo, Fiuza, 2002; Reparação do dano moral sofrido pelo incapaz, Estudos em homenagem ao Acadêmico Min. Sidney Sanches, São Paulo, Fiuza, APM, 2003, p. 85-94; Selma Negrão P. dos Reis, Saúde Mental e atuação do Ministério Público — notas sobre a inclusão das pessoas portadoras de transtorno mental e a defesa de seus direitos, in Questões de direito civil e o novo Código Civil, Ministério Público de São Paulo, 2004, p. 438-77; Roberto Bolonhini Júnior, Portadores de necessidades especiais, São Paulo, Arx, 2004; Anderson Schreiber, A representação no novo Código Civil, A parte geral, cit., p. 225 e s.; Cavalcante e Jorge Neto, O conteúdo jurídico da proteção ao portador de deficiência física prevista no art. 93 da Lei n. 8.213/91, Synthesis — direito do trabalho material e processual do TRT da 2a Região, 41:11-4; Mallet, Princípio Constitucional da igualdade e cotas para trabalhadores deficientes, Synthesis, cit., 41:15-17; Targa e Avelino, Políticas públicas afirmativas, sistema de cotas e garantia de emprego para o portador de necessidades especiais, Synthesis, cit., 41:18 a 22; Flávia Piva Almeida Leite, O município acessível à pessoa portadora de deficiência, São Paulo, RCS, 2007, Lydia N. B. Telles Nunes, Incapacidade: uma questão de proteção à pessoa humana, Revista IASP, n. 18, p. 170-86; Luciana T. T. Niess e Pedro H. T. Niess, Pessoas portadoras de deficiências no direito brasileiro, São Paulo, Ed. Juarez de Oliveira, 2003. Interessantes são: Revista do MPD — Dialógico, n. 11, por tratar da Inclusão das pessoas com deficiência e a Convenção Interamericana para eliminação de todas as formas de discriminação contra pessoas portadoras de deficiência, realizada em 1999 na Guatemala, sendo o Brasil um dos seus signatários. A Lei n. 7.853/89, alterada pela Lei n. 8.028/90 e regulamentada pelo Decreto n. 3.298/99, e o Decreto n. 914/93 referem-se à integração social de pessoas portadoras de deficiência, e o mesmo se diga da Lei n. 8.069/90, arts. 11, § Ia, 66, 112, § 3a, e 208, II. "Menor com 16 anos de idade e perfeita capacidade mental pode ser objeto de tutela, porque precisaria ser apenas assistido nos atos da vida civil. Todavia, tendo a capacidade mental obliterada e sendo, ainda, surdo-mudo, precisa ser curatelado por inteiro para que possa ter seus bens dirigidos e administrados por outrem e, assim, sobreviver" (RT, 613:95). A Lei n. 8.686/93 dispõe sobre o reajustamento da pensão especial aos deficientes físicos portadores da síndrome de Talidomida, instituída pela Lei n. 7.070/82. A Lei n. 7.070/82, por sua vez, sofreu alteração pela Lei n. 10.877/2004, dispondo que deficiente físico beneficiário de pensão especial fará jus a mais um adicional de 35% sobre o valor do benefício, desde que comprove pelo menos vinte e cinco anos, se homem, e vinte anos, se mulher, de contribuição para a Previdência Social; ou cinqüenta e cinco anos de idade, se homem, ou cinqüenta anos de idade, se mulher, e contar pelo menos quinze anos de contribuição para a Previdência Social. Vide Leis n. 8.242/91 e 8.899/94, sobre passe livre a deficientes no sistema de transporte coletivo interestadual. As Leis n. 8.989/95 (com alterações do art. 29 da Lei n. 9.317/96 e das Leis n. 10.182/2001, 10.754/2003 e 12.113/2009), 9.144/95 e a Instrução Normativa da Secretaria da Receita Federal n. 988/2009 dispõem sobre isenção de imposto sobre produtos industrializados na aquisição de automóveis por pessoas portadoras de deficiência física, visual, mental severa ou profunda, ou autistas o Convênio ICMS n. 3/2007, alterado pelo Convênio ICMS 39/2007 do CONFAZ, isenta do ICMS as saídas de veículos destinados a deficientes físicos; a Instrução Normativa da Secretaria da Fazenda Nacional n. 607/2006 trata da aquisição de automóveis com isenção de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) por pessoas portadoras de deficiência física, visual, mental severa ou profunda, ou autistas. Vide Instruções Normativas da Secretaria da Receita Federal n. 367/2003 e 375/2003; Decreto n. 3.298/99, sobre competência, composição e funcionamento do Conselho Consultivo da Coordenadoria Nacional para Integração 200 C u r s o d e D i r e i t o C iv il B r a s il e ir o da Pessoa Portadora de Deficiência (Corde); Decreto n. 1.744/95 (ora revogado pelo Decreto n. 6.214/2007), que regulamentava o benefício da prestação continuada devido ao deficiente e ao idoso, de que trata â Lei n. 8.742/93 — tal benefício, pelo art. 36, parágrafo único, daquele decreto, é intransferível, não gerando direito à pensão, e o valor do resíduo não recebido em vida pelo beneficiário será pago aos herdeiros ou sucessores, na forma da lei civil; e Ordem de Serviço n. 577/97 da Diretoria do Seguro Social do INSS, que aprova o Manual de Procedimentos para Operacionalização do Benefício Assistencial a Idosos e Deficientes. Vide, ainda, Decretos municipais paulistas n. 36.999/97, sobre cardápios em braile, 37.030/97, que regulamenta a Lei n. 12.365/97, sobre atendimento preferencial a deficientes, idosos e gestantes em estabelecimentos de saúde municipais, e 37.031/97, que regulamenta a Lei n. 12.117/96, sobre rebaixamento de guias e sarjetas para possibilitar a travessia de pedestres portadores de deficiência; Lei n. 9.867/99, que dispõe sobre criação e funcionamento de Cooperativa Social (art. 3a, I e II), visando a integração social de portadores de deficiências físicas, psíquicas e sensoriais; Portarias n. 1.679/99 do Ministério da Educação sobre requisitos de acessibilidade de pessoas portadoras de deficiências, paia instruir os processos de autorização e de reconhecimento de cursos e de credenciamento de instituições, e 772/99 do Ministério do Trabalho e Emprego, que dispõe sobre reabilitação e emprego de deficientes; Lei n. 10.050/2000, que acresceu o § 3a ao art. 1.611 do CC de 1916; Lei n. 10.048/2000, que lhes dá prioridade de atendimento; Lei n. 10.098/2000, que estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência, sendo que a Lei n. 11.982/2009 acrescentou-lhe parágrafo único ao art. 4a para determinar a adaptação de parte dos brinquedos e equipamentos dos parques de diversões às necessidades das pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida; Decreto n. 5.296/2004, que regulamenta as Leis n. 10.048/2000 e 10.098/2000; Decreto n. 5.645/2005, que dá nova redação ao art. 53 do Decreto n. 5.296/2004; Lei n. 10.216/2001, que dispõe sobre proteção e direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental; Decreto n. 3.956/2001, que promulga a Convenção Interamericana para eliminação de todas as formas de Discriminação contra Pessoas Portadoras de Deficiência; Resolução n. 2/2000, que aprova o Regimento Interno do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência (CONADE); Portaria n. 154/2002 (com alteração da Portaria n. 36/2004, da Secretaria Especial de Direitos Humanos, sobre composição e funcionamento do CONADE); Portaria n. 100/2005, que altera a redação dos arts. 14 e 16 da Portaria n. 36/2004, sobre o CONADE; Resolução n. 35/2005 sobre Regimento Interno do CONADE; Resolução n. 45/2006 sobre composição das Comissões Permanentes do CONADE; Portaria n. 119/2005 da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República, que aprova Regimento Interno da I Conferência Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência; Resolução n. 4/2000, que normatiza a inclusão do portador de deficiência no mercado de trabalho; Resolução n. 8/2000, sobre medidas para incluir deficiente no sistema regular de ensino; Resolução n. 9/2000, que institui critérios para implantação de Conselhos Estaduais ou Municipais de Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência; Resolução n. 32/2005 do CONADE sobre solicitação ao Ministério da Saúde de estudo para revisão, adequação de procedimentos de reabilitação da pessoa portadora de deficiência; Resolução n. 28, de 14 de julho de 2006, do FNDE, que dispõe sobre os processos de adesão e habilitação e as formas de execução e prestação de contas, referentes ao Programa de Complementação ao Atendimento Educacional Especializado às Pessoas Portadoras de Deficiência (PAED); Decreto n. 4.360/2002 (ora revogado pelo Decreto n. 4.712/2003), que alterou o art. 36 do Decreto n. 1.744/95, sobre benefício de prestação continuada devido a pessoa portadora de deficiência, que é intransferível, não gerando direito à pensão. O valor não recebido em vida pelo be- 201 T e o r ia G e r a l d o D i r e i t o C iv il nefidário deverá ser pago aos seus herdeiros diretamente pelo INSS; Portaria n. 146/2003 da Procuradoria Geral Federal, sobre lotação de portador de deficiência no seu âmbito; Lei n. 10.845/2004, que institui o Programa de Complementação ao Atendimento Educacional Especializado às Pessoas Portadoras de Deficiência; Resolução n. 11/2004 do FND, que dispõe sobre os critérios e as formas de transferência e de prestação de contas dos recursos destinados à execução do Programa de Complementação ao Atendimento Educacional Especializado às Pessoas Portadoras de Deficiência (PAED); Lei n. 10.877/2004, que altera a Lei n. 7.070, de 20 de dezembro de 1982, que dispõe sobre pensão especial para os deficientes físicos; Lei n. 11.126/2005 (regulamentada pelo Decreto n. 5.904, de 21-9-2006) sobre direito do portador de deficiência visual de ingressar e permanecer em ambiente de uso coletivo acompanhado de cão guia; Lei n. 11.129/2005, art. 22, § 2a, assegura ao jovem portador de deficiência a participação no Programa Nacional de Inclusão de Jovens (Projovem) e o atendimento de sua necessidade especial. Decreto n. 5.626/2005, que regulamenta a Lei n. 10.436/2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais (Libras) usada por surdos e o art. 18 da Lei n. 10.098/2000; Decreto n. 5.645/2005 dá a seguinte redação ao art. 53 do Decreto n. 5.296/2004: "Art. 53. Os procedimentos a serem observados para implementação do plano de medidas técnicas previstos no art. 19 da Lei n. 10.098, de 2000, serão regulamentados, em norma complementar, pelo Ministério das Comunicações. (...)§ 3a A Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência — CORDE da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República assistirá o Ministério das Comunicações no procedimento de que trata o § Ia"; Decreto n. 6.039/2007 aprova o plano de metas para a Universalização do Serviço Telefônico Fixo comutado em instituições de assistência às pessoas com deficiência auditiva; Consulta Pública n. 846, de 28 de novembro de 2007, da ANATEL, sobre proposta de Regulamento da Central de Intermediação de Comunicação telefônica a ser utilizada por pessoas portadoras de deficiência auditiva ou da fala. A Resolução n. 11/2007 do FNDE dispõe sobre processos de adesão e habilitação e as formas de execução e prestação de contas, referentes ao Programa de Complementação ao Atendimento Educacional Especializado às Pessoas Portadoras de Deficiência (PAED). O Decreto legislativo n. 186/2008 aprova texto da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, aprovada em Nova Iorque, em 30 de março de 2007. A Portaria n. 3.128, de 24 de dezembro de 2008, do Ministério da Saúde, define que as Redes Estaduais de Atenção à Pessoa com Deficiência Visual sejam compostas por ações na atenção básica e Serviços de Reabilitação Visual. A Resolução n. 304/2008 do Conselho Nacional de Trânsito dispõe sobre vagas de estacionamento de veículos que transportem pessoas portadoras de deficiência, com dificuldade de locomoção. Sobre prioridade de tramitação em todas as instâncias nos procedimentos judiciais em que portador de doença grave é parte: CPC, arts. 1.211- A, 1.211-B e 1.211-C (com a redação da Lei n. 12.008/2009). Sobre prioridade na tramitação, em qualquer órgão ou instância, em procedimentos administrativos em que pessoa portadora de deficiência física ou mental figure como parte ou interessada: art. 69-A, n, IV, e §§ Ia e 2a, da Lei n. 9.784/99, acrescido pela Lei n. 12.008/2009. A Lei n. 12.033/2009 toma pública e condicionada a ação penal em razão de injúria consistente no uso de elementos referentes à condição de pessoa portadora de deficiência. A Lei n. 12.190/2010 concede indenização por dano moral às pessoas com deficiência física decorrente do uso da talidomida. O Decreto n. 7.612/2011 institui o Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência — Plano Viver Sem Limite. A Súmula n. 45/2009 da Advocacia Geral da União dispõe: "Os benefícios inerentes à Política Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência devem ser estendidos ao portador de visão monocular, que possui direito de concorrer, em concurso público, à vaga reservada aos deficientes". 202 Os pais, detentores de poder familiar, irão representar os filhos menores de 16 anos, ou assisti-los se maiores de 16 e menores de 18 anos (CC, arts. 1.634, V, e 1.690). Se se tratar de menor, que não esteja sob o poder familiar, competirá ao tutor representá-lo até os 16 anos, nos atos da vida civil, e assisti-lo após essa idade, até que atinja a maioridade ou seja emancipado, nos atos em que for parte (CC, art. 1.747, I). E, em se tratando de maior declarado interdito por deficiência mental, por incapacidade de exprimir sua vontade por alcoolismo, toxicomania por desenvolvimento mental incompleto ou por prodigalidade, o seu curador, se for declarado absolutamente incapaz, irá representá-lo nos atos da vida civil, e se considerado relativamente incapaz, assisti-lo-á. Fácil é perceber que a curatela é um instituto de interesse público, ou melhor, é um munus público, cometido por lei a alguém para reger a pessoa e administrar bens de maior que, por si só, não está em condições de fazê-lo, em razão de enfermidade mental ou de prodigalidade62. C u r s o d e D i r e i t o C iv il B r a s i l e ir o Aprendiz é o maior de quatorze anos e menor de vinte e quatro anos, mas esta idade máxima não se aplica a aprendiz portador de deficiência (Decreto n. 5.598/2005, art. 2S, parágrafo único). Deverão assistir ou representar os incapazes os pais (Lei n. 8.069/90, arts. 19 a 24, 155 a 163 e 169), os tutores (Lei n. 8.069/90, arts. 36 a 38, 24, 164 a 166, 169, 170 e 238) e os curadores (CC, art. 1.767). Vide v. 5 do nosso Curso, capítulo V. Competirá ao Ministério Público promover, de ofício ou por solicitação dos interessados, a especialização e inscrição de hipoteca legal e a prestação de contas dos tutores, curadores e administradores de bens de menor nas hipóteses do art. 98 (Lei n. 8.069/90, art. 201, IV). Vide ainda Lei n. 10.708, de 31 de julho de 2003, que instituiu o auxílio-reabilitação psicossocial para pacientes acometidos de transtornos mentais egressos de internações. Incapacidade não é o mesmo que vulnerabilidade, apesar de ambas indicarem posição desvantajosa em razão da falta de algum atributo. P. ex., o consumidor (pessoa capaz ou incapaz) é vulnerável perante o fornecedor, por não dispor dos mesmos recursos ou informações para contratar em pé de igualdade, daí a lei lhe fornecer alguns direitos, como, p. ex., o da inversão do ônus da prova (CDC, art. 6a, VIII) para neutralizar sua vulnerabilidade. Sobre o assunto: Fábio Ulhoa Coelho, Curso, cit., v. 1, p. 162. Súmula n. 45/2009, da Advocacia-Geral da União: "os benefícios inerentes à Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência devem ser estendidos ao portador de visão monocular, que possui direito de concorrer, em concurso público, à vaga reservada aos deficientes". 62. Washington de Barros Monteiro, Curso de direito civil, São Paulo, Saraiva, v. 2, p. 321; Cahali, Curatela, in Enciclopédia Saraiva do Direito, v. 22, p. 143; Maria Helena Diniz, Curso, cit., v. 5, p. 449. 203 O pressuposto fático da curatela é a incapacidade, de modo que estão sujeitos a ela os adultos que, por causas patológicas, congênitas ou adquiridas, são incapazes para reger sua própria pessoa e administrar seu patrimônio63. O M ero desse instituto é um só: a proteção da pessoa incapaz e de seu patrimônio de eventuais prejuízos. Isto é assim porque o doente, cedo ou tarde, poderá causar a si mesmo algum mal irreparável (RT, 160:187). A curatela visa constituir um poder assistencial ao incapaz maior, completando ou substituindo a sua vontade, protegendo essencialmente seus bens, auxiliando em sua manutenção e impedindo sua dissipação. Nesse sentido fica realçado o interesse público não só em não permitir que o incapaz seja levado à miséria, tomando-se um ônus para seus parentes, que, então, terão o dever de prestar-lhe alimentos (CC, arts. 1.694 e 1.697; RT, 546:103, 537:105 e 665:74 e RJTJSP, 62:34), provendo suas necessidades, visto que não teria meios de adquirir recursos materiais, que lhe possibilitem prover sua mantença, como também em resguardar direitos eventuais de seus herdeiros64. O pressuposto jurídico da curatela é uma decisão judicial, uma vez que gera uma capitis deminutio, pois o capaz passa a ser incapaz. A curatela é sempre deferida pelo juiz em processo de interdição, que visa apurar os fatos que justificam a nomeação de curador, averiguando não só se é necessária a interdição e se ela aproveitaria ao arguido da incapacidade, mas também a razão legal da curatela, ou seja, se o indivíduo é, ou não, incapaz de reger sua pessoa e seu patrimônio65. A interdição (Entmuendigung) atinge os que, em consequência de uma doença do espírito (Geisteskrankheit), não estão em condições de gerir seus negócios e sua pessoa66. O interdito perde o seu direito de própria atuação na vida jurídica, visto que a interdição é a desconstituição, total ou parcial, da capacidade negocial em virtude de sentença judicial, prolatada por constatar insanidade mental. T e o r ia G e r a l d o D i r e i t o C iv il 63. Consulte: Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de direito civil, Rio de Janeiro, Forense, v. 5, p. 309, e Cahali, Curatela, in Enciclopédia, cit., p. 144-5. 64. Vide Sílvio de Salvo Venosa, Direito civil, São Paulo, Atlas, 2000, v. 5, p. 346-8. 65. Vide Maria Helena Diniz, Curso, cit., v. 5, p. 405; Código Civil anotado, São Paulo, Saraiva, 2000, p. 392. 66. Palandt, Bürgerliches Gesetzbuch, München, 1971, p. 12. 204 C u r s o d e D i r e i t o C iv il B r a s i l e ir o A interdição visa a curatela, que é imprescindível para a proteção e amparo do interditando (suposto incapaz no procedimento de apuração de sua incapacidade), resguardando a segurança social ameaçada ou perturbada pelos seus atos. Trata-se de intervenção que atende aos imperativos de ordem social. Daí a relevância ético-jurídica da interdição, protetora dos bens e da pessoa maior considerada incapaz67. A interdição é uma medida de proteção consistente em declarar, o poder judiciário, que em determinada pessoa não se verifica o pressuposto da plena capacidade para prover seus próprios negócios, falha que a inibe da prática de atos da vida civil68. Interdição é, portanto, o procedimento especial de jurisdição voluntária, mediante o qual se apura a capacidade ou incapacidade de pessoa maior de 18 anos. Constatada a incapacidade, decretar-se-á a proibição, absoluta ou relativa, para que o interditado pratique, por si, ato jurídico, bem como ser-lhe-á nomeado curador, que deverá representá-lo ou assisti-lo69. Ter-se-á uma tutela administrativa de interesses privados realizada pelo órgão jurisdicional, visto não ter por pressuposto uma situação contenciosa. Deveras, não havendo lide, não há partes, mas interessados que buscam o resguardo do patrimônio e da pessoa de quem se pede que seja decretada a interdição. Tanto isso é verdade que o estado curatelar pode ser permanente ou temporário, pois cessada a incapacidade, levanta-se a interdição e o curatelado readquire a sua plena capacidade70. É preciso ressaltar que a existência de relatório médico não suprirá a necessidade de se realizar prova pericial (RT, 675:174), pois quando o requerimento da interdição tiver como fundamento a alienação mental do interditando sempre haverá obrigatoriedade de exame pericial médico-psiquiátrico (CC, art. 1.771; RT, 725:133, 718:212; RJTJSP, 126:165), que avalie seu estado mental, apresentando laudo completo e circunstanciado da situação físico-psíquica do interditando, concluindo, ou não, pela existência de sua real incapacidade, sob pena de anulação do processo71. 67. Carvalho Santos, Código Civil comentado, 6. ed., v. VI, p. 363 e 389. 68. Vide Paulo de Lacerda, Manual de direito civil, coment. ao art. 447, II, p. 513. 69. Consulte: Débora Gozzo, O procedimento de interdição, São Paulo, Saraiva, 1986, p. 3 (Coleção Saraiva de Prática do Direito, n. 19); RT, 418:120, 507:72; RJTJSP, 14:320. 70. Consulte: Débora Gozzo, O procedimento, cit., p. 13. 71. Nelson Nery Jr. e Rosa Maria A. Nery, Código de Processo Civil comentado, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2000, p. 1422. 205 T e o r ia G e r a l d o D i r e i t o C iv il É preciso a realização desse exame pericial (CPC, arts. 1.181 e 1.183), visto que o juiz não é um expert, apesar de a audiência de interrogatório muito auxiliar na formação de seu convencimento ao indagar pessoalmente o interditando sobre fatos triviais como valor de dinheiro, conhecimento de fatos atuais, nomes de pessoas da família, dados sobre depósitos bancários, aquisição e venda de bens, situação de suas propriedades etc. O laudo pericial e o interrogatório judicial nada mais farão do que confirmar aquele relatório do médico neurologista72. O diagnóstico importa ao médico e ao juiz, pois o que lhes interessa é a preservação da vida social, que pode ser perturbada pela ação de alienados73. Embora, no âmbito do processo de interdição, por ser de jurisdição voluntária, não se possa falar em ação, nem em partes, aquelas noções deverão ser aplicadas supletivamente. Assim sendo, o titular do interesse é o legitimado ativamente para requerer a interdição (CC, art. 1.768) e o interditando (CC, art. 1.767) é o sujeito passivo desse pedido (CPC, arts. 1.177 e 1.178). São legitimados ativos para propor procedimento de interdição os genitores, o tutor, o cônjuge, ou qualquer parente e o Ministério Público (CC, art. 1,768, I, II e III). Essa enumeração é taxativa, mas não há obrigatoriedade de se seguir a ordem estabelecida legalmente. A grande dificuldade hermenêutica é delinear conceitualmente, quando se tratar da questão dá legitimidade ativa na interdição, as locuções "qualquer parente" (CC, art. 1.768, II) e "parente próximo" (CPC, art. 1.177, II),visto que, pela sua falta de técnica, levantam dúvidas74. Quais seriam os parentes que poderiam incluir-se nesta categoria? Pontes de Miranda75 censura a locução parente próximo e o mesmo se diga de "qualquer parente", por impossibilitarem que se perceba, legalmente, o seu significado e seu alcance. Há quem nelas inclua colaterais e afins sem qualquer restrição76; outros limitam sua abrangência, entendendo que a legitimidade para agir se estenderia apenas aos ascendentes, descendentes e irmãos. Por parente próximo ou por qualquer parente, na falta de critério seguro, não se deve entender que todos os parentes possam promover a interdição; a proxi72. Consulte: Débora Gozzo, O procedimento, cit., p. 43; Silvio de Salvo Venosa, Curso, cit., p. 356. 73. Clóvis Beviláqua, Código Civil comentado, v. 1, p. 148. 74. Pontes de Miranda, Direito de família, Rio de Janeiro, 1917, p. 434, nota 37. 75. Tratado, cit, v. IX, p. 339. 76. P. ex., Espínola Filho, Repertório enciclopédico do direito brasileiro, v. 14, p. 136. 206 C u r s o d e D i r e i t o C iv il B r a s i l e ir o midade deverá ser compreendida restritivamente. Por essa razão, a posição intermediária, mais aceitável, é que nela se incluem os parentes sucessíveis, abrangendo até o limite da ordem de vocação hereditária, ou seja, os colaterais até o 4a grau (CC, arts. 1.591, 1.592, 1.829, IV, e 1.839) sendo que os mais próximos excluem os mais remotos (CC, art. 1.840, I a parte). Excluídos estão, portanto, os afins (RT, 169:797; RF, 114:165). Deveras, em relação aos parentes afins, pondera Clóvis Beviláqua77 que "não há relação alguma de ordem jurídica, ainda que, na sociedade, haja aproximação entre as famílias, e, na linguagem comum, se encontrem expressões traduzindo este fato". Mas há quem ache que quando houver justificativa plausível, o genro poderia promover a interdição de sogro e cunhado a de cunhado78. Parece-nos que a lei (CC, art. 1.768, II, e CPC, art. 1.177, II) exige que, além de ser parente, este tenha para com o interditando laços de afetividade e proximidade, que o tornem capaz de saber dos motivos justificadores da medida pleiteada e de compreender sua conveniência79. Se assim é, apenas os que podem concorrer à sucessão do interditando teriam legitimidade ativa para promover sua interdição (RT, 539:149), visto que têm um vínculo de parentesco estreito e interesse moral, econômico e afetivo para requerer tal medida80. Parente próximo, ou qualquer parente, eqüivaleria a parente sucessível (EJTJRJ, 7:66), que seria o que por morte do interditando teria direito, parcial ou total, à sua herança, logo descendente, ascendente, em qualquer grau, e colaterais até o 42 grau poderão requerer a interdição. A locução parente próximo ou qualquer parente retira a possibilidade de estender o parentesco além dos limites estatuídos para a sucessão por força do disposto no Código Civil, arts. 1.768, II, 1.829, IV, e 1.839, e CPC, arts. 1.177, H, e 1.182, § 3a. O art. 1.182, § 3a, do Código de Processo Civil fala em parente sucessível e o art. 1.177, II, desse mesmo diploma legal em parente próximo, mas, na verdade, trata-se, tão somente, de uma mudança de nomenclatura, pois aquelas pessoas são as mesmas, ou seja, as incluídas nos arts. 1.829, IV, e 1.839 do Código Civil81. Logo, a interdição pode ser promovida pelo pai, mãe, tutor, 77. Clóvis Beviláqua, Código Civil comentado, 1951, v. 2, p. 297. 78. Sílvio de Salvo Venosa, Curso, cit., p. 354. 79. Nelson Nery e Rosa Maria A. Nery, Código de Processo Civil comentado, cit., p. 1418. 80. RJTJSP, 56:226, 50:119. Consulte, ainda: José Olympio de Castro Filho, Comentários, cit., v. 10, p. 208; Elio Fazzalari, La giurisdizione volontaria, Padova, CEDAM, 1953, p. 192; Washington de Barros Monteiro, Curso, cit., v. 2, p. 325; Carvalho Santos, Repertório enciclopédico do direito brasileiro, v. 27, p. 342. 81. Vide Débora Gozzo, O procedimento, cit., p. 40. cônjuge, desde que não esteja separado judicial ou extrajudicialmente, ou, ainda, de fato há mais de dois anos, salvo prova de que essa convivência se tomara impossível sem culpa sua (CC, art. 1.830; RT, 176:743), faltando legitimação ao companheiro {RT, 494:187; em contrário: TJSP-Ac, 168326-1, j. 11-8-1992), por parente próximo sucessível, ou seja, colateral até o 4e grau, excluídos os afins (RT, 489:317, 524:98) e, ainda, pelo Ministério Público. Isto é assim porque tais pessoas têm interesse na interdição para a defesa do patrimônio do interditando, com o escopo de evitar sua dilapidação82. Qualquer parente próximo sucessível (descendente, ascendente ou colateral até o 4a grau) está legitimado a agir. No pleito requerido por um, poderá o outro intervir. Nã.o há hierarquia, pois, se a lei tivesse tal intentio, não teria sido preciso estabelecer que o Ministério Público só promoverá a interdição se não existir, não puder por incapacidade ou não promovê-la nenhuma das pessoas designadas nos incisos I e II do art. 1.768 do Código Civil (CC, art. 1.769, II e III). Estabelecidas essas premissas fundamentais inafastável é a conclusão de que, por exemplo, irmão, com plena capacidade civil (CPC, arts. 1.177, II, e 1.178, m), por ser parente próximo sucessível (colateral de 2- grau), pode, em busca da verdade real, postular a interdição de sua irmã, com progressivos distúrbios mentais, para que possa dirigir sua pessoa e cuidar de seus bens, poupando-lhe a desgraça de se ver, um dia, sem meios para a sua sobrevivência, provocada por sua atitude irresponsável, em razão de perturbação mental e de manipulação de certas pessoas, que abusam de sua confiança. Um irmão saberia, pelos laços afetivos e de estreito parentesco, mais do que ninguém, da necessidade ou conveniência da interdição, e como parente próximo sucessível está legitimado a promovê-la, e assim procederá por altruísmo, buscando amparar sua irmã solitária, em poder de empregados, doente física e psiquicamente e sem capacidade de raciocinar, querer e manifestar ideias. Exclui-se, portanto, o parente mais remoto, isto é, o que tem à frente um parente mais próximo da interditanda, em "virtude do grau de parentesco, no caso seu irmão (colateral de 2a grau). É a lição de José Olympio de Castro Filho83. Mas, entendemos que até mesmo o sobrinho (colateral de 3e 82. Vide Débora Gozzo, O procedimento, cit., p. 40 e s.; Caio Mário da Silva Pereira, Instituições, cit., v. 5, p. 309-11; Orlando Gomes, Direito de família, p. 449-50; Lacerda de Almeida, Direito de família, cit., p. 516; Eduardo S. C. Sarmento, A interdição no direito brasileiro, Rio de Janeiro, Forense, 1981. 83. José Olympio de Castro Filho, Comentários, cit., v. X, p. 208. 208 grau), se quisesse, poderia movê-la, pois, como nos ensina Alcides de Mendonça Lima84, "não nos parece haver inconveniente que, em face da inércia do parente sucessível mais próximo, outro, mesmo inferior, possa promover a interdição, em benefício do próprio interditando". A iniciativa da interdição é, para os parentes próximos sucessíveis, um direito fundado no interesse pessoal; é, principalmente, um dever moral de afeição e solidariedade familiar. Dever esse que, muitas vezes, se pode tornar sancionado, interpretando-se a abstenção como um ato de ingratidão, caracterizado pela falta de cuidados85. Para postular interdição de parente, basta comprovar pela certidão do termo de nascimento o grau de parentesco com o interditando. Como se vê, a interdição não é um ato contra o interditando, mas em seu próprio benefício, visto que, se decretada, os bens do curatelado apenas poderão ser alienados em hasta pública, desde que haja vantagem na venda ou arrendamento e sempre mediante autorização judicial (CC, arts. 1.750 e 1.774; RF, 240:200; RJTJSP, 11:117 e 80:36; RT, 550:155). O pronunciamento judicial na jurisdição voluntária não tem o caráter de sentença, embora o usus fori e a lei assim a denominem. Na verdade seria uma decisão administrativa, pois a sentença é ato jurisdicional, pressupondo, por isso, uma situação litigiosa a ser resolvida, mediante julgamento da pretensão deduzida com a ação proposta86. Já Edson Prata87 entende que no procedimento de interdição há sentença como no de jurisdição contenciosa, uma vez que a lei (CPC, art. 1.184) utiliza o termo sentença para exprimir a decisão final tanto em jurisdição contenciosa como em voluntária. Empregamos, aqui, o vocábulo sentença para decisão que decretar a interdição. A sentença áeclaratória é a que declara a existência ou a inexistência de uma relação jurídica, produzindo efeito ex tiinc, isto é, retroage à época em C u r s o d e D ír e i t o C iv il B r a s i l e ir o 84. Mendonça Lima, Comentários ao Código de Processo Civil, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. XII, p. 435. 85. Pandettes belges, v. 54, p. 164, apud Paulo de Lacerda, Manual, cit., p. 514. 86. É o que nos ensina José Frederico Marques, Ensaio sobre jurisdição voluntária, São Paulo, Saraiva, 1959, p. 305. No mesmo teor de ideias: Alfredo de Araújo Lopes da Costa, A administração pública e a ordem jurídica privada, Belo Horizonte, Ed. B. Alvares, 1961, p. 120, e Débora Gozzo, O procedimento, cit., p. 52. 87. Edson Prata, Jurisdição voluntária, São Paulo, Leud, 1979, p. 310 e 311. 209 T e o r ia G e r a l d o D i r e i t o C ivil que se formou aquela relação88. A sentença constitutiva é a que declara a existência de uma relação ou situação jurídica preexistente, criando, modificando ou extinguindo-a, tendo efeito ex nunc (RT, 163:656; RF, 112:458), e, excepcionalmente, pode produzir efeito ex tunc nos casos previstos em lei. A sentença conáenatória declara um direito e comina uma sanção89. Qual seria a natureza jurídica da sentença em processo de interdição? E qüais seriam seus efeitos? Essa sentença, sob o ângulo do direito substantivo, é âeclaratória, uma vez que não faz mais do que confirmar a suposição de incapacidade, contendo o reconhecimento judicial de uma situação fática, que dá causa à anomalia psíquica, sem aqui mencionar a questão processual alusiva ao momento da eficácia da sentença de interdição, pois assim que prolatada produz efeito desde logo (ex nunc), apesar de sujeita a recurso, que tem efeito apenas devolutivo (CC, art. 1.773; CPC, art. 1.184; RT, 310:748; RF, 149:313). Os efeitos imediatos à prolação da sentença não se suspendem com a interposição, dentro de 15 dias da sua publicação, de recurso de apelação (CPC, art. 1.184 c/c o art. 513), pois o interesse público e privado que tutela não poderiam ser resguardados, se houvesse suspensão de seus efeitos até nova decisão. A sentença de interdição tem execução provisória e, se for reformada em instância superior, os atos praticados entre curador e terceiro, durante a pendência do recurso interposto, são válidos, pois se deram na vigência da interdição90. Deveras, sob o prisma processual, o efeito da sentença de interdição é, em regra, ex nunc, por inserir-se na categoria das sentenças constitutivas (CPC, art. 1.184), por submeter o insano ao regime curatelar, modificando sua esfera jurídica, pois, a partir dela, ficará impossibilitado de reger sua pessoa e de administrar seus bens91. 88. Moacyx Amaral Santos, Primeiras linhas, cit., v. 3, p. 30 e 31. 89. Moacyr Amaral Santos, Primeiras linhas, cit., v. 3, p. 32. 90. Consulte: Débora Gozzo, O procedimento, cit., p. 60; Vicente Greco Filho, Direito processual civil brasileiro, São Paulo, Saraiva, 1985, v. 2, p. 273. 91. Produz efeitos após a prolação e inscrição no Registro de Pessoas Naturais (Lei n. 6.015/73, arts. 104 e s.) e publicada por três vezes pela imprensa local e pelo órgão oficial, com intervalo de 10 dias (CPC, art. 1.184, 2- parte). Tais medidas servem para que tenha eficácia erga omnes. Consulte: Pontes de Miranda, Comentários ao Código áe Processo Civil, Rio de Janeiro, Forense, 1979, t. 16, p. 393; Konrad Hellwig, Lehrbuch des deutschen Zivilprozessrecht, Leipzig, 1903, v. 1, p. 52, §§ 9 e 8, "b"; Goldschmidt, Zivilprozessrecht, Berlin, 1932, p. 262, § 75; Moacyr Amaral Santos, Primeiras linhas, cit., v. 3, p. 34; Edson Prata, Jurisdição voluntária, cit., p. 317; Lopes da Costa, A administração, cit., p. 121; Giuseppe Chiovenda, Principii di diritto processuale civile, Napoli, Jovene, 1965, p. 186 e 1262, e Débora Gozzo, O procedimento, cit., p. 55. 210 C u r s o d e D i r e i t o C iv il B r a s i l e ir o Mas, apesar disso, pode-se também afirmar que sua natureza é declaratória, porque não cria, convém repetir, a incapacidade, decorrente de fato apurado no processo92. Por isso, a sentença de interdição tem natureza mista, sendo, concomitantemente, constitutiva e declaratória. Temos constitutividade do regime curatelar e declaratividade da existência do pressuposto que o justifica. Realmente, não cria ela a incapacidade do insano, esta nasce da demência ((quaestio facti), confirma tão somente a suposição de quem a promoveu, acautelando interesses de terceiros, interditando o incapaz e providenciando sobre sua pessoa e bens. Logo, é constitutiva com eficácia declaratória, produzindo efeito ex tunc. Não deixa de ser declaratória não no sentido de que todas as sentenças o são, mas no de declarar a incapacidade de que o interditando é portador. Mas é, ao mesmo tempo, constitutiva de uma nova situação jurídica quanto à capacidade da pessoa que, então, será considerada legalmente interditada93. A sentença que decretar a interdição colocará a pessoa e os bens do interditando, por não ter condições de reger a si próprio e de administrar seu patrimônio (RT, 529:80), sob a direção de um curador, que velará por ele, exercendo seu inunus público pessoalmente (A], 101:91), conforme seja a curatela plena óu limitada (RT, 488:72). Logo, após sua prolação, por confirmar a suposição de incapacidade, nulos ou anuláveis serão os atos praticados pelo interdito, sem a representação ou assistência do seu curador (RT, 468:112), conforme a gradação de sua interdição. Nesse caso a sentença produz efeito ex nunc. Os atos praticados depois da sentença são nulos ou anuláveis de pleno iure (RT, 468:112), conforme seja o interdito considerado absoluta ou relativamente incapaz, sem qualquer dependência de provas de efetiva insanidade, cuja pressuposição é consequência daquela decisão, diante da presunção juris et de jure (EJTJRJ, 7:166), visto que o fim principal da interdição declarada foi, exatamente, constituir essa prova erga omnes. Todavia, é possível invalidar ato negocial praticado, por alienado mental, antes da sua interdição, desde que no processo de jurisdição voluntária, a que se submeteu, se comprove a existência de sua insanidade, por ocasião 92. Vide a lição de Eduardo S. Sarmento, A interdição no direito brasileiro, Rio de Janeiro, Forense, 1981, p. 83. 93. Vide Pontes de Miranda, Tratado de direito privado, cit., t. IX, p. 346, e Gildo dos Santos, Interdição, in Enciclopédia Saraiva do Direito, v. 45, p. 259-61. 211 da efetivação daquele ato. Hipótese em que a sentença de interdição produzirá efeito ex tunc94. No nosso entendimento, portanto, ante a natureza constitutivo-declaratória da sentença, se ficar provada, no processo de interdição, a existência da incapacidade ao tempo da efetivação de certos negócios, ela retroagirá ex tunc, podendo tomar nulos ou anuláveis aqueles atos, anteriores a ela, praticados pelo interditado, conforme for o seu grau de incapacidade. Para os que consideram apenas a natureza constitutiva da sentença de interdição, esta, por não produzir efeito ex tunc, não alcançará, ipso iure, os atos praticados antes dela pelo incapaz, por depender de ação de anulação desses negócios. Para esses autores, a sentença de interdição é oponível contra todos para o futuro, não podendo atingir os que, anteriormente, contrataram com o incapaz, mas os atos levados a efeito pelo interdito, antes dela, somente poderão ser declarados anuláveis, mediante prova de que se efetuaram numa fase em que já se delineava a insanidade mental, apesar de não declarada judicialmente95. Já José Carlos Barbosa Moreira96 afirmou a nulidaãe, não a mera anulabilidade dos atos praticados anteriormente à sentença, desde que comprovada a preexistente incapacidade natural. Pondera ele: "é decerto a'-condição jurídica desses atos, praticados antes da interdição, que impressiona muitos espíritos e os leva a inferências precipitadas. Se já existia a alienação mental, os atos devem reputar-se nulos, como atos de incapaz que são; não apenas anuláveis, conforme aqui e ali se tem dito. A diferença entre esses e os praticados, por si mesmo, pelo interdito, não está nem na condição jurídica, que é igual (nulidade), nem no respectivo fundamento, que é sempre o mesmo (incapacidade), mas exclusivamente na circunstância de que, quanto aos atos anteriores, e só quanto a eles, se faz necessária a proT e o r ia G e r a l d o D i r e i t o C iv il 94. A título ilustrativo consulte: RF, 81:213,152:176; RTJ, 102:359; RT, 224:137, 280:252, 415:358, 483:71, 489:75, 505:82, 503:93, 506:75, 539:149 e 182. 95. Vide Agi 40.517-SP, Ia T„ STF, rei. Min. Djaci Falcão, j. 5.6.67; RE 76.354-SP, STF; Paulo de Lacerda, Manual, cit., p. 523 a 526: Silvio Rodrigues, Direito civil, São Paulo, Saraiva, 1985, v. 6, p. 418; Débora Gozzo, O procedimento, cit., p. 69; Clóvis Beviláqua, Código Civil comentado, 11. ed., v. 2, p. 352; Carvalho Santos, Código Civil brasileiro interpretado, 1934, v. 6, p. 402; Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de direito civil, Rio de Janeiro, Forense, 1979, v. V, p. 310; Mendonça Lima, Comentários ao Código de Processo Civil, cit., v. XII, p. 470. 96. Barbosa Moreira, Eficácia da sentença de interdição por alienação mental, Ajuris, 37:238. 212 C u r s o d e D i r e i t o C iv il B r a s i l e ir o va de que já existia a anomalia psíquica — causa da incapacidade — no momento em que se praticaram"97. Esse é também o pensamento de Pontes de Miranda98, que assim escreve: "A sentença de interdição, se bem que constitutiva, não cria a incapacidade, que começa do motivo legal que a promoveu — a alienação mental. A capacidade natural de raciocinar, de querer e de manifestar normalmente as ideias e as volições constitui a base da capacidade legal: desde que aquela falta, esta não poderá existir... A única diferença entre a época anterior e a atual da interdição ocorre apenas quanto à prova da nulidade do ato praticado. Para os atos anteriores, é necessário provar que então já subsistia a causa da incapacidade. Os atos posteriores, praticados na constância da interdição, levam consigo, sem necessidade de prova, a eiva da nulidade". É preciso não olvidar que nada obsta que em ação que não a de interdição se alegue, comprovadamente, que a pessoa era portadora de anomalia psíquica, para invalidar ato negocial por ela praticado99. A esse respeito já se decidiu que: "1. Incapacidade. Anulabilidade de escritura de transmissão de direitos sobre imóvel, por motivo de incapacidade da transmitente, não depende de prévia interdição, se a incapacidade, além de notória, era conhecida do outro contraente. 2. Prova de pagamento; documentos que se combinam, inclusive declaração em escritura, comprovam o pagamento. 3. Para simples reexame de provas não cabe recurso extraordinário" (RE 88.916, j. 14-8-1979, RTJ, 91:275). Na doutrina e na jurisprudência há, ainda, tese, que assim pode ser resumida: "Sendo a alienação um fato, são anuláveis os atos praticados pelo demente, esteja ou não declarada juridicamente a interdição"100. "Após a interdição, os atos praticados pelo interdito são nulos. Também não têm valor todos aqueles atos que, posto realizados antes da decisão judicial, foram executados quando o agente já era incapaz, ainda que 97. No mesmo teor de ideias: Eduardo S. Castanheira Sarmento, A interdição no direito, cit., p. 90. 98. Pontes de Miranda, Direito de família, São Paulo, Max Limonad, v. III, § 295; Tratado de direito privado, t. IX, p. 347, e Comentários ao Código de Processo Civil, t. XVI, p. 393. 99. Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil de 1939, v. 3, p. 393 e 394; Tratado de direito privado, cit., v. IX, p. 347; Carvalho Santos, Código Civil, v. 1, p. 263. 100. Clóvis Beviláqua, Direito de família, cit., § 89, nota 2. No mesmo sentido: RTJ, 82:213. 213 não declarado como tal pelo Poder Judiciário" (Ap. s/Rev. 284.050, 7- Câm. do 2S TACSP, rei. Juiz Gildo dos Santos, j. 6-2-1991). Tanto no direito nacional como no alienígena (CC francês, art. 503; Lei Francesa de 13-1-1968 e CC italiano, art. 428), quem invocar doença mental para invalidar ato jurídico tem o ônus de provar não só a incapacidade no momento da realização do ato, deduzindo fatos idôneos para que se possa tirar uma ilação precisa sobre o estado mental no momento da formação do negócio101, mas também do proveito tirado indevidamente pela parte contrária (RF, 81:396). Tal solução não se situa apenas na seara do direito positivo, mas encontra eco na opinião dos mais ilustres juristas. Já houve julgados no sentido de que: "São nulos os atos praticados pelo alienado anteriormente a interdição, desde que demonstrada a contemporaneidade do ato com a doença mental geradora da incapacidade" (RE 82.311, j. l a-4-1977, RTJ, 82:213). "Incapacidade natural da pessoa. Provada a incapacidade natural da pessoa, no momento em que prestou o consentimento, nula é a declaração de vontade e, consequentemente, o ato jurídico realizado, mesmo que tenha sido anteriormente à sentença de interdição" (JTARS, 34:310). "São nulos os atos praticados pelo alienado anteriormente à interdição, desde que demonstrada a contemporaneidade do ato com a doença mental geradora da incapacidade. Demência senil comprovada pela própria natureza dos atos praticados e as circunstâncias do processo" (RE 95.366, j. 13-4- 1982, RTJ, 102:359. No mesmo sentido: RTJ, 83:425, 82:231 e 91:275). Entendemos que quem invocar doença mental para invalidar ato negocial deve provar a incapacidade de entender e querer no momento da realização daquele ato. A causa da incapacidade é a anomalia psíquica e não a sentença de interdição; esta tão somente declara um fato preexistente, que lhe dá causa. Os atos anteriores a ela serão anuláveis ou nulos, se se provar, no processo de interdição ou em outra ação, que ao tempo em que foram efetivados já subsistia a causa da incapacidade relativa ou absoluta. Assente o vício da nulidade relativa ou absoluta dos atos praticados antes da sentença por agente comprovadamente incapaz, indaga-se: A declaraT e o r ia G e r a l d o D i r e i t o C iv il 101. Emilio Betti, Teoria geral do direito, 1969, v. 2, p. 28. 214 ção de invalidade exigiria também a má-fé do outro contratante? Deveria ele, ou não, ter ciência da incapacidade do agente? A boa-fé ou má-fé do outro contratante seria, ou não, irrelevante no plano da validade daqueles atos? Já se decidiu que "para resguardo da boa-fé de terceiros e segurança do comércio jurídico, o reconhecimento de nulidade dos atos praticados anteriormente à sentença de interdição reclama prova inequívoca robusta e convincente da incapacidade do contratante" (STJ, 4â T., RE 9.077-RS-rel. Min. Sálvio de Figueiredo). Mas, se a alienação mental era notória, se o contratante podia, com diligência ordinária, apurar a deficiência da outra parte, o negócio é suscetível de invalidação, pois a ideia de proteção à boa-fé de terceiro não mais se manifesta102. O que realmente importa, no nosso entender, é a inteligência, a volição e a compreensão, pois fundamentarão a declaração de vontade livre e espontânea, não sendo tão relevante a questão da boa-fé ou da má-fé do contratante. Se a pessoa, com quem se contrata, não tem entendimento do ato, ou se seu consentimento foi viciado, em nada interfere, pelo menos quanto à validade do ato, o fato de o outro contratante estar de boa-fé (RJTJRS, 79:186). "Decretada a interdição, é indiscutível que a partir desse pronunciamento, surge a suspeita de que a doença mental existia anteriormente, e este pormenor pode ser provado por qualquer meio, inclusive pela perícia feita no processo de interdição. O laudo, em que se fundar a sentença de interdição, pode esclarecer o ponto, isto é, afirmar que a incapacidade mental do interdito já existia em período anterior" (1- T. do STF, j. 30-8-1977, RTJ, 83:425), para fins de invalidação de atos anteriores à interdição. Logo, os atos praticados pelo interditando, anteriormente ao processo de interdição, poderão ser invalidados se ficar comprovada, nesse procedimento ou em outra ação, a existência de sua demência senil no momento em que os efetivou. Dúvida não há de que o interditando prejudicado deveria ter, em ação judicial, garantido não só o seu direito de invalidar as alienações feitas, mas também a indenização pelos prejuízos que teve, em cumulação de pedidos. A sentença lançará, então, os atos negociais do interditando no mundo do não ser, porque, além de ser incapaz, sofreu dolo, lesão e fòi vítima de atos C u r s o d e D i r e i t o C iv i l B r a s i l e ir o 102. Elício de Cresci Sobrinho, Interdição de direito, in Enciclopédia Saraiva do Direito, v. 45, p. 268-71. 215 T e o r ia G e r a l d o D i r e i t o C iv il sem direito. A eficácia dos atos anulados será ex nunc, mas a da sentença anulatória é ex tunc103. Se a justiça, o bom-senso e o direito militam em favor da pretensão de se anular os atos praticados pelo interditando, esta deverá ser acolhida pelo Judiciário, diante dos fatos que os cercaram. Neste nobile officium não poderá o aplicador vincular-se, estritamente, ao teor lingüístico dos documentos assinados pelo interditando, mas investigar os fatos contemporâneos e os supervenientes aos atos negociais104. Será preciso proteger o portador de moléstia físico-psíquica, tutelando seus direitos e interesses legítimos, ressarcindo-o de todos os prejuízos sofridos. Outro não poderia ser o nosso entendimento, pois em que pesem as opiniões contrárias à nossa, parece-nos que o conhecimento científico-jurídico deve apreender lógica e coerentemente os dados normativos, fáticos e valorativos, para garantir a segurança e a aplicabilidade do direito. Não se poderia olvidar que, para uma correta interpretação, dever-se-ia preferir aquela que, por seu melhor resultado, correspondesse às circunstâncias105. Além disso, há várias medidas tutelares, determinadas por norma, para defender os interesses dos incapazes. Dentre elas: 1) não corre a prescrição contra os absolutamente incapazes (CC, art. 198, I); 2) o mútuo feito a menor não pode ser reavido (CC, art. 588), salvo nos casos do art. 589; 3) pode o menor ou o interdito recobrar dívida de jogo, que voluntariamente pagou (CC, art. 814, in fine); 4) ninguém pode reclamar o que, por uma obrigação anulada, pagou a um incapaz, se não provar que reverteu em proveito dele a importância paga (CC, art. 181); 5) partilha em que há incapazes não pode ser convencionada amigavelmente (CC, art. 2.015); 6) constitui circunstância agravante ter sido o crime cometido contra criança, maior de 60 anos (Lei n. 10.741/2003), enfermo (CP, art. 61, II, h) ou mulher grávida; 7) configura delito de abuso de incapazes valer-se, em proveito próprio ou alheio, de necessidade, paixão ou inexperiência de menor, ou de alienação ou debilidade mental de outrem, induzindo qualquer deles à prática de ato suscetível de produzir efeito jurídico, em prejuízo próprio ou de terceiro (CP, art. 173); 8) os menores de 18 e maiores de 16 anos poderão, pessoalmente, isentos de 103. Consulte: Pontes de Miranda, Tratado, cit., v. IV, p. 34-41; Chrisüans, Über die sogen relative Nichtigkeit der Rechtsgeschãftes, p. 20. 104. Consulte: Betti, Interpretazione delia legge e degli atti giiiridici, Milano, 1949, §§ 69 e s. 105. É o ensinamento de: Demburg, Das Bürgerliche Recht, I, § 150; II; Von Tuhr, DerAllgemeine Teil, III, p. 274. 216 C u r s o d e D i r e i t o C iv il B r a s i l e i r o multa, requerer o registro de seu nascimento (Lei n. 6.015/73, art. 50, § 3a); 9) a perda ou suspensão do poder familiar, e conseqüente colocação do menor em família substituta ou tutela, comprovada uma das causas previstas nos arts. 1.637 e 1.638 do Código Civil e no art. 24 da Lei n. 8.069/90 (Lei n. 8.069/90, arts. 161, § I a, 166, §§ Ia a 7a, e CC, art. 1.734), decretada por sentença, que deverá ser averbada à margem do registro de nascimento da criança e do adolescente (Lei n. 8.069/90, art. 163 e parágrafo único, acrescentado pela Lei n. 12.010/2009); 10) a possibilidade de ser colocado, sendo criança e adolescente, em caso de não poder permanecer na família natural, sob adoção, tutela ou guarda (Lei n. 12.010/2009, art. 2a) etc.106. Nosso Código Civil de 1916, no seu art. 8a, extinguiu o instituto da restituição in integrum, que era um remédio judiciário de caráter extraordinário, pelo qual o menor, lesado em seus direitos, pleiteava a devolução do que pagou, quando o ato lesivo era válido, por ter sido praticado de acordo com as formalidades legais. Isto era assim porque, se o ato apresentasse vício, o remédio ordinário era a ação de nulidade, que o desfazia, retirando- -o do cenário jurídico107. Realmente, dispunha que: "na proteção que o Código Civil confere aos incapazes não se compreende o benefício da restituição" (CC de 1916, art. 8a); com isto o aboliu, tentando não só proteger a segurança dinâmica do negócio ou ato jurídico, evitando que ele pudesse ser desfeito, apesar de válido108, mas também respeitar os direitos adquiridos, para favorecer, de certa forma, a circulação dos bens e o organismo econômico da sociedade109. Se houver um conflito de interesses (p. ex., alienação de bens, questão financeira etc.) entre o absolutamente incapaz e seu representante, ou entre o relativamente incapaz e seu assistente, será imprescindível que o juiz 106. A Lei n. 8.069/90 (com as alterações da Lei n. 12.010/2009) contém uma série de medidas especiais de proteção à criança e ao adolescente, que examinamos no nosso Curso de direito civil brasileiro, nos v. 5 e 7, inclusive quando for vítima de violência ou abuso sexual (art. 101, § 22, acrescentado pela Lei n. 12.010/2009). W. Barros Monteiro, op. cit., v. 1, p. 68; Silvio Rodrigues, op. cit., v. 1, p. 83. 107. Silvio Rodrigues, Direito civil, cit., v. 1, p. 83; Ferreira Coelho, Código Civil dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, 1922, v. 4; Teixeira de Freitas, Consolidação das Leis Civis, arts. 12, 13 e 14; Carlos Carvalho, Nova Consolidação das Leis Civis, arts. 113 e s.; Clóvis, op. cit., § 12, p. 99 e s. 108. Serpa Lopes, op. cit., v. 1, p. 291. 109. Clóvis Beviláqua, Comentários ao Código Civil, v. 1, p. 191; Sílvio de S. Venosa, op. cit., p. 134. 217 T e o r ia G e r a l d o D i r e i t o C i v il nomeie um curador especial, em favor do menor, para protegê-lo (Lei n. 8.069/90, art. 148, VII, parágrafo único, f, CC, art. 1.692). c.5. Cessação da incapacidade A incapacidade termina, em regra, ao desaparecerem as causas que a determinaram. Assim, p. ex., no caso da loucura ou da toxicomania, da surdo- -mudez, da prodigalidade, cessando a enfermidade físico-psíquica que as determinou110. Convém lembrar que, pela Lei n. 6.015/73, art. 104, deverá ser feita a averbação: das sentenças que puserem termo à interdição, da cessação ou mudança de internações e da cessação de ausência pelo aparecimento do ausente. Em relação à menoridade, a incapacidade cessa quando: 1) o menor completar 18 anos, segundo nossa legislação civil (CC, art. 5fl, caput), pois o dado jurídico de que aos 18 anos se adquire a maioridade ou aptidão para exercer os atos da vida civil encerra um conteúdo contingente; não se infere, realmente, nenhuma necessidade nesse conteúdo, e a lei poderia ter estabelecido que para tanto bastava que o indivíduo completasse 20, 21 (como estabelecia o CC brasileiro de 1916) ou 25 anos. Esse limite é uma simples manifestação da vontade legislativa. P. ex.: o CC argentino (art. 126) e o português prescrevem 18 anos; o suíço (art. 14) estabelece o limite de 20 anos; o espanhol, 23 anos (art. 320); o chileno, 25 anos (art. 266). O italiano (art. 2a) estatui a idade de 21 anos para que o indivíduo seja plenamente capaz. O novo Código Civil antecipa a maioridade para 18 anos, com isso os jovens passarão a ter responsabilidades perante terceiros pelos danos que lhes causarem, além de poderem, por si sós, praticar validamente atos da vida civil, sem qualquer assistência do representante legal. Tal se deu diante da presunção de que, pelas condições do mundo moderno e pelos avanços tecnológicos dos meios de comunicação e da informática, a pessoa já tem, ao completar aquela idade, experiência de vida, em razão da aquisição de uma maior formação cultural, responsável pela celeridade, pela precocidade do seu desenvolvimento físico-mental, trazendo, com isso, o discernimento necessário para a efetivação de atos negociais, podendo até mesmo casar, independentemente de autorização do representante legal. Além disso fazia-se necessária uma uniformização, visto que se com 18 anos se tem maioridade 110. Serpa Lopes, op. cit., v. 1, p. 291. 218 criminal, trabalhista e eleitoral, por que não adquirir a civil? Essa alteração normativa relativa à maioridade veio a atingir outros institutos como, por exemplo, o da adoção, fazendo com que a idade permitida para adotar criança caia para 18 anos, apesar de que o adotante deva ser 16 anos mais velho que o adotado. Sem embargo das vantagens advindas do rebaixamento da maioridade civil de 21 para 18 anos, algumas desvantagens poderão ser apontadas, como: não intervenção do Ministério Público nas ações que envolverem pessoas com 18 anos, na qualidade de curador de incapaz; cessação do direito de continuar percebendo pensão alimentícia, salvo se dela precisar (CC, art. 1.696); assunção de responsabilidades como o dever de autossustento, de pagamento dos débitos por ele assumidos e de reparar os danos causados a terceiros, sejam eles morais ou patrimoniais, visto que seus pais não mais terão qualquer responsabilidade subsidiária, ou mesmo solidária, com isso as vítimas de seus atos poderão ficar sem indenização por falta de recursos, pois dificilmente terá bens para responder pelos prejuízos acarretados; gerenciamento de negócios; administração de seu patrimônio etc. Será que o jovem de 18 anos teria mesmo, apesar de bem informado, condições objetivas para arcar sozinho com tantas obrigações e responsabilidades111? 2) Houver emancipação pelas formas previstas no art. 5ffl, parágrafo único112: C u r s o d e D ir e i t o C i v i l B r a s i l e ir o 111. Lafayette (Direito de família, § 119) ensinava-nos que a plenitude da capacidade civil advinda da cessação da menoridade não vigorava em nosso direito pré-codiflcado, pois sob a influência do direito romano mantinha-se o indivíduo sob a tutela perpétua e assistência paterna; considerava-se que a maioridade, por si só, não era hábil a atribuir a plenitude do exercício dos direitos; o indivíduo, mesmo maior, continuava sob o pátrio poder, que vinha a cessar com o casamento, o estabelecimento comercial com economia própria, o recebimento de ordens sacras, a colação de grau acadêmico, e ainda por sentença judicial. Vide Carlos Roberto Gonçalves, Inovações do Projeto do Código Civil, Rev. da Escola Paulista de Magistratura, n. 4, 1998, p. 44- 6. Pelo Enunciado n. 3 do Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, aprovado na Jornada de Direito Civil, em 2002: "A redução do limite etário para definição da capacidade civil aos 18 anos não altera o disposto no art. 16, inc. I da Lei n. 8.213/91, que regula específica situação de dependência econômica para fins previdenciários e outras situações similares de proteção, previstas em legislação especial". Os alimentos (CC, art. 1.696) serão devidos entre parentes, comprovada a necessidade do alimentando, sem qualquer limite de idade, ante os princípios da dignidade da pessoa humana e da solidariedade familiar (RJTJSP, 21:198). Até os 21 anos os filhos podem ser considerados, para fins tributários, dependentes de seus genitores (Instrução Normativa SRF n. 15, de 6-2-2001, art. 3 8 ,1, III, IV e V). 112. No direito anterior só poderia a emancipação ser proclamada por sentença judicial (Caio M. S. Pereira, Instituições, cit., v. 1, p. 250). Clóvis (op. cit., p. 161) define a emancipação como a aquisição da capacidade civil antes da idade legal. ADCOAS, n. 89908, 1983; RT, 451:71; RJ, 137:64. 219 a) concessão dos pais (CC, ait. 1.631 e parágrafo único) em ato conjunto, ou de um deles na falta do outro (óbito, suspensão ou destituição do poder familiar), mediante instrumento público inscrito no Registro Civil competente (Lei n. 6.015/73, arts. 29, IV, 89 e 90; CC, arts. 9a, II, 166, IV), independentemente de homologação judicial (emancipação voluntária), ou por sentença do juiz, ouvido o tutor (emancipação judicial; CPC, arts. 1.103 a 1.112, I; CC, art. 1.763, I; Lei n. 8.069/90, art. 148, VII, parágrafo único, e; RF, 197:247); em ambas as hipóteses o menor terá de ter 16 anos completos. Também nesse caso, pela Lei n. 6.015/73, art. 91 e parágrafo único, o juiz ao conceder emancipação deverá comunicá-la, de ofício, ao oficial do registro, se não constar dos autos haver sido efetuado este dentro de 8 dias, pois cabe ao interessado promover tal registro, já que antes dele a emancipação não produzirá efeito (CC, art. 9a, II)113; b) casamento, pois não é plausível que fique sob a autoridade de outrem quem tem condições de casar e constituir família114; assim, mesmo que haja anulação do matrimônio, viuvez, separação ou divórcio, o emancipado por esta forma não retoma à incapacidade; c) exercício de emprego público, por funcionários nomeados em caráter efetivo (não abrangendo diaristas e contratados), com exceção de funcionários de autarquia ou entidade paraestatal, que não são alcançados pela emancipação115. Mas há quem ache que servidor de autarquia, fundação pública e paraestatal tem cessada a incapacidade. Quem exercer função pública em cargo de confiança, em comissão, ou interinamente, ou, ainda, em T e o r ia G e r a l d o D i r e i t o C iv il 113. W. Barros Monteiro (op. cit., v. 1, p. 71) esclarece que se pode denegar a emancipação: a) se através dela se colima outro fim que não seja o interesse do emancipado (RT, 197:247); b) se este não possui o necessário discernimento para reger sua pessoa e administrar seus bens (RT, 134:138; RF, 195:243); c) se o emancipado não fundamenta o pedido e ignora fatos essenciais sobre seus haveres, como a qualidade e quantidade (RT, 287:289, 298:171); d) se a emancipação é requerida com a exclusiva finalidade de liberar bens clausulados até a maioridade (RT, 179:791). As emancipações voluntária e judicial deverão ser registradas em livro próprio do Ia Ofício do Registro Civil da Comarca do domicílio do menor (CC, art. 9a, II; LRP, arts. 91, parágrafo único, e 107, § Ia). Se a concessão patemo-matemal se impossibilitar por falta de acordo dos genitores, a emancipação poderá dar-se com o suprimento judicial (CC, arts. 1.638, parágrafo único, 1.517 e 1.519). Consulte: João Teodoro da Silva, Poder familiar: emancipação de menor pelos pais e art. 1.631 do Código Civil, Revista Brasileira de Direito de Família, 26:144. 114. W. Barros Monteiro, op. cit., v. 1, p. 71; RT, 182:743. 115. W. Barros Monteiro, op. cit., v. 1, p. 72; RT, 98:523; RF, 161:713; Súmula 14 do STF; Leis n. 1.711/52, art. 22, II; 8.112/90, arts. 3B, 5a, V, e 9a. Efetividade não é estabilidade, pois esta só se adquire depois da efetividade. 220 razão de contrato temporário (CF, art. 37, IX; Lei n. 8.112/90, arts. 3a e 9a), não adquirirá capacidade. Diarista e contratado não serão emancipados por força de lei (RF, 161:713; RT, 98:523; Súmula 14 do STF e Lei n. 1.711/52, art. 22, II; Lei n. 8.112/90, art. 5a, V). O exercício de emprego público efetivo gera presunção de um grau de amadurecimento incompatível com a manutenção da incapacidade; d) colação de grau em curso de ensino superior, embora, nos dias atuais, dificilmente alguém se emancipará por essa forma, dada a extensão do ensino médio e superior (RF, 161:713); e) estabelecimento civil (p. ex., exposição de obra de arte numa galeria, por artista plástico menor, que, por isso, recebe remuneração) ou empresarial (p. ex., compra de produto feita por menor para revenda, obtendo lucro) ou pela existência de relação de emprego (p. ex., prática de desporto profissional ou atuação como artista em emissora de televisão ou rádio), desde que, em função deles, o menor com 16 anos completos tenha economia própria, conseguindo manter-se com os rendimentos auferidos, sendo, portanto, injustificável a manutenção de sua incapacidade e de um poder familiar, porque é sinal de que a pessoa tem amadurecimento e experiência, podendo reger sua própria pessoa e patrimônio, sendo ilógico que para cada ato seu houvesse uma autorização paterna ou materna116. A emancipação legal funda-se nos casos arrolados nos incisos II a V, do parágrafo único do art. 5a. Pelo art. 73 da Lei n. 4.375/64, reproduzido pelo Decreto n. 57.654/66, art. 239: "Para efeito de serviço militar cessará a incapacidade civil do menor na data em que completar 17 anos". C u r s o u e D i r e i t o C iv i l B r a s i l e ir o 116. RT, 117:565; Silvio Rodrigues, op. cit., v. 1, p. 89; W. Barros Monteiro, op. cit., v. 1, p. 72; Fábio Ulhoa Coelho, Curso, cit., v. 1, p. 168; Rubens Requião, Curso de direito comercial, São Paulo, Saraiva, 1998, v. 1, p. 85-6; Fabricio Matiello, Código Civil comentado, São Paulo, LTr, 2003, p. 26. Vide CLT, arts. 439, 440, 428, 58-A; CC, art. 198,1; Lei de Falências, art. 75 a 160; Decreto n. 6.939/2009, aits. 17, III, e 108. Sobre serviço militar: Lei n. 8.239/91; Portaria n. 3.656/94 do COSEMI, que altera o Regulamento do Serviço Alternativo ao Serviço Militar Obrigatório; Decretos n. 1.294/94 e 1.295/94; Decreto n. 2.057/96, que alterou o art. 27, § 3a, do Decreto n. 63.704/68, e Lei n. 12.336/2010, que modificou as Leis n. 4.375/64 e 5.292/67, que versa sobre prestação do serviço militar por estudantes de Medicina, Farmácia, Odontologia e Veterinária e pelos médicos, farmacêuticos, dentistas e veterinários e Resolução n. 4/2004 da Comissão Nacional de Residência Médica sobre a reserva de vaga para médico-residente que preste serviço militar. A emancipação legal, advinda de casamento, emprego público, colação de grau e estabelecimento civil ou comercial, independe de registro para a produção de efeitos jurídicos. 221 T e o r ia G e r a l d o D i r e i t o C iv il D. C o m e ç o d a p e r s o n a l i d a d e n a t u r a l Imprescindível se toma traçar algumas linhas sobre o início da personalidade natural. No direito civil francês e holandês (art. 3a) não basta o nascimento com vida; é necessário que o recém-nascido seja viável, isto é, apto para a vida117. Se nascer com vida sua capacidade remontará à concepção. O direito civil espanhol (art. 30) exige que o recém-nascido tenha forma humana e que tenha vivido 24 horas, para que possa adquirir personalidade. O direito português também condicionava à vida a figura humana (art. 6a). Para o argentino (art. 7fi) e o húngaro (seção 9) a concepção já dá origem à personalidade. O nosso Código Civil afastou todas essas hipóteses, que originavam incertezas, dúvidas, pois, no seu art. 2a, não contemplou os requisitos da viabilidade e forma humana, afirmando que a personalidade jurídica inicia-se com o nascimento com vida, ainda que o recém-nascido venha a falecer instantes depois. Nessa mesma linha estão o Código Civil suíço (art. 31); o português de 1966 (art. 6 6 ,1); o alemão (art. I 2) e o italiano (art. I a). Pela Resolução n. 1/88 do Conselho Nacional de Saúde, o nascimento com vida é a "expulsão ou extração completa do produto da concepção quando, após a separação, respire e tenha batimentos cardíacos, tendo sido ou não cortado o cordão, esteja ou não desprendida a placenta". Conquanto comece do nascimento com vida (RJ, 172:99) a personalidade civil da pessoa, a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro (CC, arts. 2fl, 1.609, parágrafo único, 1.779 e parágrafo único, e 1.798; Lei n. 11.105/2005, arts. 6a, III, e 25), como o direito à vida (CF, art. 5a), à filiação (CC, arts. 1.596 e 1.597), à integridade física, à honra e à imagem (TJSP, Ap. Cível n. 406.855.4/6-00 — rei. Des. Benedito Silvério); a alimentos (Lei n. 11.804/2008; RT, 650:220; RJTJSP, 150:90-6), a uma adequada assistência pré-natal (ECA, art. 8a), à representação (CC, arts. 542, 1.630, 1.633, 1.779, parágrafo único; CPC, arts. 877 e 878, parágrafo único), a um curador que o represente e zele pelos seus interesses (CC, arts. 542, 1.779 e parágrafo único; CPC, arts. 877 e 878, parágrafo único) em caso de incapacidade ou impossibilidade de seus genitores de receber herança (CC, arts. 1.784, 1.798, 1.799, I, e 1.800, § 3a), a ser contemplado por doação (CC, art. 542), a ser adotado (CC, art. 1.621; ECA, art. 2a), a ser reconhecido como 117. De Page, Traité êlêmentaire, v. 1, n. 236. 222 C u r s o d e D i r e i t o C i v i l B r a s i l e ir o filho (CC, art. 1.609, parágrafo único; ECA, art. 26), a ter legitimidade ativa na investigação de paternidade (Lex, 150:90); RT, 625:172-8) etc. Poder- -se-ia até mesmo afirmar que na vida intrauterina tem o nascituro e na vida extrauterina tem o embrião, concebido in vitro, personalidade jurídica formal, no que atina aos direitos da personalidade, visto ter carga genética diferenciada desde a concepção, seja ela in vivo ou in vitro (PL n. 699/2011, art. 2a; Recomendação n. 1.046/89, n. 7, do Conselho da Europa; Pacto de São José da Costa Rica, art. 4a, I; Resolução do CFM n. 1.957/2010, Seções IV, n. 3, V, VI), passando a ter personalidade jurídica material, alcançando os direitos patrimoniais (RT, 593:258) e obrigacionais, que se encontravam em estado potencial, somente com o nascimento com vida (CC, art. 1.800, § 3a). Se nascer com vida adquire personalidade jurídica material, mas se tal não ocorrer nenhum direito patrimonial terá118. P. ex.: suponhamos o caso de um 118. Torrente, Manuale di diritto privato, p. 51, nota 2; Planiol, Traité êlêmentaire de droit civil, v. 1, p. 150; RT, 182:438. Ante as novas técnicas de fertilização in vitro e do congelamento de embriões humanos (usual na Austrália), houve quem levantasse o problema relativo ao momento em que se deve considerar juridicamente o nascituro, entendendo-se que a vida tem início, naturalmente, com a concepção no ventre materno. Assim sendo, na fecundação na proveta, embora seja a fecundação do óvulo, pelo espermatozóide, que inicia a vida, é a nidação do zigoto ou ovo que a garantirá; logo, o nascituro só será, para alguns juristas, "pessoa" quando o ovo fecundado for implantado no útero materno, sob a condição do nascimento com vida. O embrião humano congelado não pode ser tido como nascituro e deve ter proteção jurídica como pessoa virtual, com uma carga genética própria. Embora a vida se inicie com a fecundação, e a vida viável, com a gravidez, que se dá com a nidação, entendemos que o início legal da personalidade jurídica é o momento da penetração do espermatozóide no óvulo, mesmo fora do corpo da mulher, pois os direitos da personalidade, como o direito à vida, à integridade física e à saúde, independem do nascimento com vida. Por isso, a Lei n. 8.974/95, ora revogada, nos arts. 8a, n, III e IV, e 13, veio a reforçar, em boa hora, essa ideia não só ao vedar: a) manipulação genética de células germinais humanas; b) intervenção em material genético humano in vivo, salvo para o tratamento de defeitos genéticos; c) produção, armazenamento ou manipulação de embriões humanos destinados a servir como material biológico disponível, como também ao considerar tais atos como crimes, punindo-os severamente. Com sua revogação pela Lei n. 11.105/2005, passou a ser permitida, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro, desde que sejam inviáveis ou estejam congelados há três anos ou mais, havendo consentimento dos seus genitores (art. 5a, I, n, e § Ia) e aprovação do projeto, para tal fim, pelo Comitê de ética em pesquisa (art. 5a, § 2a), sob pena de detenção de um a três anos e multa (art. 24). Tal permissão, no nosso entender, sem embargo da decisão do STF, em sentido contrário, viola o direito à vida, o direito à imagem científica (DNA) e o princípio do respeito à dignidade da pessoa humana, consagrados constitucionalmente. Pela novel Lei de Biossegurança, proibida está a engenharia genética em embrião humano (art. 6a, III, in fine), sob pena de reclusão 223 T e o r ia G e r a l d o D ir e i t o C iv il de um a quatro anos e multa (art. 25). Com isso, paiece-nos que a razão está com a teoria concepcionista, uma vez que o Código Civil resguarda desde a concepção os direitos do nascituro, e, além disso, no art. 1.597, IV, presume concebido na constância do casamento o filho havido, a qualquer tempo, quando se tratar de embrião excedente, decorrente de concepção artificial heteróloga. Protegidos estão os direitos da personalidade do embrião, fertilizado in vitro, e do nascituro. O embrião goza do benefício da presunção de filiação (CC, art. 1.597, IV). E, além disso, com a fusão dos gametos (masculino e feminino), determinam-se os caracteres do novo ser humano, surgindo, então, a pessoa, enquanto sujeito de direito. Não distinguimos o concebido in vivo do obtido in vitro. Apenas os efeitos de direitos patrimoniais, como o de receber doação ou herança, dependem do nascimento com vida. Em boa hora veio a seguinte proposta do Projeto de Lei n. 6.960/2002 (hoje PL n. 699/2011), alterando o art. 22 do Código Civil, considerando o embrião como sujeito de direito: "A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do embrião e os do nascituro". O Parecer Vicente Arruda rejeitou tal proposta alegando: "A introdução do termo embrião, que certamente está contido no conceito de nascituro, só pode pretender assegurar o direito ao embrião concebido fora do útero materno. Parece-nos, a bem da prudência, que a matéria deva ser tratada em legislação especial, a ser elaborada com todo o critério, porquanto a matéria envolve inúmeros aspectos técnicos e éticos que refogem ao direito. Colocá-la, desde já, no Código, seria temerário, haja vista as conseqüências jurídicas que daí adviriam, como, por exemplo, as atinentes ao direito sucessório". A Resolução n. 1.957/2010, do CFM, apresenta normas éticas para a utilização de técnicas de reprodução assistida. Sobre o assunto: Silmara J. A. Chinelato e Almeida, Direitos de personalidade do nascituro, Revista do Advogado, 38:21-30; O nascituro no Código Civil e no nosso direito consütuendo, in O direito de família e a Constituição Federal de 1988, coord. Bittar, São Paulo, Saraiva, 1989, p. 39-52; Início da personalidade da pessoa natural no projeto do Código Civil brasileiro, Rev. do Instituto dos Advogados de São Paulo, 1997, número especial de lançamento, p. 78-91; Pessoa natural e novas tecnologias, RIASP, n. 27:45 a 56; Francisco Amaral, O nascituro no direito civil brasileiro, contribuição do direito português, Revista Brasileira de Direito Comparado, 8:75-89; Thereza Baptista de Mattos, A proteção do nascituro, Revista de Direito Civil, 52:30-7; M. H. Diniz, Reflexões sobre a problemática das novas técnicas científicas de reprodução humana assistida e a questão da responsabilidade civil por dano moral ao embrião e ao nascituro, Livro de Estudos Jurídicos, 8:207-31,1994; A ectogênese e seus problemas jurídicos, Direito, 1:89-100, O estado atual do biodireito, São Paulo, Saraiva, 2000, p. 21-127, 405-16, 452-500; P. Stolze Gagliano e R. Pamplona Fa, Novo curso, cit., v. 1, p. 93; Euclides Benedito de Oliveira, Indenização por danos morais ao nascituro, O direito civil no século XXI, p. 145 a 167; William A. Pussi, Personalidade jurídica do nascituro, Curitiba, Juruá, 2006. Sobre adoção de nascituro: Fernando Hinestrosa, La adopdón en Colombia: el sistema dei Código y las reformas más recientes, Studi Sassaresi, série 3, 7 (1979-1980), p. 436. A Lei n. 8.069/90 também traça normas (arts. 7a a 10; 208, VI; 228 e parágrafo único; e 229 e parágrafo único) de proteção ao nascituro, assegurando certos direitos à gestante. O Código Penal, por sua vez, veda o aborto nos arts. 124 a 127, permitindo-o, no art. 128,1 e II, apenas se não houver outro méio de salvar a vida da gestante ou se a gravidez resultou de estupro, desde que haja anuência da gestante ou, se incapaz, de seu representante legal. Atualmente há projeto de lei liberando aborto terapêutico em mulheres grávidas portadoras de Aids, desnecessário, no nosso entender, por já estar, insitamente, incluído no art. 128 do Código Penal. Vide ainda: RT, 625:172; RJTJRS, 104:418; RJTJSP, 217:214. Nascituro pode ser sujeito passivo do imposto de transmissão inter vivos (doação) e causa mortis (STF, Súmulas 112, 113, 114, 115 e 331; CTN, arts. 35, parágrafo único; 121,1 [contribuinte é o nascituro], e 134,1 224 C u r s o d e D i r e i t o C iv il B r a s i l e ir o homem que, recentemente casado pelo regime de separação de bens, faleça num desastre, deixando pais vivos e viúva grávida. Se nascer morto, o bebê não adquire personalidade jurídica e, portanto, não recebe nem transmite a herança de seu pai, que ficará com os avós paternos, pois em nosso direito a ordem da vocação hereditária é: descendentes em concorrência com cônjuge sobrevivente, ascendentes em concorrência com consorte, cônjuge sobrevivente, colaterais até o 4° grau (CC, art. 1 .8 2 9 ,1 a IV) e o Município, Distrito Federal ou União havendo declaração de vacância da herança (CC, art. 1.822). Se nascer vivo, receberá a herança e, se por acaso vier a falecer logo em seguida, a herança passará a sua mãe, provando-se o seu nascimento com vida pela demonstração de presença de ar nos pulmões119. É necessário dizer, ainda, que todo nascimento deve ser registrado (Lei n. 6.015/73, arts. 29, I (com redação do Decreto n. 6.828/2009), 50 e 53; Lei n. 9.053/95; CC, art. 92, I; CF, art. 52, LXXVI, a; RT, 750:362, 835:206), mesmo que a criança tenha nascido morta ou morrido durante o parto (LRP, art. 53 e § 2fl). Se for natimorta o assento será feito no livro "C Auxiliar" (Lei n. 6.015/73, art. 33, V), contendo os elementos arrolados no art. 54 da referida lei, com alteração do item 92 feita pela Lei n. 9.997/2000, que exie II [responsáveis são os pais ou curador]). Pelo CDC (arts. 22, 17, 29, 62,1 e VI) pode haver responsabilidade civil por danos causados por acidente de consumo ou na prática da medicina fetal. Nada impede que o nascituro seja beneficiário de seguro de vida ou de estipulação em favor de terceiro. É preciso lembrar que desde Justlniano há uma certa consideração ao nascituro, como se pode ver no brocardo: “infans conceptus pro jam nato habetur quoties de ejus commodis agitur”. 119. Bassil Dower, op. cit., v. 1, p. 53-4; Antônio Chaves, Tratado de direito civil, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1982, v. 1, t. 1, p. 316. Pelo Enunciado n. 1 do Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal: "A proteção que o Código defere ao nascituro alcança o natimorto no que concerne aos direitos da personalidade, tais como nome, imagem e sepultura". E acrescenta o referido Centro, no Enunciado n. 2, que: "Sem prejuízo dos direitos da personalidade, nele assegurados, o art. 2a do Código Civil não é sede adequada para questões emergentes da reprogenética humana, que deve ser objeto de um estatuto próprio". Como sujeito de direito, para alguns doutrinadores, é gênero e pessoa é espécie, nem todo sujeito de direito é pessoa, embora toda pessoa seja sujeito de direito. Sujeito de direito é o titular dos interesses em sua forma jurídica e pode ser personificado ou despersonificado. O sujeito de direito despersonificado, apesar de não ser pessoa, é titular de direitos e deveres, como o nascituro. O embrião in vitro e não implantado in utero é sujeito ou objeto de direito? Seria "coisa" de propriedade comum do casal encomendante? Só com a implantação no útero seria sujeito de direito despersonificado? Sobre isso consulte: Fábio Ulhoa Coelho, Curso, cit., v. 1, p. 137-54. Para nós, repetimos, nascituro e embrião in vitro ou in utero são pessoas. 225 T e o r ia G e r a l d o D i r e i t o C iv il ge indicação de nomes e prenomes, da profissão e da residência das duas testemunhas do assento, quando se tratar de parto ocorrido sem assistência médica em residência ou fora de unidade hospitalar ou casa de saúde. Se morreu por ocasião do parto, tendo respirado, serão feitos dois registros: o de nascimento e o de óbito (Lei n. 6.015/73, art. 53, §§ I a e 2ffl). O registro de nascimento é uma instituição pública destinada a identificar os cidadãos, garantindo o exercício de seus direitos. Todo nascimento que ocorre no território nacional deve ser dado a registro, no local onde se deu o parto ou no da residência dos pais. O art. 52 da Lei n. 6.015/73 apresenta uma ordem sucessiva dos que têm a obrigação de fazer a declaração de nascimento. Em regra, é o pai; em sua falta ou impedimento, a mãe, dentro do prazo de 15 dias. Se houver distância maior de 30 km do cartório, tal prazo será ampliado em até 3 meses (Lei n. 9.053/95, que altera o art. 50 da Lei n. 6.015/73). No impedimento de ambos, cabe ao parente mais próximo, desde que maior; na falta deste, aos administradores de hospitais, médicos, parteiras, que tiverem assistido o parto ou pessoa idônea da casa em que ocorrer, sendo fora da residência da mãe; finalmente, as pessoas encarregadas da guarda do menor. Essas pessoas terão o mesmo prazo da mãe, a contar do momento em que souberam do impedimento120. 120. Walter Ceneviva, A Lei dos Registros Públicos, São Paulo, Saraiva, 1979, p. 108 e s. Regnoberto M. de Melo Jr., Lei de registros públicos, Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 2003. "Anulação de registro de nascimento. Procedência. Paternidade excluída por perícia. Cumulação admitida da ação com outra de anulação de casamento. Art. 292 do Código de Processo Civil. Sentença transitada em julgado. Decisão relativa ao assento não sujeita ao duplo grau de jurisdição. Recurso de ofício não conhecido. Procedência. Admissibilidade. Casamento assumido dada a imputação de paternidade que, após, firmada ser de outrem. Dubiedade de postura que configura erro essencial sobre a pessoa do outro cônjuge. Recurso não provido" (AC 73.743-4/4, TJSP, rei. Des. Fonseca Tavares, j. 11-3-1999, DJ SP 1 12-5-1999). A Lei n. 9.465/97 dispõe sobre o fornecimento gratuito de registro extemporâneo de nascimento, se destinado à obtenção de Carteira de Trabalho e Previdência Social. Vide Lei n. 6.015/73, arts. 52, § 1E, e 46; Lei n. 7.844/89, que disciplinou o art. 52, LXXVI, da Constituição Federal de 1988 e alterou o art. 30 da Lei n. 6.015/73, que, ante a Lei n. 9.534/97, passou a vigorar com a seguinte redação: "Art. 30. Não serão cobrados emolumentos pelo registro civil de nascimento e pelo assento de óbitos, bem como pela primeira certidão respectiva. § Ia Os reconhecidamente pobres estão isentos de pagamento de emolumentos pelas demais certidões extraídas pelo cartório de registro civil. § 2a O estado de pobreza será comprovado por declaração do próprio interessado ou a rogo, tratando-se de analfabeto, neste caso acompanhada da assinatura de duas testemunhas. § 3a A falsidade da declaração ensejará a responsabilidade civil e criminal do interessado". C u r s o d e D i r e i t o C iv il B r a s i l e ir o E. I n d i v i d u a l i z a ç ã o d a p e s s o a n a t u r a l A identificação da pessoa se dá pelo nome, que a individualiza; pelo estado, que define a sua posição na sociedade política e na família, como indivíduo; e pelo domicílio, que é o lugar de sua atividade social121. Id e n tific a ç ã o d a p e s s o a n a tu r a l c. N o m e D o m icílio E s ta d o A Lei n. 11.789, de 2 de outubro de 2008, proíbe a inserção nas certidões de nascimento e de óbito de expressões indicativas de condição de pobreza ou semelhantes, acrescentando § 4a ao art. 30 da Lei n. 6.015/73. Vide Provimento n. 494/93, arts. 8a a 12, e Provimento CGJ n. 7/96. As Leis n. 9.534/97 e 11.789/2008 alteraram também o art. 45 da Lei n. 8.935/94, que passa a ter a seguinte redação: "Art. 45. São gratuitos os assentos do registro civil de nascimento e o de óbito bem como a primeira certidão respectiva. § Ia Para os reconhecidamente pobres não serão cobrados emolumentos pelas certidões a que se refere este artigo. § 2a É proibida a inserção nas certidões de que trata o § Ia deste artigo de expressões que indiquem condição de pobreza ou semelhantes". E as Leis n. 10.215/2001 e 11.790/2008 deram nova redação ao art. 46 da Lei n. 6.015/73. Pelo Decreto n. 6.828/2009, que regulamentou o art. 29 da Lei n. 6.015/73, a certidão de nascimento deverá estar em papel com detalhes nas cores azul, verde e amarela. O número da Declaração de Nascido Vivo (DNV), quando houver, poderá ser lançado em campo próprio da certidão de nascimento. Um sistema optativo e informatizado, emitido gratuitamente, on line deverá ser implantado nas matemidades para emissão de certidão de nascimento assim que houver alta do hospital para as mães, com o escopo de erradicar o sub-registro. A Portaria Interministerial n. 3/2010 (da Secretaria de Direitos Humanos e do Ministério da Justiça) estabelece o modelo da certidão de nascimento, inclusive se emitida por meio de sistema informatizado de registro eletrônico. Pelo Provimento CG n. 16/2011, o item 32.2 da Seção III do Capítulo XVII das Normas de Serviço da Corregedoria-Geral da Justiça passa a ter a seguinte redação: "A emissão de certidão de nascimento nos estabelecimentos de saúde que realizam partos devem obedecer ao disposto no Provimento n. 13 do Conselho Nacional de Justiça". 121. Orlando Gomes, Introdução ao direito civil, 3. ed., Rio de Janeiro, Forense, 1971, p. 139; Figini, Leitão e Silva, Jobim, Silveira Costa e M, da Silva, Identificação humana, Campinas, MiUennium, 2008; v. 1 e 2. Vide Lei n. 9.049/95, que faculta o registro, nos documentos pessoais de identificação, das informações que especifica, tais como 227 T e o r ia G e r a l d o D i r e i t o C iv il e.l. Nome O nome integra a personalidade por ser o sinal exterior pelo qual se designa, se individualiza e se reconhece a pessoa no seio da família e da sociedade; daí ser inalienável, imprescritível e protegido juridicamente (CC, arts. 16, 17, 18 e 19)122. O aspecto público do direito ao nome decorre do fato de estar ligado ao registro da pessoa natural (Lei n. 6.015/73, arts. 54, n. 4, e 55), pelo qual o Estado traça, princípios disciplinares do seu exercício, determinando a imutabilidade do prenome (Lei n. 6.015, art. 58), salvo exceções expressamente admitidas, e desde que as suas modificações sejam precedidas de justificação e autorização de juiz togado (Lei n. 6.015/73, arts. 56, 57 (com alteração da Lei n. 12.100/2009) e 58)123. E o aspecto individual manifesta-se na número e data de validade daqueles documentos, tipo sanguíneo, disposição de doação de órgãos em caso de morte etc. Resolução n. 84, de 17 de novembro de 2010, que aprova a versão 3.2 do DOC-ICP-04 e a versão 3.5 do DOC-ICP-05, cujas alterações se referem aos procedimentos para a emissão de certificados digitais que integram o Documento de Registro de Identidade Civil-RIC. 122. W. Barros Monteiro, op. cit., v. 1, p. 92; Caio M. S. Pereira, Instituições, cit., v. 1, p. 215; Orlando Gomes, op. cit., p. 159; R. Limongi França, Do nome civil das pessoas naturais, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1975; José Roberto Neves Amorim, Direito ao nome da pessoa física, São Paulo, Saraiva, 2003; Euclides de Oliveira, Direito ao nome, in Novo Código Civil — questões controvertidas, Mário Luiz Delgado e Jones Figueirêdo Alves (orgs.), São Paulo, Método, 2004, v. 2, p. 67-88. O nome é o único direito de. personalidade reconhecido pelo Código alemão (art. 12) (Oertmann, Introducción al derecho civil, p. 73). W. Barros Monteiro (op. cit., v. 1, p. 93 e 94) apresenta-nos a história do nome, que assim resumimos: entre os gregos era único e individual (Sócrates, Platão). Os hebreus individualizavam o indivíduo ligando ao seu nome o do genitor (Bartolomeu, filho de Tolomeu); o mesmo ocorre entre os árabes (Ali Ben Mustafá, Ali, filho de Mustafá) e russos (Alexandre Markovicz, Alexandre, filho de Marcos; Nádia Petrovna, Nádia, filha de Pedro), romenos (Popesco, filho de Pope) e ingleses (Stevenson, filho de Steve). Os romanos acrescentavam ao nome o gentílído, usado pelos membros da mesma gens, o prenome, próprio de cada pessoa, e o cognome, que apontava sua família: Marco Túlio Cícero: Marco (prenome), Túlio (gentilício) e Cícero (cognome), sendo o cognome só usado pelos homens. Nomes com três elementos eram peculiares ao patriciado; com dois ou um, como Espártaco, indicava a plebe. Com as conquistas romanas, adotou-se o seu sistema, mas, com a invasão dos bárbaros, retornou-se ao nome único. Ante a grande população, para evitar confusão entre as pessoas, recorreu-se ao emprego de um sobrenome tirado de qualidade ou sinal pessoal (Bravo, Leal), da profissão (Monteiro), do lugar de nascimento (França), de algum animal, planta ou objeto (Coelho, Lobo, Oliveira, Carvalho, Leite), do nome patemo, em genitivo (Lourenço Marques, Lourenço, filho de Marco). 123. É o que ensina Caio M. S. Pereira (Instituições, cit., v. 1, p. 217). 228 C u r s o d e D i r e i t o C iv il B r a s il e ir o autorização que tem o indivíduo de usá-lo, fazendo-se chamar por ele, e de defendê-lo de quem o usurpar, reprimindo abusos cometidos por terceiros, que, em publicação ou representação, o exponham ao desprezo público ou ao ridículo mesmo que não tenham intenção difamatória (CC, art. 17). Assim, p. ex., se alguém usar nome alheio em rádio, internet, livro, TV etc., ridicularizando-o, o lesado poderá pleitear indenização, mesmo que não tenha havido intuito difamatório por parte do lesante. Com isso tutela-se também a honra objetiva. É vedada a utilização sem autorização, de nome alheio em propaganda comercial, promovendo venda de bens ou serviços (art. 18 do CC), por gerar enriquecimento indevido, ou então, com o intuito de obterem proveito político, artístico, eleitoral, ou até mesmo religioso124. Essa proteção jurídica cabe também ao pseudônimo (nome fictício — RT, 823:190) ou codinome (CC, art. 19) adotado, para atividades lícitas, por literatos e artistas, dada a importância de que goza, por identificá-los no mundo das letras e das artes125, mesmo que não tenham alcançado a notoriedade (.RJTJSP, 232-.234). Pseudônimo é portanto comum nos meios literários e artísticos. P. ex.: Tristão de Ataíde (Alceu Amoroso Lima); Gabriela Mistral (Lucila Godoy Alacayaga), Di Cavalcanti (Emiliano de Albuquerque Melo); José Samey 0osé Ribamar Ferreira de Araújo); Xuxa (Maria das Graças Meneghel), Sílvio Santos (Senor Abravanel), Cora Coralina (Ana Lins dos Guimarães Peixoto Bretas); 124. Orlando Gomes, op. cit., p. 164; Caio M. S. Pereira, op. cit., v. 1, p. 217. 125. Oertmann, op. cit., p. 76; Caio M. S. Pereira, Instituições, cit., v. 1, p. 218; Orlando Gomes, op. cit., p. 165. Vide Lei n. 4.944/66. Vide]uan M. Semon, El derecho al seudónimo, p. 87; Tereza Rodrigues Vieira, Da mudança do nome, dissertação de mestrado apresentada na PUCSP, 1989; Direito à adequação de sexo de transexual, Repertório IOB de Jurisprudência, n. 3/96, p. 51 e s.; Marcelo Guimarães Rodrigues, Do nome civil, RT, 765:756. Similar ao pseudônimo é o nome religioso (Pio XII para Eugênio Pacelli) e o nome de guerra, usado por agentes da militância bélica (p. ex., Mata Hari). Podem-se usar siglas do nome para reconhecimento de certas pessoas (p. ex., PC para Paulo César Farias). É a lição de Euclides de Oliveira, Direito ao nome, Revista IASP, 11:199. Já se decidiu que: "Direito civil — Uso de pseudônimo — 'Tiririca' — Exclusividade — Inadmissibilidade. I — O pseudônimo goza da proteção dispensada ao nome, mas, por não estar configurado como obra, inexistem direitos materiais e morais sobre ele. II — O uso contínuo de um nome não dá ao portador o direito ao seu uso exclusivo. Incabível a pretensão do autor de impedir que o réu use o pseudônimo 'Tiririca', até porque já registrado, em seu nome, no INPI. IV — Recurso especial não conhecido" (STJ, 3a T., REsp 555.483/SP, relator Min. Antônio de Pádua Ribeiro, j. 14-10-2003, DJ, 10-11-2003). 229 T e o r ia G e r a l d o D i r e i t o C iv il Brigitte Bardot (Camile Javal); Zeca Pagodinho (Jessé Gomes da Silva Filho); Lima Duarte (Ariclenes Martins); Molière 0ean-Baptiste Poquelin); Stendhal (Henry Beyle); Anatole France 0acques Anatole François Thibault); Malba Tahan (Júlio César de Melo e Souza) etc. Já o heterônimo consiste em nomes diferentes usados pela mesma pessoa; p. ex., Fernando Pessoa apresentava-se como Ricardo Reis, Álvaro de Campos e Alberto Carneiro. Em regra, dois são os elementos constitutivos do nome: o prenome, próprio da pessoa, e o patronímico, nome de família ou sobrenome, comum a todos os que pertencem a uma certa família (CC, art. 16) e, às vezes, tem-se o agnome, sinal distintivo que se acrescenta ao nome completo (filho, júnior, neto, sobrinho) para diferenciar parentes que tenham o mesmo nome, não sendo usual, no Brasil, a utilização de ordinais para distinguir membros da mesma família, p. ex.: Marcos Ribeiro Segundo, embora haja alguns exemplos desse uso entre nós. Temos, ainda, o agnome epitético acrescentado ao nome por terceiro para indicar alguma qualidade do seu portador, que não tem qualquer valia jurídica, p. ex., Paulo José Santiago, o velho; Paulo José Santiago, o moço; João Silvério, o calvo, mas, às vezes, pode gerar responsabilidade civil e penal por ofensa à honra ou por injúria, se a pessoa à qual se impôs tal agnome sentir-se lesada. Lembra Sílvio de Salvo Venosa que ao lado desses elementos essenciais há os secundários como: a) títulos nobiliárquicos ou honoríficos, p. ex.: conde, duque, comendador, apostos antes do prenome, denominados axiônios; b) títulos eclesiásticos, como cardeal, monsenhor, padre-, c) qualificativos de dignidade ou identidade oficial como senador, juiz, prefeito etc.; d) títulos acadêmicos e científicos, como mestre e doutor, e e) formas de tratamento de cortesia ou de reverência como Vossa Santidade, Vossa Senhoria, Vossa Excelência, Meritíssimo etc., chamadas axiônimos. Alcunha ou epíteto é a designação dada a alguém devido a uma particularidade sua (trabalho exercido, característica da personalidade, defeito físico ou mental, aparência física, local de nascimento etc.). P. ex.: Tiradentes, Fujão, Aleijadinho, Pelé, podendo agregar-se de tal sorte à personalidade da pessoa que, se não for jocoso, pode ser acrescentado, sob certas condições, ao nome da pessoa, como fez o Lula116. Hipocorístico é o nome que se 126. W. Barros Monteiro, op. cit., p. 95; Orlando Gomes, op. cit., p. 159 e 161; Venosa, op. cit., p. 156 e 157; JB, 130:138 e 151. 230 C u r s o d e D i r e i t o C iv il B r a s i l e ir o dá a uma pessoa para exprimir carinho: Mila (Emília); Nando (Fernando); Betinho (Roberto); Bel (Isabel); Quinzinho (Joaquim); Tião (Sebastião); Tonico (Antônio), Filó (Filomena); Zé (José) etc. Nome vocatório é aquele pelo qual a pessoa é conhecida, abreviando-se seu nome completo, p. ex., Olavo Braz Martins dos Guimarães Bilac era e é conhecido como Olavo Bilac, ou, até mesmo, fazendo uso de siglas como PC para Paulo César Farias. O prenome pode ser simples (João, Carlos, Maria) ou duplo (José Antônio, Maria Amélia) ou ainda triplo ou quádruplo, como se dá em famílias reais (Caroline Louise Marguerite, princesa de Mônaco; Pedro de Alcântara João Carlos Leopoldo Salvador Bibiano Francisco Xavier de Paula Leocádio Miguel Gabriel Rafael Gonzaga (D. Pedro II, imperador do Brasil). O prenome pode ser livremente escolhido, desde que não exponha o portador ao ridículo, caso em que os oficiais do Registro Público poderão recusar-se a registrá-lo. Se os pais não se conformarem com a recusa do oficial, este submeterá por escrito o caso, independente da cobrança de quaisquer emolumentos, à decisão do juiz competente (Lei n. 6.015/73, art. 55, parágrafo único). Ao prenome de certas pessoas, em países aristocráticos, ligam-se títulos de nobreza, para designar os membros das famílias nobres. Casos há, como vimos, que se acrescentam ao prenome títulos acadêmicos ou qualificações de dignidade oficial, como professor, doutor, desembargador etc.127. O sobrenome é o sinal que identifica a procedência da pessoa, indicando sua filiação ou estirpe, sendo, por isso, imutável, podendo advir do apelido de família paterno, materno ou de ambos. Pode ser simples (Silva, Ribeiro) ou composto (Araújo Mendes, Alcântara Machado, Souza Mello), podendo ser acompanhado das partículas de, do, da, dos e das, que dele fazem parte, indicando, às vezes, procedência nobre128. 127. Orlando Gomes, op. cit., p. 160 e 161. 128. W. Barros Monteiro, op. cit., v. 1, p. 95 e 96. TJSC, AC 2008.035688-4, da Capital/ Distrital do Norte da Hha, rei. Des. Subst. Joel Dias Figueira Júnior, j. 29-7-2008: "Apelação cível. Pedido de autorização de registro civil de recém-nascido. Inclusão de apenas um dos patronímicos do genitor. Possibilidade. Ascendência familiar preservada. Exegese dos arts. 54 e 55 da Lei de Registros Públicos e art. 16 do Código Civil. Recurso conhecido e provido. I — A autonomia da vontade é, universalmente, um dos princípios basilares do direito civil de origem romano-canônica (civil law), desde que sintonizado com a norma de regência e não viole a ordem pública e os bons costumes. Em outros termos, verifica-se a permissão em todos os sistemas nomoempíricos 231 T e o r ia G e r a l d o D i r e i t o C iv il prescritivos à prática de atos ou omissões que não sejam proibidos por lei ou não afrontem a ordem pública e os bons costumes. Por outro lado, é regra comezinha de hermenêutica jurídica a não distinção ou restrição pelo intérprete onde a lei não distingue ou restringe. Nessa toada, deve o aplicador da norma interpretá-la de maneira harmoniosa com os seus fins sociais e as exigências do bem comum, tendo-se como certo que, há muito, o julgador deixou de ser apenas a 'boca da lei', um simples operador de mera subsunção, passando a atuar no processo como agente político-jurídico de pacificação social, em busca incessante da composição das lides através da prestação de justa tutela jurisdicional. II — Denota-se da legislação pátria específica que a criança ao nascer haverá de ser registrada com o nome e prenome que lhe forem postos (LRP, art. 54, 42). Considera-se como nome completo o prenome (simples ou composto), sempre acrescido ao sobrenome (ou nome propriamente dito, simples ou composto) paterno, e, na falta deste, o da mãe, se forem conhecidos e não existir impedimento de ilegitimidade, salvo reconhecimento no ato (LRP, art. 55). Acerca da inclusão do sobrenome paterno, quando este se apresenta de maneira composta, o dispositivo legal em exame não exige que o infante seja registrado com dois ou mais patronímicos, ou, em caso de escolha de um deles, que o declarante indique, necessariamente, o último da ordem. III — Em outros termos, as vontades da lei e do legislador afiguram-se demasiadamente claras, na exata medida em que deixam transparecer que a regra a ser observada, neste particular, para o assento de nascimento, é no sentido de que ele deverá conter, entre outros elementos, o nome e o prenome, que forem postos à criança, de maneira a identificá-la com os seus ascendentes diretos. Destarte, não importa se o declarante acresce ao prenome do infante o sobrenome da mãe, ou, ainda, se faz uso de um ou diversos patronímicos do genitor. Da mesma forma, não diz a Lei qual o patronímico haverá de ser assentado no registro da criança, quando o pai possuir sobrenome composto. IV — Por estes motivos, o recurso merece ser conhecido e provido a fim de acolher-se a pretensão do genitor no sentido de facultar-lhe a opção por um de seus patronímicos para o assento de nascimento de sua filha, antecedido pelo sobrenome da mãe e o prenome escolhido". Ação Negatória de Paternidade — Provas — Exame de DNA — Paternidade socioafetiva — Sobrenome — Retirada. 1. O exame de DNA, dada a precisão de seu resultado, é prova que, confirmando ou não a paternidade, não pode ser desconsiderada, mesmo que o suposto pai, por erro, tenha registrado a criança como filha. 2. Não há paternidade socioafetiva se o suposto pai, iludido pela mãe, fez o registro de nascimento da criança acreditando que essa era sua filha, máxime e se inexistiu convivência por tempo suficiente para que haja afeto entre o pai e a criança, de forma que a filha, tratada como tal, seja criada e educada pelo pai. 3. Ainda que seja julgada procedente a Ação Negatória de Paternidade, deve manter-se o sobrenome da filha, que, com 25 anos de idade, criou identidade social e profissional com o patronímico do pai. 4. Apelação provida em parte (TJDFT, 6aT. Cív., AC 2007.01.5.010145- 8, rei. Des. Jair Soares, j. 11-6-2008, v.u.). Civil — Direito de Família — Alteração do Registro de Nascimento para nele fazer constar o nome de solteira da genitora, adotado após o divórcio — Possibilidade. 1. A dificuldade de identificação em virtude de a genitora haver optado pelo nome de solteira após a separação judicial enseja a concessão de Tutela Judicial a fim de que o novo patronímico materno seja averbado no assento de nascimento, quando existente justo motivo e ausentes prejuízos a terceiros, ofensa à ordem pública e aos bons costumes. 2. É inerente à dignidade da pessoa humana a necessidade de que os documentos oficiais de identificação reflitam a veracidade dos fatos da vida, de modo que, havendo lei que autorize a averbação no assento de nascimento do filho do novo patronímico materno em virtude de casamento, não é razoável admitir-se óbice, consubstanciado na falta de autorização legal para viabilizar providência idênti- 232 Os apelidos de família são adquiridos ipso iure, com o simples fato do nascimento, pois a sua inscrição no Registro competente tem caráter puramente declaratório. O filho (Lei n. 6.015/73, arts. 59 e 60) reconhecido receberá os apelidos do que o reconhecer, prevalecendo o sobrenome paterno se reconhecido tanto pelo pai como pela mãe. Em relação ao filho não reconhecido, prevalece o patronímico materno129. Convém ressaltar que há viabilidade de o Oficial de Registro orientar, quando da lavratura dos assentos de nascimento, os pais ou requerentes do registro quanto à possibilidade de ser colocado, além do apelido de família paterno, o materno, sem interferência na liberdade e no direito de escolha do prenome, visando evitar a homonímia de nomes comuns (CGJSP, Proc. n. 1.635/2000). Qualquer dos cônjuges poderá, ainda na vigência do casamento, reconhecer filho (CF/88, art. 227, § 6a; Lei n. 7.841/89, C u r s o d e D i r e i t o C iv il B r a s i l e ir o ca, mas em situação oposta e correlata (separação e divórcio). Recurso Especial a que se nega provimento (STJ, 3a T., REsp 1.041.751-DF, rei. Min. Sidnei Beneti, j. 20-8- 2009; BAASP, 2680:SS91. 129. Serpa Lopes, op. cit., v. 1, p. 301 e 302; Belmiro R Welter, Os nomes do ser humano: uma formação contínua da vida, Revista Brasileira de Direito de Família, 41:5 a 14. "Diz o art. 56 da Lei de Registros Públicos, 6.015/73, que o interessado, no primeiro ano após ter atingido a maioridade civil, poderá, pessoalmente ou por procurador bastante, alterar o nome, desde que não prejudique os apelidos de família, averbando-se a alteração que será publicada pela imprensa. Isso não significa, porém, que só depois da maioridade tal requerimento possa ser feito. Pode ocorrer justo motivo para uma retificação de nome e, apesar disso, ocorrer desinteresse ou mesmo recusa do representante legal do menor em efetivá-la. Por isso e só por isso a lei quer permitir que, uma vez atingida a maioridade, o requerimento seja feito pelo próprio interessado, desde qüe no prazo de um ano. Assim, enquanto impúbere o menor, o pai formula, em seu nome, o pedido de retificação. Depois de púbere, o pai o assiste no requerimento. E, uma vez adquirida a maioridade, ainda tem o interessado o prazo de um ano para formular o requerimento. Diz o art. 55 da Lei supracitada: ‘Quando o declarante não indicar o nome completo, o oficial lançará adiante do prenome escolhido o nome do pai, e, na falta, o da mãe...'. Aí apenas se diz que uma vez escolhido, pelo pai, o prenome do registrando, o oficial lhe acrescentará o nome daquele. E, não sendo feito o registro por este, o nome acrescível será o da mãe. Mas isso não significa que uma vez feita a composição do nome do registrando com o prenome escolhido pelo pai, seguido do nome deste, não se possa depois incluir também na composição o patronímico materno" (TJSP, ADCOAS, n. 86385, 1982). RT, 864:333. "Reconhecido o estado de filha da recorrente, tem ela o direito ao sobrenome das famílias materna e paterna e à forma comumente utilizada, qual seja, em primeiro, o sobrenome da mãe; em segundo, o do pai. A adição de mais um nome, da tradição familiar, ao nome civil, é perfeitamente possível, inserido que se encontra a hipótese no termo reforma do assento, referido no art. 113 da Lei n. 6.015/73". Sobre alteração de sobrenome dos pais no registro civil de nascimento: PL n. 7.752/2010. 233 T e o r ia G e r a l d o D i r e i t o C iv il art. Ia; Lei n. 8.069/90, arts. 26 e 27; Lei n. 8.560/92; Provimento do CSM n. 494/93; Provimento da CGJ n. 10/93; CC, arts. 1.607 a 1.617). Mas a aquisição do sobrenome pode decorrer também de ato jurídico, como adoção, casamento, por parentesco de afinidade em linha reta (art. 57, § 8fl, da Lei n. 6.015/73, acrescentado pela Lei n. 11.924/2009) ou por ato de interessado, mediante requerimento ao magistrado. Realmente, na adoção o filho adotivo não pode conservar o sobrenome de seus pais de sangue; deverá acrescentar o do adotante (CC, art. 1.626). A decisão conferirá ao menor o sobrenome do adotante, podendo determinar a modificação do prenome, a pedido do adotante ou do adotado (CC, art. 1.627; Lei n. 8.069/90, art. 47, §§ 3a a 5a, acrescentado pela Lei n. 12.010/2009). Se a modificação de prenome for requerida pelo adotante será obrigatória a oitiva do adotando (art. 47, § 6a, da Lei n. 8.069/90, acrescido pela Lei n. 12.010/2009). A respeito, o Tribunal de Justiça de São Paülo (RT, 433:76) decidiu, ao tempo da vigência da Lei n. 3.133/57, que não havia nenhuma proibição em que, nas certidões de filhos adotivos, figurassem como avós os pais dos adotantes130. Na adoção regida pelo Código Civil, arts. 1.618 a 1.629, o mesmo ocorre, pois o adotado desliga-se de qualquer vínculo com os pais de sangue e parentes, exceto quanto aos impedimentos matrimoniais (CC, art. 1.626). Com a celebração do casamento surge para qualquer dos nubentes o direito de acrescer, se quiser, ao seu o sobrenome do outro (CC, art. 1.565, § Ia), perdendo esse direito com a anulação do matrimônio, ou por deliberação em sentença de separação judicial (CC, art. 1.571, § 2a; Lei n. 8.408/92 e Lei n. 6.515/77, arts. 17, 18, 25, parágrafo único, e 50; RT, 185:521, 301:475, 547:64, 593:122; AJ, 79:90) se declarado culpado, voltando a usar o sobrenome de solteiro, desde que isso seja requerido pelo vencedor e não se configurem os casos do art. 1.578, I a 111, do Código Civil. Se inocente na ação poderá renunciar, a qualquer momento, o direito de usar o sobrenome do seu ex-consorte (CC, art. 1.578, § Ia). Na separação judicial consensual tem opção para usar, ou não, o nome de casado (CC, art. 1.578, § 2a). Pelo § 2a do art. 1.571 do Código Civil: "Dissolvido o casamento pelo divórcio direto ou por conversão, o cônjuge poderá manter o nome de casado; salvo, no segundo caso, dispondo em contrário a sentença de separação judicial". E na separação extrajudicial consensual e no divórcio extra130. Bassil Dower, op. cit., v. 1, p. 74; RT, 328:187. 234 judicial consensual (CPC, art. 1.124-A, com redação da Lei n. 11.441/2007) o ex-cônjuge perderá, havendo acordo, o nome adotado nas núpcias, retomando o seu nome de solteiro130_A. Pela Lei n. 6.015/73 (art. 57, §§ 2a e 3a, c/c CF, art. 226, § 6a, com a redação da EC n. 66/2010) a mulher solteira, desquitada (separada ou divorciada) ou viúva, que viva com homem solteiro, desquitado (separado ou divorciado) ou viúvo, poderá usar o apelido de família deste, se tiver filho com ele ou se a vida em comum já perdure por mais de 5 anos e desde que ele concorde com isso. Todavia, já se entendeu que duas pessoas solteiras, que vivam em união estável, não poderão alterar seus nomes, porque a adoção do nome requer impedimento legal ao casamento. Essa averbação do sobrenome do companheiro deve ser feita por acréscimo, pois a Lei n. 6.515, que implantou o divórcio entre nós, não permite a substituição do patronímico da mulher pelo do homem, mas aditamento deste àquele131. O convivente, entendemos, não terá esse direito, pois, por ser tal norma uma lei especial e de ordem pública, deverá ser interpretada restritivamente, visto que a lei, ao colocar o termo no feminino, só contempla a convivente. Para tanto, se o companheiro for separado judicialmente ou extrajudicialmente, sua ex-esposa não pode estar usando seu sobrenome e, se a convivente separada extrajudicial ou judicialmente estiver usando os apelidos do ex-marido ou do ex-conviverite, deverá renunciá-los por termo e averbar essa renúncia no Registro Civil. Embora o princípio da inalterabilidade do nome seja de ordem pública, sofre exceções quando: 1) Expuser o seu portador ao ridículo (Ciência Jurídica, 32:108; JB, 130:93; ADCOAS, n. 90049, 1983; RT, 623: 40, 791: 218, 543:192, 455:77, 424:78, 443:146, 416:140, 152:723, 169:662) e a situações vexatórias, desde que se prove o escárnio a que é exposto. P. ex.: Antonio Manso Pacífico de Oliveira Sossegado, Oceano Atlântico Linhares, Aricleia Café Chá, Céu Azul do Sol Poente, Leão Rolando Pedreira, Pedrinha Bonitinha Silva, Último Vaqueiro, Neide Navinda Navolta Pereira, Joaquim Pinto Molhadinho, C u r s o d e D i r e i t o C iv i l B r a s i l e ir o 130-A, Os arts. 1.571, § 22, 1.578, §§ 1E e 22, do CC e o art. 1.124-A do CPC poderão perder eficácia social, ante a EC n. 66/2010, que altera o § 6a do art. 226 da CF. 131. Walter Ceneviva, op. cit., p. 135. Vide RT, 426:240, que tratou desse caso antes da nova Lei dos Registros Públicos. Vide: Yussef S. Cahali, Adoção do nome de família da mulher pelo marido. Livro de Estudos Jurídicos, 8:416-21, 1994; SilmaraJ. Chinelatto e Almeida, O nome da mulher casada, 2001. A esse respeito, interessante é: Boi. AASP, 1.839:90 e s., 1994. 235 T e o r ia G e r a l d o D i r e i t o C iv i l Antônio Noites e Dias, Sebastião Salgado Doce, Amin Amou Amado, Dezêncio Feverêncio de Oitenta e Cinco, Casou de Calças Curtas, Odete Destemida Correta, Antônio Dodói, Inocência Coitadinho, Antônio Treze de Julho de mil Novecentos e Dezessete; João da Mesma Data; Lança Perfume Rodometálico da Silva; Remédio Amargo; Restos Mortais de Catarina, Um Dois Três de Oliveira Quatro; Sossegado de Oliveira, Janeiro Fevereiro de Oliveira Março, Sum Tim An, Graciosa Rodela d'Alho, Antonio Carnaval Quaresma, Luciferino Barrabás, Maria Passa Cantando, Vitória Carne e Osso, Manuelina Terebentina Capitulina de Jesus do Amor Divino, Rolando pela Escada Abaixo, João Cara de José, Himeneu Casamentício das Dores Conjugais, Esputanarquia Oliveira Martins, Estroécio Empessoa de Oliveira, Kumio Tanaka (RT, 443:146); nomes divulgados pela imprensa, constantes dos arquivos do INSS, que autorizam sua mudança pela via judicial. Nem mesmo se deve admitir registro de nomes de personalidades célebres pela sua crueldade ou imoralidade, como, p. ex., Hitler, Osama bin Laden, por estigmatizarem a pessoa. É preciso lembrar que há casos em que certos prenomes conduzem seu portador a situação vexatória por suscitarem dúvidas quanto ao sexo a que pertencem, p. ex., Jacy, Juraci, Valdeci, Aimar, Francis, Andrea, Leslie etc., permitindo sua alteração. Já se decidiu (RJ, 258:105) pela mudança do nome “Santa" para quem professa religião evangélica, ante o vexame presumível em seu círculo social. Houve caso de óbice levantado por registrador, baseado no art. 55, parágrafo único, da Lei n. 6.015/73, para impedir o registro de nome civil de recém-nascida "Titílolá", mas sua objeção foi afastada, pois os pais têm o direito de escolher o prenome do filho, e além disso não se caracteriza a exposição ao ridículo de sua portadora, apesar de incomum, pois advém da língua iorubá, idioma falado por povos africanos oriundos do Senegal, Costa do Marfim, Ghana, Togo, Benim, Nigéria e Zaire, significando Tití, continuamente, e Lolá, honorável. O nome da criança tem a ligação com a tradição de seus genitores e se no futuro sentir-se ridicularizada, nada impede que postule sua modificação (CGJ, Proc. n. 3.089/2000). 2) Houver erro gráfico evidente (Lei de Registros Públicos, arts. 50 e 110; RT, 478:97, 433:75, 581:190, 609:67; 781:341; RF, 99:462; JB, 130:110; RJ, 324:146). P. ex., "Osvardo", quando o certo é Osvaldo, "Ulice", quando, na verdade, é Ulisses, por ter seu portador provado que em sua família os nomes eram tirados da mitologia grega, tendo um irmão chamado Homero (RT, 432:75); Durce, sendo o correto Dulce; Crovis, quando o correto é Clóvis. Trata-se de caso de retificação de prenome, e não de alteração. 236 C u r s o d e D i r e i t o C iv il B r a s i l e ir o 3) Causar embaraços no setor eleitoral (RJTJSP, 134:206) e no comercial (RT, 133:659, 143:718, 145:170) ou em atividade profissional, evitando, p. ex., homonímia (RT, 383:186, 532:234), incluindo-se, p. ex., para solucionar o problema, o nome de família materno (CGJ, Proc. n. 1.635/2000). 4) Houver mudança de sexo (RT, 884:249 e 283, 828:333, 790:155; 825:373, 8 0 1 :195, 712:235, 662:149; JTJ, Lex, 2 1 2 :163-168; TJRJ, Ap. 2007.001.24198, rei. Des. M ônica C. Di Piero, j. 7-8-2007; TJRS, AC 70021120522 — 8a C. Cív., rei. Rui Portanova, j. 11-10-2007; BAASP, 2649:1746-04). Essa retificação de registro de nome só tem sido, em regra, admitida em caso de intersexual (RT, 672:108). Não há lei que acate a questão da adequação do prenome de transexual no registro civil. Em 1992, por decisão da 7a Vara de Família e Sucessões dè São Paulo, pela primeira vez o Cartório de Registro Civil averbou retificação do nome João para Joana, consignando no campo destinado ao sexo "transexual", não admitindo o registro como mulher, apesar de ter sido feita uma cirurgia plástica, com extração do órgão sexual masculino e inserção de vagina, na Suíça. Não permitindo o registro no sexo feminino, exigiu-se que na carteira de identidade aparecesse o termo "transexual" como sendo o sexo de sua portadora. O Poder Judiciário assim decidiu porque, do contrário, o transexual se habilitaria para o casamento, induzindo terceiro em erro, pois em seu organismo não estão presentes todos os caracteres do sexo feminino (Processo n. 621/89, 7- Vara da Família e Sucessões). Rosa Maria Nery, apesar de ser contrária à mudança de sexo, entende que, se esta foi constatada, o registro deve fazer a acomodação. Os documentos têm de ser fiéis aos fatos da vida, logo, fazer a ressalva é uma ofensa à dignidade humana. Realmente, diante do direito à identidade sexual, como ficaria a pessoa se se colocasse no lugar de sexo "transexual"? Sugere a autora que se faça, então, uma averbação sigilosa no registro de nascimento, assim, o interessado, no momento do casamento, poderia pedir, na justiça, tuna certidão "de inteiro teor", onde consta o sigilo. Seria satisfatório que se fizesse tal averbação sigilosa junto ao Cartório de Registros Públicos, constando o sexo biológico do que sofreu a operação de conversão de sexo, com o intuito de impedir que se enganem terceiros. Antônio Chaves, por sua vez, acha que não se deve fazer qualquer menção nos documentos, ainda que sigilosa, mesmo porque a legislação só admite a existência de dois sexos: o feminino e o masculino e, além disso, veda qualquer discriminação. Com a entrada em vigor da Lei n. 9.708/98, alterando o art. 58 da Lei n. 6.015/73, o transexual operado teria base legal para alterar o seu prenome, substituindo-o pelo apelido público notório, com que é conhecido no meio em que vive (TJRS, AC 70000585836, j. 31-5-2000, rei. Des. 237 Sérgio F. Vasconcellos Chaves; RT, 801:195), acatando-se o princípio do respeito à dignidade da pessoa humana. 5) Houver apelido público notório, que pode substituir o prenome do interessado, se isso lhe for conveniente e desde que não seja proibido em lei (art. 58 e parágrafo único da Lei n. 6.015/73, com redação da Lei n. 9.708/98; RT, 767:311). 6) For necessária a alteração de nome completo para proteção de vítimas e testemunhas de crimes, bem como de seu cônjuge, convivente, ascendentes, descendentes, inclusive filhos menores, e dependentes, mediante requerimento ao juiz competente para registros públicos, ouvido o Ministério Público. O procedimento terá rito sumaríssimo e correrá em segredo de justiça. Concedida a alteração, esta deverá ser averbada no registro original de nascimento, e os órgãos competentes fornecerão os documentos decorrentes da alteração. Cessada a coação ou ameaça a que deu causa à mudança de nome, o protegido poderá solicitar judicialmente o retomo à situação anterior, com a alteração para o nome original, em petição que será encaminhada pelo Conselho deliberativo e terá manifestação prévia do Ministério Público. Assim, por razão de fundada coação ou ameaça decorrente da colaboração com a apuração de crime, será admitida a substituição do prenome, por determinação em sentença de juiz competente, ouvido o Ministério Público (Lei n. 9.807/99, arts. 9a, §§ Ia a 5a, 16 e 17; Lei n. 6.015/73, arts. 57, § 7a, e 58, parágrafo único). 7) Houver parentesco de afinidade em linha reta, pois, pelo art. 57, § 8e, da Lei n. 6.015/73 (acrescentado pela Lei n. 11.924/2009): "O enteado ou a enteada, havendo motivo ponderável e na forma dos §§ 2a e 7a deste artigo, poderá requerer ao juiz competente que, no registro de nascimento, seja averbado o nome de família de seu padrasto ou de sua madrasta, desde que haja expressa concordância destes, sem prejuízo de seus apelidos de família". Euclides de Oliveira traça alguns parâmetros para tanto: a) pedido feito por enteado, com anuência do padrasto ou madrasta e com representação processual por advogado; b) justificação do pedido, demonstrando-se afetividade, vínculo de afinidade e boa convivência familiar; c) competência é da vara de registro público; ã) intervenção do Ministério Público, como fiscal da lei; e) representação do enteado menor pelos pais registrários, que deverão anuir no acréscimo de apelido de família. E, havendo recusa de um deles, ter-se-á suprimento judicial do consentimento, exceto se comprovada a justa causa para aquela recusa; f) inclusão do patronímico do padrasto ou madrasta ao do enteado. O apelido de família do padrasto ou madrasta poderá ser anteT e o r ia G e r a l d o D i r e i t o C iv il 238 C u r s o d e D i r e i t o C iv il B r a s i l e ir o posto ou posto em seqüência ao de origem; g) inalterabilidade dos patronímicos dos avós do requente; h) possibilidade de alteração judicial do patronímico, havendo outro vínculo de afinidade, com novo padrasto, para obter novo acréscimo de patronímico. Portanto, é possível acrescer ao sobrenome, o da madrasta ou padrasto, havendo socioafetividade, ante a existência de família recomposta, marcada pela afeição, convivência cotidiana e pelo vínculo de afinidade. Deveras, o art. 56 da Lei n. 6.015/73 dispõe que "o interessado, no primeiro ano após ter atingido a maioridade civil, poderá, pessoalmente ou por procurador bastante, alterar o nome, desde que não prejudique os apelidos de família, averbando-se a alteração que será publicada pela imprensa", com a observância do disposto no art. 57 desse mesmo diploma legal e desde que haja motivo justo (RT, 429:123, 433:232; STJ, REsp 538.187/RJ, rei. Min. Nancy Andrighi, j. 21-2-2005). Para tanto poderá encaixar, no próprio nome, o sobrenome materno (JB, 130:130), o avoengo ou o do padrasto (STJ, Revista Consultor Jurídico, 28-11-2000) por abandono do pai genético; efetuar traduções (RT, 144:758,147:96, 215:186, 492:86; JB, 130:150 e 157; em contrário, RT, 142:648); transformar prenome simples em composto (RT, 777:377), ou duplo em simples, salvo se se tratar de nome célebre, como Marco Aurélio, João Batista132, desde que respeite o apelido de família. Todavia, tem-se 132. Mário Guimarães, Estudos de direito civil, p. 19; Ney Moura Teles, Direito eleitoral, São Paulo, Atlas, 1998, p. 80 e 81; W. Barros Monteiro, op. cit., v. 1, p. 97; R. limongi França, O problema jurídico da homonímia, RT, 287:52; Retificação de nome civil, RT, 457:49; Possibilidade de entremear a alcunha ou o cognome, mantendo-se prenome e apelido de família: Ciência Jurídica, 68:132; Tania da S. Pereira e Antonio C. M. Coltro, A socioafetividade e o cuidado: o direito de acrescer o sobrenome do padrasto. Direito das famílias — em homenagem a Rodrigo da C. Pereira (org. M? Berenice Dias), São Paulo, Revista dos Tribunais, 2009, p. 343 a 358; Eudides de Oliveira, Com afim e com afeto, fiz meu nome predileto — parentesco por afinidade gera afeto e direito ao nome do padrasto ou da madrasta. Direito das famílias — em homenagem a Rodrigo da C. Pereira (org. Ma Berenice Dias), São Paulo, Revista dos Tribunais, 2009, p. 375 e 376; Ferreira e Galindo, Do sobrenome do padrasto e da madrasta — considerações a respeito da Lei n. 11.9242009. Revista IOB de Direito de Famttia, 56:80 a 87; Itamar Espíndola, Escolha bem o nome de seu filho, Ceará: ed. Fortaleza, 1974; Alteração de prenome composto, RT, 596:44, 148:673, 506:85, 612:87, 659:154; JB, 130:126 e 159. "Substituição de prenome. Possibilidade prevista no artigo 58, da Lei n. 6.015/73, com a redação dada pela Lei n. 9.708/98, desde que demonstrada a publicidade e notoriedade do apelido. Julgamento antecipado da lide. Cerceamento probatório. Nulidade da sentença. Recurso provido em parte. I. O artigo 58 da Lei de Registros Públicos confere ao interessado a substituição do prenome por apelidos, desde que demonstrada a notoriedade e publicidade destes, em lugar daquele, o que se demonstra através de regular instrução. II. Se a parte interessada arrola testemunhas 239 T e o r ia G e r a l d o D i r e i t o C iv il e protesta pela sua inquirição, não há como deixar de colher-se a prova e considerar não legitimado o pedido, diante da nova redação do referido artigo, modificado pela Lei n. 9.708/98" (TJPR, AC 00885152, 2. Câm. Cív., rei. Des. Conv. Munir Karam, DJE-PR, de 19 mar. 2001). Já se decidiu que desavença entre pais não justifica a retirada do sobrenome paterno do nome do filho para incluir o apelido de família materno (STJ, 4- T., rei. Cesar Asfor Rocha, j. 8-6-2000). Viúva pode excluir nome de falecido marido: RT, 802: 361. Competirá ao menor quando atingir a maioridade civil requerer, se quiser, a alteração do apelido de família. Sobre retificação de nome, vide arts. 40, 57 e 110 da Lei n. 6.015/73, com a redação da Lei n. 1-2.100/2009: "Art. 40. Fora da retificação feita no ato, qualquer outra só poderá ser efetuada nos termos dos arts. 109 a 112 desta Lei.'' "Art. 57. A alteração posterior de nome, somente por exceção e motivadamente, após audiência do Ministério Público, será permitida por sentença do juiz a que estiver sujeito o registro, arquivando-se o mandado e publicando-se a alteração pela imprensa, ressalvada a hipótese do art. 110 desta Lei." "Art. 110. Os erros que não exijam qualquer indagação para a constatação imediata de necessidade de sua correção poderão ser corrigidos de ofício pelo oficial de registro no próprio cartório onde se encontrar o assentamento, mediante petição assinada pelo interessado, representante legal ou procurador, independentemente de pagamento de selos e taxas, após manifestação conclusiva do Ministério Público. § Ia Recebido o requerimento instruído com os documentos que comprovem o erro, o oficial submetê-lo-á ao órgão do Ministério Público que o despachará em 5 (cinco) dias. § 2a Quando a prova depender de dados existentes no próprio cartório, poderá o oficial certificá-lo nos autos. § 3a Entendendo o órgão do Ministério Público que o pedido exige maior indagação, requererá ao juiz a distribuição dos autos a um dos cartórios da circunscrição, caso em que se processará a retificação, com assistência de advogado, observado o rito sumaríssimo. § 4a Deferido o pedido, o oficial averbará a retificação à margem do registro, mencionando o número do protocolo e a data da sentença e seu trânsito em julgado, quando for o caso." Sobre nome de transexual: Antônio Chaves, Direito à vida e ao próprio corpo, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1994, p. 161; Luiz F. Borges D'urso, A mudança no registro do transexual, Consulex, p. 429 e 430; Tereza R. Vieira, Mudança de sexo — aspectos médicos, psicológicos e jurídicos, São Paulo, 1996, p. 138, e Nome e sexo — mudanças no registro civil, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2008; José F. O, da Silveira, O transexualismo na justiça, 1995; Maria Helena Diniz, O estado atual do biodireito, São Paulo, Saraiva, 2000, p. 235-42; José Roberto Neves Amorim, O direito ao nome e o transexualismo, Atualidades Jurídicas, 5:177-82; Antonio Fernandes da Luz, Transexualismo: o direito ao nome e ao sexo, in Família e jurisdição (coords. Eliene F. Santos e Ariel H. de Sousa, Belo Horizonte, Del Rey, 2005, p. 19-32; Sílvia Vassilief, Direito à adequação do nome ao novo estado pessoal em função de viuvez e de cirurgia de inversão sexual de genital, A outra face do Poder Judiciário, coord. Giselda M. F. Novaes Hironáka, Belo Horizonte, Del Rey, 2005, p. 6-11; Javier López Galiacho Perona, La problemática jurídica de la transexualidade, Madrid, McGraw-Hill, 1998, p. 294; Márcia M. Menin, Um novo nome, uma nova identidade sexual: o direito do transexual rumo a uma sociedade sem preconceitos, A outra face, cit., p. 12-29. 240 C u r s o d e D ir e i t o C iv il B r a s i l e ir o Já houve decisão no sentido de que: "Alteração de registro civil. Transexual. Cirurgia de transgenitalização realizada. Finalidade terapêutica. Dever constitucional do Estado de promover saúde a todos. Improvimento do apelo. Unânime. Pedido para retificar o registro civil, em face da realização de cirurgia de transgenitalização. Proteção à saúde como dever do Estado. Defesa da cidadania, afastando situação vexatória. Aplicação das normas constitucionais referentes aos direitos e garantias individuais e de proteção à saúde. Licitude da retificação do registro civil do autor nos termos da sentença apelada. Necessidade da publicação de editais noticiando a retificação do prenome do autor, para salvaguarda de possíveis direitos de terceiros. Improvimento do apelo. Decisão unânime" (TJPE, 5a Câm. Cív., AC n. 85.199-6/Paulista-PE, rei. Des. Márcio de Albuquerque Xavier, v. u., j. 26-2-2003). "Registro civil — Transexualidade — Prenome — Alteração — Possibilidade — Apelido público e notório — O fato de o recorrente ser transexual e exteriorizar tal orientação no plano social, vivendo publicamente como mulher, sendo conhecido por apelido, que constitui prenome feminino, justifica a pretensão já que o nome registrai é compatível com o sexo masculino. Diante das condições peculiares, nome de registro está em descompasso com a identidade social, sendo capaz de levar seu usuário a situação vexatória ou de ridículo. Ademais, tratando-se de um apelido público e notório justificada está a alteração. Inteligência dos arts. 56 e 58 da Lei n. 6.015/1973 e da Lei n. 9.708/1998. Recurso provido" (TJRS, AC 70000585836, 7a Câm. Cív., rei. Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, DOE, 31-5-2000). "Transexual — Retificação de registro civil — Cirurgia realizada no exterior — Mero atestado médico constatando sua realização. Ausência de cumprimento das normas brasileiras sobre o tema. Procedimento que precede a análise da mudança de sexo no registro civil. Indeferimento da alteração do sexo no assento de nascimento. Recurso a que se dá provimento. Súmula: deram provimento ao recurso" (TJMG, AC 1.0543.04.910511-6/001(1), 8a Câm. Cív., rei. Des. Roney Oliveira, DJMG, 18-8-2006). "Apelação cível — Registro civil — Alteração do registro de nascimento — Nome e sexo — Transexualismo — Sentença acolhendo o pedido de alteração do nome e do sexo, mas determinando segredo de justiça e vedando a extração de certidões referentes à situação anterior. Recurso do Ministério Público insurgindo-se contra a não publicidade do registro. Sentença mantida. Recurso desprovido. (Segredo de Justiça)" (TJSC, AC 70006828321, 7- Câm. Cív., rei. Des. Catarina Rita Krieger Martins, j. 11-12-2003). "Apelação cível — Transexualismo — Retificação de registro civil — Nome e sexo — Cerceamento do direito de defesa reconhecido — Procedimento cirúrgico de transgenitalização realizado — É possível a alteração do registro de nascimento relativamente ao sexo e ao nome em virtude da realização da cirurgia de redesignação sexual. Vedação de extração de certidões referentes à situação anterior do requerente" (TJRS, AC 70013580055, Comarca de Porto Alegre, 8a Câm. Cív., rei. Des. Claudir Fidelis Faccenda, j. 17-8-2006). Consulte: Boi. AASP, 2.359/3005, de 22-3-2004. "Inviável a retificação de assento de nascimento para alteração de sexo e nome, em decorrência de operação plástica, por impossibilidade jurídica do pedido, inocorrendo, no caso, ofensa ao princípio constitucional da legalidade" (STF, ADCOAS, n. 81.512, 1982). Sobre o assunto: Tereza Rodrigues Vieira, Mudança de sexo: aspectos médicos, psicológicos e jurídicos, São Paulo, 1996; Luiz Flávio Borges D'Urso, A mudança no registro do transexual, Tribuna do Direito, jan. 1996, p. 27. A Lei de Quebec (Canadá), de 31-12-77, art. 18, “b", estabelece que na demanda do transexual dever-se-á acolher o nome que ele deseja adotar. 241 T e o r ia G e r a l d o D ir e i t o C iv il entendido que não haverá necessidade de o menor aguardar a maioridade para alterar nome ridículo, corrigir falha ortográfica, ou incluir o nome de família materno (RT, 562:73,662:72), desde que representado ou assistido. Mas, para acrescentar novos nomes intermediários, como, p. ex., inserir um apelido pelo qual ficou conhecido no meio social em que vive (TJPI, Ap. 3.000.808, rei. Des. João B. Machado, j. 15-10-2003; RT, 806:173, 824:326), colocar o nome dos avós (TJMG, Ac. 1.0686.08.219812-4/001, 4a Câm. Cív., rei. Lopardi Mendes — publ. 9-9-2009) etc., terá de aguardar o prazo decadencial de um ano após ter atingido a maioridade. Depois desse prazo a alteração apenas poderá ser feita por exceção e motivadamente, mediante a sentença judicial (Lei n. 6.015/73, art. 57)132'A. Percebe-se que as ações concernentes ao nome visam sua retificação, para preservar o verdadeiro, e sua contestação, para evitar usurpação de terceiro que o utilize em publicações, filmes, propagandas, teatros, expondo-o ao desprezo público, mesmo que não tenha intenção difamatória133 (CC, art. 17). Além disso, o art. 63 da Lei dos Registros Públicos determina alteração compulsória de prenome no caso de gêmeos ou irmãos de igual prenome, que deverão ser inscritos com prenome duplo ou nome completo diverso, de modo que possam distinguir-se. A jurisprudência tem entendido que o prenome que deve constar do registro é aquele pelo qual a pessoa é conhecida e não aquele que consta do registro. Deveras já se decidiu que "se o prenome lançado no Registro CiNo Brasil, a Resolução n. 615, de 8 de setembro de 2011, do Conselho Federal de Serviço Social, dispõe sobre a inclusão e uso do nome social da assistente social travesti e do assistente social transexual nos documentos de identidade profissional. 132-A. RT, 637:69. "A alteração do nome no Registro Civil só é admitida excepcionalmente. A alteração por mais de uma vez foge totalmente à exceção benigna. Sem perda do próprio nome, pode a pessoa adotar outro pelo qual se tome mais conhecido, o que é muito comum no mundo das letras e das artes, sem incorporação ao Registro Civil." Registro de nascimento — Retificação — Inclusão do patronímico da avó materna — Possibilidade. "Apelação cível. Retificação de registro de nascimento. Inclusão do patronímico da avó materna. Menoridade civil. Possibilidade. O acréscimo de apelidos de família ao nome, em especial o patronímico de ascendente materno, é perfeitamente possível nos termos da Lei de Registros Públicos, não havendo razões jurídicas para não se permitir a alteração ainda durante a menoridade civil, mormente, se o menor venha devidamente representado. Demais disso, vale registrar que a Lei de Registros Públicos permite o acréscimo de patronímico, desde que tal alteração não leve à perda de personalidade e a impossibilidade de identificação da pessoa e nem prejudique terceiros" (TJMG, AC 1.0686.08.219812-4/001, 4a Câm. Cív., Rei. Des. Dárcio Lopardi Mendes, DJe, 9-9-2009). 133. Orlando Gomes, op. cit., p. 164; Venosa, op. cit., p. 158-60. 242 C u r s o d e D i r e i t o C iv il B r a s i l e ir o vil, por razões respeitáveis e não por mero capricho, jamais representou a individualidade do seu portador, a retificação é de ser admitida" (RT, 143:270, 154:806, 185:424, 532:86, 412:178, 507:69, 527:106, 534:79, 537:75), Por exemplo, houve decisão que acolheu a razão de pessoa que sempre fora conhecida no meio social como Maria Luciana, enquanto seu registro constava como Maria Aparecida (RT, 532:86); ou a que acatou a substituição de Maria do Socorro para Sarah Regina, tendo em vista que o primeiro causava depressão em sua portadora, por ser o nome de sua falecida irmã (RJTJSP, 134:210)133_A. Estrangeiro, portador de nome de difícil pronúncia, pode pleitear alteração do seu prenome, se utilizar nome diverso do constante no registro para facilitar, p. ex., sua atividade empresarial; logo, nada obsta que se altere o nome de Yoshiaki para Cláudio, como é conhecido no meio negocial, por já ter havido aquisição dele pela longa posse, unida à ausência de fraude à lei, visto que não há intentio de ocultar sua identidade. 133-A. A 3a Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ, REsp 538.187), com base no voto da ministra Nancy Andrighi e por unanimidade, garantiu a Maria Raimunda o direito de alterar seu nome para Maria Isabela. Em primeira instância e no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) o pedido para trocar de nome havia sido rejeitado. Ela entrou com o pedido de troca de nome na Vara de Família da Comarca de São Gonçalo, alegando que o nome Raimunda lhe trouxe toda a sorte de constrangimentos e lhe provocou dissabores e transtornos. Informou que era alvo de troças e brincadeiras, quer na vizinhança, quer no seu local de trabalho, o que a levou a adotar o nome de Maria Isabela, que passou a ser a sua identificação nos lugares que freqüenta, tendo sido assimilado como se fosse verdadeiramente seu. Em primeira instância, o juiz rejeitou seu pedido por entender que a substituição do nome só se justifica quando ele sujeita a pessoa a situação ridícula ou humilhante, o que não ocorreria com Raimunda, um nome "perfeitamente normal e comum". Essa decisão foi mantida por unanimidade pelo TJRJ, que entendeu ser a regra geral a imutabilidade do prenome, não se encontrando o pedido de Maria Raimunda em nenhuma das exceções expressamente previstas na lei. Ao contrário, a ministra Nancy Andrighi entendeu haver motivo suficiente para a troca. Para ela, tal pedido não decorre de mero capricho pessoal, mas de necessidade psicológica profunda. A relatora reconheceu que os motivos apresentados são suficientes para se proceder à alteração do nome pretendida, porque, além do constrangimento de natureza íntima que sente ao ser chamada por Maria Raimunda, já é conhecida em seu meio social como Maria Isabela. Assim, a 3a Turma do STJ acolheu o recurso especial para determinar a alteração do nome civil de Maria Raimunda para Maria Isabela, determinando a expedição de ofício ao cartório competente a fim de que fosse feita a retificação do registro dvil da recorrente, averbando-se a alteração deferida. Sobre ação de retificação de nome: RT, 853:323; 822:245. 243 T e o r ia G e r a l d o D i r e i t o C iv il e.2. Estado da pessoa natural Segundo Clóvis Beviláqua134, o "estado das pessoas é o seu modo particular de existir", que pode ser encarado sob o aspecto individual ou físico, familiar e político. Graficamente, temos: | ESTADO | í I / O t X Familiar Político O estado individual ou físico é a maneira de ser da pessoa quanto à idade (maior e menor), sexo (feminino e masculino) e saúde mental e física 134. Clóvis, op. cit., p. 76 e 77. Vide Lei n. 7.116/83, sobre Carteira de Identidade; Resolução n. 1/2010 da Secretaria Executiva do Minsitério da Justiça sobre regimento interno do Comitê Gestor do Sistema Nacional de Registro de Identificação civil; Resolução n. 2/2010 da Secretaria Executiva do Ministério da Justiça sobre especificações técnicas básicas do documento de Registro de Identidade Civil; e Resolução n. 1.287/89 do Conselho Federal de Medicina, a respeito de cédula de identidade para médicos expedida pelos Conselhos Regionais; Lei n. 9.454, de 7 de abril de 1997, que institui o número único de Registro de Identidade Civil; Decreto n. 2.170/97, que dá nova redação ao art. 2a do Decreto n. 89.250/83, relativo à carteira de identidade. Vide Lei n. 9.453/97, que acrescenta parágrafo ao art. 2a da Lei n. 5.553/68, sobre apresentação e uso de documentos de identificação pessoal, e Resolução Normativa n. 190/97 do Conselho Federal de Administração, sobre gravação da expressão "não doador de órgãos e tecidos" na Carteira de Identidade profissional do administrador, mas diante de alteração do art. 4a da Lei n. 9.434/97 pela Lei n. 10.211/2001 não mais admitindo a doação post mortem presumida de órgãos e tecidos humanos, seus §§ Ia a 5a, alusivos à possibilidade de evitá-la, gravando a expressão "não doador de órgãos e tecidos" em documentos de identidade, passam a ter eficácia suspensa. Jndividuai ou físico 244 C o r s o d e D i r e i t o C iv il B r a s i l e ir o (são de espírito, alienado, surdo-mudo), elementos que influenciam sua capacidade civil, como vimos em páginas anteriores135. O estado familiar indica a sua situação na família: casado, solteiro, viúvo, separado, divorciado, em relação ao matrimônio. No que concerne ao parentesco consanguíneo: pai, mãe, filho, avô, avó, neto, irmão, tio, sobrinho, primo. E quanto à afinidade: sogro, sogra, genro, nora, madrasta, padrasto, enteado, enteada, cunhado136. Diante da grande importância do estado individual e familiar da pessoa natural o art. 9- requer a inscrição em registro público de nascimento, casamento, óbito, emancipação, interdição, sentença declaratória de ausência e de morte presumida e o art. 10 exige a averbação em registro público das sentenças que decretarem a nulidade ou anulação do casamento, o divórcio, a separação judicial e o restabelecimento da sociedade conjugal, pela reconciliação, se separados, ou pelo novo casamento, se divorciados; dos atos judiciais ou extrajudiciais que declararem ou reconhecerem a filiação e dos atos judiciais ou extrajudiciais de adoção. O estado político é a qualidade jurídica que advém da posição da pessoa na sociedade política, caso em que é estrangeira, naturalizada ou nacional137. 135. Orlando Gomes, op. cit., p. 152; W. Bairos Monteiro, op. cit., p. 81; Clóvis, op. cit., p. 77, 136. A Lei n. 8.069/90 (arts. 4E e 19 a 52) consagra o direito à convivência familiar. O menor terá direito de ser criado no seio de sua família natural, e, se havido fora do casamento, terá direito de ser reconhecido. Se não o for, poderá até ingressar em juízo com ação de investigação de paternidade, visando o reconhecimento (RT, 642:188), até mesmo cumulada com pedido de alimentos (RT, 610:104, 594:104). O DNA, nova técnica descoberta por Alee Jeffreys, possibilitará a investigação do vínculo genético mediante exame de sangue. Para a verificação de paternidade serão analisados os materiais da mãe, do filho e do suposto pai. Esse método é muito utilizado para identificar natimortos, em caso de aborto e gestação interrompida, sendo de grande valia para a identificação de crianças trocadas e seqüestradas. O DNA é um avanço em relação áo HLA, que, tecnologicamente mais simples em sua execução, é bastante útil no esclarecimento do vínculo genético e muito utilizado em transplantes, na procura do doador mais adequado. Pode-se usar na investigatória de paternidade primeiramente o HLA e depois o DNA. "O reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser exercido contra os pais ou seus herdeiros, sem qualquer restrição, observado o segredo de justiçá" (art. 27 da Lei n. 8.069/90). A colocação em família substituta será feita mediante guarda, tutela ou adoção, levando-se em conta o grau de parentesco, a afinidade ou a afetividade (Lei n. 8.069/90, arts. 28 a 52; CC, arts. 1.618 a 1.629). Orlando Gomes, op. cit., p. 151; Clóvis, op. cit., p. 77; W. Barros Monteiro, op. cit., v. 1, p. 81. 137. W. Barros Monteiro, op. cit., v. 1, p. 81; Miguel J. Ferrante, Nacionalidade — brasileiros natos e naturalizados, São Paulo, Saraiva, 1984; Yussef Cahali, Estatuto do Estrangeiro, São Paulo, Saraiva, 1983; João Grandino Rodas, A nacionalidade da pessoa física, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1990; Wilba Lúcia M. Bemardes, Da nacionalidade, Belo Horizonte, Del Rey, 1996. 245 T e o r ia G e r a l d o D i r e i t o C iv il Como se vê, o estado da pessoa é a soma de suas qualificações, permitindo sua apresentação na sociedade numa determinada situação jurídica, para que possa usufruir dos benefícios e vantagens dela decorrentes, e sofrer os ônus e obrigações que dela emanam. O estado civil da pessoa regula-se por normas de ordem pública, que não podem ser modificadas pela vontade das partes, daí a sua indivisibilidade, indisponibilidade e imprescritibilidade138. O estado civil é uno e indivisível, pois ninguém pode ser simultaneamente casado e solteiro, maior e menor139, brasileiro e estrangeiro, salvo nos casos de dupla nacionalidade140. Por ser o estado da pessoa um reflexo de sua personalidade, ele n ão . pode ser objeto de comércio, por ser indisponível. Em virtude disso é irreVide Lei n. 818/49, arts. 6a e 33, com redação da Lei n. 6.014/73; Lei n. 6.192/74. Sobre a situação jurídica do estrangeiro vide a Lei n. 6.815/80, regulamentada pelo Decreto n. 86.715/81 (que se refere ao nome nos arts. 31 e 42), alterada pela Lei n. 6.964/81; Lei n. 7.180/83; Resoluções Normativas n. 33 e 34/99; Resolução n. 325/99 do Ministério do Trabalho e Emprego sobre autorização de trabalho a estrangeiro; RTJ, 67:260, 66:284, 73:414, 95:589, 98:661, 102:349; RF, 204:131, 217:385; RT, 464:260, 476:247, 481:427, 542:76, 525:92, 538:107, 563:398, 551:412, 561:244, 507:475, 558:383, 564:396, 566:55; Súmulas 1, 2, 259, 367, 381, 421, 59, 60, 61, 62, 63 e 64 do STF. A Lei n. 5.145/66 dispõe sobre a naturalização dos filhos menores nascidos antes da naturalização dos pais. Constituição Federal, arts. 1 2 ,1, a, b, c, §§ 3a e 4a; 12, II, a, b, §§ Ia e 2a; 1 5 ,1; 5a, LI; ADCT, art. 95, e Emendas Constitucionais n. 3/94 e n. 54/2007. Vide Portaria n. 702/94 do Ministério da Justiça, sobre modelos de requerimento de naturalização. O Decreto n. 98.500/89, que alterava o art. 11 do Regulamento de passaportes (Dec. n. 84.541/80), acrescentando § 4a, foi revogado, juntamente com o Decreto n. 98.500/89, pelo art. 5a do Decreto n. 637/92 (Regulamento de documentos de viagem), que dispôs, no art. 31, sobre o prazo de validade do passaporte comum, que é de dez anos, prorrogável por igual período, concedendo ao órgão responsável a possibilidade de redução fundamentada daquele prazo. A Lei n. 8.988/95 fixa o prazo de validade da cédula de identidade de estrangeiro em nove anos. Vide Portaria de 12 de maio de 1995 do Ministério da Justiça, que institui modelo único de cédula de identidade para estrangeiro e determina o recadastramento dos estrangeiros residentes no País; Decreto n. 4.400/2002, altera Decreto n. 2.771/98, que regulamenta a Lei n. 9.675/98 sobre registro provisório para estrangeiro em situação ilegal no território nacional. A Lei n. 9.265/96 dispõe sobre a gratuidade dos atos necessários ao exercício da cidadania. E o Decreto n. 4.246/2002 promulga a Convenção sobre o Estatuto dos Apátridas (aqueles que não são considerados como seus nacionais por nenhum Estado). Pela EC n. 3/94, portugueses, que residirem permanentemente no Brasil, havendo reciprocidade em favor dos brasileiros, terão os direitos inerentes aos brasileiros, salvo os próprios dos brasileiros natos, previstos na CF/88. Sobre naturalização: Lei n. 6.815/80 e CF, art. 12, II, b. 138. Orlando Gomes, op. cit., p. 152. 139. Orlando Gomes, op. cit., p. 153; Colin e Capitant, Cours de droit civil français, e Henri de Page, Traité élémentaire de droit civil belge, v. 1. 140. Serpa Lopes, op. cit., v. 1, p. 312. 246 nunciável, de modo que nula seria a renúncia de alguém ao estado de filho141. Contudo, essa indisponibilidade não acarreta a impossibilidade de sua mutação, pois, p. ex., o casado pode passar a ser viúvo ou divorciado. Todavia, tal mutabilidade não é arbitrária, pois requer a verificação de determinadas condições ou formalidades legais, como: morte, divórcio, separação extrajudicial ou judicial, ação de investigação de paternidade, naturalização, adoção etc.142. É imprescritível, por ser elemento integrante da personalidade, não podendo desaparecer pelo simples decurso do tempo; nasce com a pessoa e com ela desaparece, por ocasião de seu falecimento143. O estado civil recebe proteção jurídica de ações de estado, que têm por escopo criar, modificar ou extinguir um estado, constituindo um novo, sendo, por isso, personalíssimas, intransmissíveis e imprescritíveis, requerendo a intervenção estatal. É o que se dá com a interdição, separação, divórcio, anulação de casamento etc., que resultam de sentença judicial144 ou de ato notarial. e.3. Domicílio O domicílio é a sede jurídica da pessoa145, onde ela se presume presente para efeitos de direito e onde exerce ou pratica, habitualmente, seus atos e negócios jurídicos146. C u r s o d e D i r e i t o C iv il B r a s i l e ir o 141. Serpa Lopes, op. cit., v. 1, p. 312. 142. Orlando Gomes, op. cit., p. 152; Serpa Lopes, op. cit., v. 1, p. 312 e 313. 143. Serpa Lopes, op. cit., v. 1, p. 313 e 314. 144. Serpa Lopes, op. cit., v. 1, p. 316-20; Orlando Gomes, op. cit., p. 153. 145. O vocábulo "domicílio" deriva de domtis, designando o lugar em que a pessoa estabeleceu o seu lar doméstico e concentrou o conjunto de seus interesses. Esta é a definição do direito romano (L. 7. Cod. de incol.): “ubi quis larem rerumque ac fortunanun summam constituit; unde non sit discessurus, si nil avocet; unde, quum profectus est, peregrinari videtur, quo si rediit, peregrinari iam destitif. Serpa Lopes, op. cit., v. 1, p. 271. Aubry e Rau (Droit civil, 5. ed., t. 1, § 141) o consideram como uma relação entre uma pessoa e um lugar, onde é reputada presente, posto que aí não resida habitualmente. 146. W. Barros Monteiro, op. cit., v. 1, p. 132; Zeno Veloso, O domicílio, RDC, 75:32. Bruno Lewicki, O domicílio no Código Civil de 2002, Aparte geral,, cit., p. 123 e s.; José Bonifácio B. de Andrada e Erika Moura Freire, Domicílio no novo Código Civil, O novo Código Civil — estudos em homenagem a Miguel Reale, São Paulo, LTr, 2003, p. 85-100. Vide CPC, arts. 94 e 96; CC, art. 327; Lei n. 9.099/95, art. 4a; Súmula 23, de 6 de outubro de 2006, da Advocacia Geral da União: É facultado a autor domici 247 T e o r ia G e r a l d o D i r e i t o C iv il Entretanto, convém distingui-lo da residência e da habitação. Na habitação ou moradia tem-se uma mera relação de fato, ou seja, é o local em que a pessoa permanece, acidentalmente, sem o ânimo de ficar (p. ex., quando alguém hospeda-se num hotel em uma estância climática ou aluga uma casa de praia, para passar o verão). A residência é o lugar em que habita, com intenção de permanecer, mesmo que dele se ausente temporariamente. O domicílio é um conceito jurídico, por ser o local onde a pessoa responde, permanentemente, por seus negócios e atos jurídicos147, sendo importantíssimo para a determinação do lugar onde se devem celebrar tais atos, exercer direitos, propor ação judicial, responder pelas obrigações (CC, arts. 327 e 1.785). O domicílio civil, segundo o art. 70 do Código Civil, é o lugar onde a pessoa estabelece sua residência com ânimo definitivo, tendo, portanto, por critério a residência. E acrescenta no art. 72 que: "É também domicílio da pessoa natural, quanto às relações concernentes à profissão, o lugar onde esta é exercida". Com isso admite-se o domicílio profissional, quebrando-se o princípio da unidade domiciliar. Tanto o local da residência como o do exercício da profissão são considerados domicílios, por ser comum, hodiernamente, nos grandes centros urbanos, que as pessoas residam numa localidade e trabalhem em outra. Há dois elementos: o objetivo, que é a fixação da pessoa em dado lugar, e o subjetivo, que é a intenção de ali permanecer com ânimo definitivo. Importa em fixação espacial permanente da pessoa. Admite nossa legislação civil, em seu art. 71, a pluralidade domiciliar, ao prescrever: "Se, porém, a pessoa natural tiver diversas residências, onde, alternadamente, viva, considerar-se-á domicílio seu qualquer delas" e no parágrafo único do art. 72 ao dispor: "Se a pessoa exercitar profissão em lugares diversos, cada um deles constituirá domicílio para as relações que lhe corresponderem". Logo, poderá ser acionada em qualquer desses lugares. P. liado em cidade do interior o aforamento de ação contra a União também na sede da respectiva Seção Judiciária (capital do Estado-membro). 147. Serpa Lopes, op. cit., v. 1, p. 273; Orlando Gomes, op. cit., p. 166; W. Barros Monteiro, op. cit., v. 1, p. 132; Caio M. S. Pereira, Instituições, cit., v. 1, p. 315; Rossel e Mentha (Manuel de droit civil suisse, v. 1, n. 123, p. 97) dão-nos o seguinte exemplo: um estudante que passa um ano na Europa, cumprindo "bolsa de estudos", não tem ali seu domicílio, embora lá resida e tenha o centro de suas ocupações estudantis. De Page, op. cit., n. 309. 248 C u r s o d e D i r e i t o C iv il B r a s i l e ir o ex., se alguém morar com sua família em um bairro da capital paulista, tendo escritórios no centro e na cidade de Santos, onde comparece em dias alternados, poderá ser acionado em qualquer desses lugares (CPC, art. 94, § l 2), sendo lícito ao autor escolher um deles (RT, 420:307, 464:189, 229:283, 214:314; STF, Súmula 483). Se alguém, por exemplo, tiver firmas ou escritórios em Piracicaba, Americana e Campinas, onde, em razão do ofício, comparece em dias alternados da semana, considerar-se-ão seus domicílios quaisquer daqueles centros de ocupações habituais para as relações jurídicas que lhes corresponderem. P. ex., "A" é dono de uma fábrica de azulejos em Piracicaba, de uma construtora em Americana e de uma loja especializada em materiais de construção em Campinas; logo, seu domicílio referente a venda de materiais de construção é em Campinas; o alusivo à obrigação de construir prédios em Americana e o atinente à produção de azulejos em Piracicaba. Com isso acata o novo Código Civil, como já apontamos, o domicílio profissional (centro habitual de ocupação, que é o lugar onde a pessoa exerce, com habitualidade, sua atividade ou serviço) e quebra o princípio da unidade domiciliar. Tanto o local de residência como o do exercício da profissão são considerados domicílios, por ser comum, hodiemamente, nos grandes centros urbanos, que as pessoas residam numa localidade e trabalhem em outra. Porém, se a pluralidade for de réus (CPC, art. 94, § 4a), com diferentes domicílios, serão demandados no foro de qualquer deles, à escolha do autor (AJ, 89:452)148. Quando a norma processual diz que o réu deve ser acionado em seu domicílio, significa que a ação deve ser proposta na comarca onde tem o centro de seus negócios ou residência e não na rua ou bairro em que se situa. O nosso Código Civil, em seu art. 73, admite que há casos excepcionais em que um indivíduo não tem domicílio fixo ou certo, ao estabelecer que aquele que não tiver residência habitual (nômade, como p. ex. o cigano), ou empregue a vida em viagens, sem ponto central de negócios (artista de circo), terá por domicílio o lugar onde for encontrado (CPC, art. 94, § 2e). Tal lugar não é propriamente o domicílio, mas vale como domicílio, afirma Zeno Veloso. Trata-se do domicílio aparente ou ocasional, apontado por Henri de Page, visto que cria a aparência de um domicílio num local que pode 148. W. Barros Monteiro, op. cit., v. 1, p. 135. 249 T e o r ia G e r a l d o D i r e i t o C ivil ser considerado por terceiro como sendo o seu domicílio. Presumir-se-á que a pessoa está domiciliada no lugar em que for encontrada149. Duas são as espécies de domicílio: 1) Necessário ou legal, quando for determinado por lei, em razão da condição ou situação de certas pessoas. Assim: a) o recém-nascido adquire o domicílio de seus pais150, ao nascer; b) o incapaz (CC, arts. 3S e 4S), o de seu representante ou assistente (CC, art. 76, parágrafo único; RJ, 181:96); c) o itinerante, o do lugar onde for encontrado (LINDB, art. 7-, § 8a; CC, art. 73); <í)ode cada cônjuge, será o do casal (CC, art. 1.569, e Lei n. 6.515/77, art. 22); o viúvo sobrevivente conserva o domicílio conjugal, enquanto, voluntariamente, não adquirir outro (RF, 159:81); e) o servidor público tem por domicílio o lugar onde exerce permanentemente sua função. Se sua função for temporária, periódica ou de simples comissão, não implicará mudança domiciliar, permanecendo naquele que tinha antes de assumir o cargo, hipótese em que seu domicílio será voluntário, e não legal. Se o servidor já exercia função efetiva e em razão de um comissionamento é transferido temporariamente, mudança de domicílio não haverá, pois continuará tendo por domicílio aquele onde exerce suas funções em caráter efetivo. Há autores que afirmam o desaparecimento da obrigatoriedade de ter o servidor público licenciado por domicílio o lugar de suas funções, uma vez que a lei se refere a efetivo exercício do cargo. Mas julgado já houve, inclusive do Supremo Tribunal Federal, entendendo que a concessão de licença ao servidor público não atingirá seu domicílio legal. Todavia, se certo servidor público resolve pedir afastamento prolongado para tratar de interesses pessoais, mudando de residência para outro local, com intenção de transferir-se definitivamente para tal lugar, não haverá como prendê-lo ao domicílio funcional, ante a configuração do domicílio voluntário (CC, art. 76, parágrafo único); f) o do militar em serviço ativo é o lugar onde servir, sendo da Marinha ou da Aeronáutica, a sede do comando a que se encontra imediatamente subordinado (CC, art. 76, parágrafo único). O mesmo se diga do das polícias estaduais. O militar reformado não terá domicílio legal, uma vez que o art. 76 149. Código alemão, art. 7°. Planíol, Ripert e Boulanger, Traité êlêmentaire de droit civil, v. 1, n. 535; Caio M. S. Pereira, Instituições, cit., v. 1, p. 322; Zeno Veloso, O domicílio, cit., p. 21; Orlando Gomes, op. cit., p. 138; P. Stolze Gagliano e R. Pamplona FQ, Novo curso, v. 1, p. 250. 150. Caio M. S. Pereira, Instituições, cit., v. 1, p. 324; Serpa Lopes, op. cit., v. 1, p. 275; Andreas von Tuhr, DerAllgemeine Teil des Deutschen Bürgerlichen Rechts, § 28. Vide: RJTJSP, 128:102; RT, 679:81. 250 C u r s o d e D i r e i t o C iv i l B r a s i l e ir o apenas faz menção ao que se encontra em serviço ativo. Se o militar na ativa estiver exercendo suas funções fora do local de seu domicílio, desempenhando diligências em outros pontos, este será o da sede de sua guarnição ou quartel, pois ficará vinculado ao corpo de que faz parte e de que só se afastara temporariamente; g) os oficiais e tripulantes (marítimos) da Marinha Mercante, o lugar onde estiver matriculado o navio (CC, art. 76, parágrafo único); h) o preso, o lugar onde cumpre a sentença (CC, art. 76, parágrafo único; RT, 463:107). Tratando-se de preso internado em manicômio judiciário, é competente o juízo local para julgar pedido de sua interdição, nos termos do art. 76 do Código Civil (RT, 463:107). Se se tratar de preso ainda não condenado, seu domicílio será o voluntário; z) o agente diplomático do Brasil que, citado no estrangeiro, alegar extraterritorialidade, sem indicar seu domicílio no país, poderá ser demandado no Distrito Federal ou no último ponto do território nacional onde o teve (CC, art. 77). Deveras, o agente diplomático, por representar seu país, não poderá sujeitar-se à jurisdição estrangeira. O respeito mútuo que deve existir entre os Estados soberanos exige que o enviado diplomático fique, ao desempenhar siias funções, sob a jurisdição de seu país. O termo "extraterritorialidade" indica, no art. 77, tão somente o privilégio, inerente ao agente diplomático, de não se submeter a outra jurisdição que não seja a do Estado que representa. Os agentes diplomáticos brasileiros têm por domicílio o país que representam, devendo ser acionados perante a Justiça do Brasil. Se o agente diplomático brasileiro for citado no exterior e alegar a imunidade sem designar o local onde tem, no país, o seu domicílio, deverá responder perante a Justiça do Distrito Federal ou do último ponto do território brasileiro onde o teve. Será perante a Justiça do país que representa que o diplomata deverá ser acionado, exceto se: a) houver renúncia à extraterritorialidade, mediante prévia autorização de seu governo; b) revelar, por atos praticados, o firme propósito de renunciar àquele privilégio, envolvendo-se, p. ex., em operações mercantis ou aceitando o encargo de ser tutor de menor, solucionando demandas oriundas desses atos, comparecendo perante tribunal estrangeiro; c) tratar de ação relativa a imóvel de sua propriedade situado em território alienígena, desde que tal prédio não seja a sua residência, a sede da legação ou consulado. Não há, contudo, em certos casos exclusividade de domicílio legal; a pessoa que a ele estiver submetida, ainda conserva o anterior, podendo ter domicílio plúrimo. Realmente nada impede que um servidor público tenha por domicílio necessário o local onde exerce suas funções e por domicílio voluntário o lugar onde tenha sua residência habitual. 251 T e o r ia G e r a l d o D i r e i t o C iv il 2) Voluntário, quando escolhido livremente, podendo ser "geral", se fixado pela própria vontade do indivíduo quando capaz, e "especial", se estabelecido conforme os interesses das partes em um contrato (CC, art. 78; CPC, arts. 95 e 111; STF, Súmula 335), a fim de fixar a sede jurídica onde as obrigações contratuais deverão ser cumpridas ou exigidas151. Perde-se o domicílio anterior152: 1) Pela mudança (CC, art. 74), porque o domicílio da pessoa passa a ser o mais recente, deixando de ser o anterior. Tem-se a mudança voluntária quando houver transferência de residência, com a intenção de deixar a anterior para estabelecê-la em outra parte (KF, 91:406). A prova dessa intentio resultará do que declarar a pessoa às municipalidades dos lugares, que deixa, e para onde vai (p. ex., fazendo alteração no cadastro das companhias de telefone, luz e água ou no da prefeitura municipal, atualizando dados alusivos ao pagamento de impostos e taxas), ou, se tais declarações não fizer, da própria mudança, com as circunstâncias que a determinaram (CC, art. 74, parágrafo único). Como, em regra, a pessoa natural que se muda não faz tal declaração, seu ânimo de fixar domicílio em outro local resultará da própria mudança, com as circunstâncias que a acompanharem. Como às vezes é muito difícil a caracterização da manifesta intenção de mudar, em razão da subjetividade que a reveste, o órgão judicante deverá, em cada caso que se submeter à sua apreciação, averiguar as circunstâncias ocorrentes, certificando- -se de que houve fixação de novo domicílio. Consequentemente, não poderá considerar mudança de domicílio o fato de ter a pessoa natural passado a residir, transitoriamente, por motivo de serviço ou de férias em determinado local, tendo-se em vista que o domicílio requer permanência. 2) Por determinação de lei, pois, nas hipóteses de domicílio legal, o domicílio antecedente cede lugar ao do preceito normativo, caso em que terá 151. R. Limongi França, Domicílio, in Manual de direito civil, 3. ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 1975, v. 1; Bassil Dower, op. cit., v. 1, p. 125; Caio M. S. Pereira, Instituições, cit., v. 1, p. 328 e 329; W. Barros Monteiro, op. cit., v. 1, p. 140; Jones F. Alves e Mário Luiz Delgado, Código, cit., p. 68; AJ, 118:8, 114:61, 119:229, 107:321; RT, 131:156, 206:352, 450:193, 460:206, 459:176, 480:140, 474:178, 448:196, 460:179. Mas não prevalecerá o foro de eleição se a ação versar sobre imóvel ou direito real, caso em que será competente o da situação do bem (CPC, art. 95). Tem havido julgado do STJ entendendo ser nula a cláusula que elege o foro nos contratos por adesão, atinentes a consórcio por atentar contra o art. 51, IV, da Lei n. 8.078/90. 152. R. Limongi França, op. cit., v. 1, cap. referente ao "Domicílio"; Zeno Veloso, O domicílio, Revista da Ordem dos Advogados, Lisboa, set. 1985, p. 391-432, ano 45. STJ, Súmula 58. Vide Decreto n. 1.041/94, art. 29, sobre domicílio fiscal da pessoa física. 252 mudança domiciliar compulsória, imposta por lei. Assim, se alguém for aprovado em concurso, passando a ser servidor público, perderá o domicílio anterior e passará a ter por domicílio o lugar onde exercer permanentemente suas funções (CC, art. 76). Mas, ante o art. 71, parece-nos que o primeiro domicílio não deverá ser desconsiderado, visto que pelo novo Código Civil admitida está a pluralidade domiciliar. Nada obsta que aquele servidor tenha o domicílio legal e mantenha o voluntário; a interpretação sistemática permite concluir pela permanência de domicílio plúrimo e pelo caráter não exclusivo do domicílio necessário. 3) Por contrato, em razão de eleição das partes (Súmula 335 do STF; RT, 182:456, 665:134, 694:175, 718:165, 725:361, 780:380, 784:284, 787:276 e 315, 791:364, 794:331; RSTJ, 140:330, 129:212; JTA, 92:365), no que atina aos efeitos dele oriundos (CC, art. 78). Trata-se do domicílio de eleição ou contratual, baseado no princípio da autonomia da vontade; que permite aos contratantes a escolha do foro onde se promoverá o cumprimento ou a execução do ato negocial efetivado por eles. Esse domicílio gera a competência ratione loci para solução de eventual conflito entre contratantes, determinando o foro em que a demanda deverá ser julgada. F . E X T I N Ç Ã O DA P E R S O N A L ID A D E N A T U R A L Cessa a personalidade jurídica da pessoa natural com a morte real (CC, art. 6-, I a parte), deixando de ser sujeito de direitos e obrigações, acarretando: 1) dissolução do vínculo conjugal (Lei n. 6.515/77 e CC, art. 1.571,1) e do regime matrimonial; 2) extinção do poder familiar (CC, art. 1.635,1); dos contratos personalíssimos, como prestação ou locação de serviços (CC, art. 607), e mandato (CC, art. 682, II; STF, Súmula 25); 3) cessação da obrigação de alimentos, com o falecimento do credor, pois, com o do devedor, seus herdeiros assumirão os ônus até as forças da herança (Lei n. 6.515/77, art. 23; CC, art. 1.700; RJTJSP, 82:38; RT, 574:68); da obrigação de fazer, quando convencionado o cumprimento pessoal (CC, arts. 247 e 248), do pacto de preempção (CC, art. 520); da obrigação oriunda de ingratidão de donatário (CC, art. 560); 4) extinção do usufruto (CC, art. 1.410, I; CPC, art. 1.112, VI); da doação em forma de subvenção periódica (CC, art. 545); do encargo da testamentaria (CC, art. 1.985); do benefício da justiça gratuita (Lei n. C u r s o d e D i r e i t o C iv i l B r a s i l e ir o 253 1.060/50); 5) perda da capacidade de ser parte em processo judicial (TJRS, Ap. Cível 70.017.278.250, rei. Amo Werlang, j. 28-2-2007)153, Outrora, admitia-se a morte civil, como fator extintivo da personalidade, em condenados a penas perpétuas e religiosos professos; conquanto vivos, eram considerados mortos na seara jurídica154. Entretanto, há algims resquícios de morte civil na nossa ordenação jurídica, p. ex., no já revogado art. 157 do Código Comercial, como causa de extinção do mandato mercantil, que nunca vigorou no Brasil, e no art. 1.816 do Código Civil, segundo o qual são pessoais os efeitos da exclusão da herança por indignidade. Os descendentes do herdeiro excluído sucedem, como se ele morto fosse; no Decreto-lei n. 3.038/41, art. 7a, e Lei n. 6.880/80, art. 130, que dispõem que uma vez declaràdo indigno do oficialato, ou com ele incompatível, perderá o militar o seu posto e patente, ressalvado à sua família o direito à percepção de suas pensões155. A morte presumida (CC, arts. 6a, 2- parte, e 92, IV) pela lei se dá com declaração da ausência de uma pessoa nos casos dos arts. 22 a 39 do Código Civil e dos arts. 1.161 a 1.168 do Código de Processo Civil, apenas no que concerne a efeitos patrimoniais e alguns pessoais156 (CC, art. 1.571, § l 2). Realmente, se uma pessoa desaparecer, sem deixar notícias, como já explicamos em páginas anteriores, qualquer interessado na sua sucessão ou o Ministério Público (CPC, art. 1.163) poderá requerer ao juiz a declaração de T e o r ia G e r a l d o D i r e i t o C iv il 153. W. Barros Monteiro, op. cit., v. 1, p. 74; Savigny, Traité de droit romain, v. 2, p. 165. Vide Provimentos CGJ n. 12/82, 30/89, 53/89, 58/89,19/90,10/94, 20/95 e 1/96; Portaria n. 474/2000 da Fundação Nacional de Saúde, sobre coleta de dados, fluxo e periodicidade de envio das informações sobre óbitos para o Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM). 154. W. Barros Monteiro, op. cit., v. 1, p. 75. 155. Caio M. S. Pereira, Instituições, cit., v. 1, p. 209; W. Barros Monteiro, op. cit., v. 1, p. 74. 156. Caio M. S. Pereira, Instituições, cit., v. 1, p. 210; RF, 195:269. Sobre morte presumida do segurado na previdência social, arts. 74, III, e 78 da Lei n. 8.213/91 e arts. 105, III, e 112 do Decreto n. 3.048; do militar, Decreto-lei n. 4.819/42; de servidor público, Decreto-lei n. 5.782/43; de militar da aeronáutica, Decreto-lei n. 6.239/44. Consulte, ainda, Lei n. 6.015/73, art. 88 e parágrafo único, e Lei n. 9.140/95, alterada pela. Lei n. 10.536/2002, pela Lei n. 10.875/2004, e pelo Decreto de 16-12-2004, que reconhece como mortas pessoas desaparecidas em razão de participação, ou acusação de participação, em atividades políticas, no período de 2 de setembro de 1961 a 5 de outubro de 1988, admitindo indenização às suas famílias. Nesta última hipótese ter-se-á morte presumida, sem declaração de ausência admitida pelo art. 72 do Código Civil. Vide nossos comentários sobre ausência nas p. 147-51 desta obra. 254 sua ausência e nomeação de curador. Pelo art. 1.161 do Código de Processo Civil, dever-se-á publicar de dois em dois meses, até perfazer um ano, sete editais chamando o ausente. Sem sinal de vida do ausente, poderá ser requerida sua sucessão provisória e o início do processo de inventário e partilha de seus bens, ocasião em que a ausência do desaparecido passa a ser considerada presumida, tendo efeito semelhante ao do falecimento. Feita a partilha, seus herdeiros deverão administrar os bens, prestando caução real, garantindo a restituição no caso de o ausente aparecer. Dez anos depois do trânsito em julgado da sentença da abertura da sucessão provisória (CPC, art. 1.167, II), sem que o ausente apareça, ou cinco anos depois das últimas notícias daquele que conta com 80 anos de idade, será declarada a morte presumida do desaparecido a requerimento de qualquer interessado, convertendo-se a sucessão provisória em definitiva. Se o ausente retomar até 10 anos seguintes à abertura da sucessão definitiva, terá os bens no estado em que se encontrarem, e terá direito ao preço que os herdeiros houverem recebido com sua venda. Porém se regressar após esses 10 anos, não terá direito a nada (CPC, art. 1.168)157. Pelo art. 72, I e II e parágrafo único, do Código Civil e pela Lei n. 6.015/73, arts. 85 e 88, admitida está a declaração de morte presumida, sem decretação de ausência, em casos excepcionais, para viabilizar o registro do óbito, resolver problemas jurídicos gerados com o desaparecimento e regular a sucessão causa mortis, como: se for extremamente provável a morte de quem estava em perigo de vida ante as circunstâncias em que se deu o acidente: naufrágio, Incêndio, seqüestro, inundação, desastre (RT, 781:228) e se alguém, desaparecido em atividades de participação política (Lei n. 9.140/95, com a redação da Lei n. 10.536/2002) ou em campanha (ação militar) ou feito prisioneiro, não for encontrado até dois anos após o término da guerra. Nessas hipóteses, a declaração da morte presumida apenas poderá ser requerida depois de esgotadas as buscas e averiguações, devendo a sentença fixar a data provável do óbito. O óbito deverá ser, portanto, nesC u r s o d e D i r e i t o C i v i l B r a s i l e i r o 157. Bassil Dower, op. cit., v. 1, p. 65 e 66; Sebastião Luiz Amorim, Processamento da sucessão do ausente — presunção e declaração de morte, O direito civil no século XXI, cit., p. 521-32; José Antonio de Paula Santos Neto, Da ausência, São Paulo, Juarez de Oliveira, 2001. A Súmula do STF 331 dispõe que "é legítima a incidência do imposto de transmissão causa mortis no inventário por morte presumida". Vide o que dissemos anteriormente no item C. 2, p. 149 e s. sobre o processo de declaração de ausência. 255 ses casos, justificado judicialmente, diante da presunção legal da ocorrência do evento morte. E a data provável do óbito, fixada por sentença, demarcará o dies a quo, em que a declaração da morte presumida irradiará efeitos. A sentença declaratória de morte presumida, apesar de ter eficácia contra todos, não fará coisa julgada material, sendo suscetível de revisão, a qualquer momento, desde que apareçam provas relativas à localização do desaparecido, que, se retomar ao seu meio, voltará ao estado anterior, na medida do possível, deixando de existir a declaração judicial de seu óbito, que retroagirá ex tunc, ou seja, à data de seu desaparecimento, visto tratar-se de presunção juris tantum. A existência da pessoa natural cessa com a morte natural, ou presumida, devidamente registrada em registro público (CC, art. 9-, I e IV), que determina o exato momento da abertura da sucessão, também designado de devolução hereditária, pois a partir dele os herdeiros recebem, de imediato, a posse e a propriedade da herança. Temos, ainda, a morte simultânea ou comoriência prevista no Código Civil, art. 8a, que assim reza: "Se dois ou mais indivíduos falecerem na mesma ocasião, não se podendo averiguar se algum dos comorientes precedeu aos outros, presumir-se-ão simultaneamente mortos"158. Embora o problema da comoriência tenha começado a ser regulado a propósito de caso de morte conjunta no mesmo acontecimento, ele se coloca, como se pode ver pela redação do art. 8a do Código Civil, com igual relevância, em matéria de efeitos dependentes de sobrevivência, nos casos de pessoas falecidas em lugares e acontecimentos distintos, mas em datas e horas simultâneas ou muito próximas. A expressão "na mesma ocasião" não requer que o evento morte se tenha dado na mesma localidade; basta que haja inviabilidade na apuração exata da ordem cronológica dos óbitos. Esse artigo tem grande repercussão na transmissão de direitos, pois se os comorientes são herdeiros uns dos outros não há transferência de direitos, um não sucederá ao outro, sendo chamados à sucessão os seus herdeiros. Há mera presunção juris tantum de comoriência. Se "A", viúvo, idoso, cardíaco e que não sabia nadar, falecer num naufrágio, juntamente com seu único filho solteiro "B" de 20 anos, saudável e bom nadador, não há presunção iure et de iuris da T e o r ia G e r a l d o D i r e i t o C iv il 158. Código alemão, art. 20. Consulte efeitos da morte presumida: Mário Luiz Delgado, Problemas áe áireito intertemporal no Código Civil, São Paulo, Saraiva, 2004, p. 137-41. 256 C u r s o d e D i r e i t o C iv i l B r a s i l e ir o pré-morte de "A", pois os interessados na herança poderão provar isso por qualquer meio admitido em direito. Aquela presunção juris tantum é inferida da expressão do art. 8S "não se podendo averiguar", que admite prova contrária, ou seja, da premoriência, sendo o onus probandi do interessado que pretende provar, com o auxílio de perícia, testemunhas etc., que a morte não foi simultânea, trazendo por consequência a alteração da vocação hereditária. P. ex.: suponhamos que marido e mulher faleçam numa queda de avião, sem deixar descendentes ou ascendentes. Presumamos que testemunhas tenham encontrado o marido morto e a mulher com sinais de vida, ou que o interessado na herança tenha comprovado a premoriência do marido. Considerando a ordem de vocação hereditária, a mulher herda os bens do marido se ele faleceu primeiro, transmitindo-os aos seus herdeiros colaterais; com isso, os herdeiros colaterais do marido nada receberão. B M u lh e r fa le c e o .......*>• r e c e b e 1 0 0 % d a h e r a n ç a às 2 3 h s .< ? H e ra n ç a t k £ F 5 0 % 5 0 % T io d e T ío d e B B Se dúvida houver no sentido de se saber, com precisão, quem morreu primeiro, o magistrado aplicará o art. 8a do Código Civil, caso em que não haverá transmissão de direitos entre as pessoas que faleceram na mesma ocasião; logo, a parte do marido irá para seus herdeiros colaterais e a da mulher para os herdeiros colaterais dela (RT, 100:550)159. 159. Bassil Dower, op. cit., v. 1, p. 66 e 67; Caio M. S. Pereira, Instituições, cit., v. 1, p. 211 e 212; W. Barros Monteiro, op. cit., v. 1, p. 76 e 77; Da comoriência, Ciência Jurídica, 9:23; Francisco José Cahali e Giselda Maria F. N. Hironaka, Curso avançado de direito civil, v. 6, Direito das sucessões, São Paulo, Revista dos Tribunais, p. 47. R, Limongi França, Comoriência e vocação hereditária, RT, 403:49. Consulte: RT, 422:175, 490:102, 452:213, 520:273, 524:115, 552:227, 665:93, 659:146, 587:121, 639:62 e 63, 659:146; JB, 158:269; TJSP, Agi 335.348-4/0,10a Câm. Dir. Priv., rei. João C. Saletti, j. 31-8-2004. C D Irm ã o d e Irm ã o d e A A A M a rid o e n c o n t r a d o m o r t o às 2 2 h s 257 T e o r ia G e r a l d o D i r e i t o C iv il A B M a rid o M u lh e r c o m o r ie n te c o m o r ie n te ''9 H e ra n ç a .... & "A ..... •&. 25% 25% 25% 25% C D E F Irm ã o d e Irm ã o d e T io d e T io d e A A B B Se o beneficiário sobreviver ao segurado, ainda que por segundos, seus herdeiros serão contemplados; se houver comoriência, seus sucessores ficarão privados do benefício (RT, 665:93 e 587:121); o mesmo ocorrerá com o pecúlio na previdência privada (RT, 659:146). Vide: Lei n. 11.976/2009, sobre declaração de óbito e realizaçao de estatísticas de óbitos em hospitais públicos e privados. 258 C u r s o d e D i r e i t o C iv il B r a s il e ir o Assim, graficamente, temos: E x tin ç ã o d a p e r s o n a lid a d e n a tu ra l & f % X m o rt e m o rt e m o r t e m o rte n a tu ra l d v il p re s u m id a s im u ltâ n e a c o m s e m d e c la r a ç ã o d e c r e ta ç ã o d e d e a u s ê n c ia a u s ê n c ia i Prova-se a morte pela certidão extraída do assento de óbito (Lei n. 6.015/73, arts. 29, III (regulamentado pelo Decreto n. 7.231/2010), 77 a 88; CC, art. 9a, I). Contudo, o aniquilamento não é completo com a morte, pois a vontade do de cujus sobrevive com o testamento e ao cadáver é devido respeito. Certos direitos produzem efeitos após a morte, como o direito moral do autor (Lei n. 9.610/98, art. 24, §§ l 2 e 2a), o direito à imagem e à honra. Militares e servidores públicos podem ser promovidos post mortem (vide Decs. n. 1.319/94, sobre promoção de oficial da ativa das Forças Armadas, 259 T e o r ia G e r a l d o D i r e i t o C iv il art. 17, e 4.853/2003, que aprova o Regulamento de Promoções de Graduados do Exército, arts. 4fl, IV, 8a, 33, § 4C, 34, I e II, §§ I a a 5a; Portaria n. 496/GM1, de 18-7-1996) e aquinhoados com medalhas e condecorações. A falência pode ser decretada, embora m orto o empresário (Lei n. 11.101/2005, art. 97, II). Há a possibilidade de reabilitar a memória do morto e casos há, ainda, em que a morte dá lugar a indenizações (CC, art. 948; STF, Súmulas 490 e 491)160. 160. W. Barros Monteiro, op. cit., v. 1, p. 75 e 76. Vide Decreto n. 1.319/94, sobre promoção de oficial da ativa das Forças Armadas, art. 17. Pelo Decreto n. 4.853/2003, art. 34: "A promoção post mortem é efetivada: I — quando o falecimento ocorrer em uma das seguintes situações: a) em ações de combate ou de manutenção da ordem pública; b) em consequência de ferimento recebido em campanha ou na manutenção de ordem pública ou de doença, moléstia ou enfermidade contraídas nessas situações ou que nelas tenham a sua causa eficiente; c) em consequência de acidente de serviço, na forma da legislação em vigor ou em consequência de doença, moléstia ou enfermidade que nele tenha sua causa eficiente; e II — quando o militar estiver abrangido pelos limites quantitativos fixados para a constituição dos QA, satisfeitas as demais condições exigidas para a promoção". Consulte: art. 12 e parágrafo único do Código Civil. Q uadro S in ó tic o Pf.SSOA NATURAL 1. CONCEITO DE PESSOA NATURAL 2. CAPACIDADE É o ser humano considerado como sujeito de direitos e obrigações. Conceito - É a maior ou menor extensão dos direitos de uma pessoa. • De gozo ou de direito - De fato ou de exercício Espécies Aptidão, oriunda da personalidade, para adquirir direitos e contrair obrigações na vida civil. Aptidão para exercer, por si, atos da vida civil. Conceito É a restrição legal ao exercício dos atos da vida civil. Absoluta Espécies 3. INCAPACIDADE Proteção aos incapazes Cessação da incapacidade Quando houver proibição total do exercício do direito pelo incapaz, acarretando a nulidade (CC, art. 166, I) se o realizar sem a devida representação legal. É o caso dos menores de 16 anos; dos que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática de atos da vida civil; dos que, mesmo por motivo transitório, não puderem exprimir sua vontade (CC, art. 3E, I, II e III). Refere-se àqueles que podem praticar, por si, os atos da vida civil, desde que assistidos por quem de direito os represente, sob pena de anulabilidade (CC, art. 171,1) do ato jurídico. E o caso dos maiores de 16 e menores de 18 anos; ébrios habituais, toxicômanos e deficientes mentais, que tenham discernimento reduzido; excepcionais, sem desenvolvimento mental completo e pródigos (CC, art, 4a, I a IV). CC, arts. 115 a 120,1.634, V, 1.690,1.747,1, 1.767,1.768,1.769,1.773, 588,198, I, 814, 181, 2.015; Lei n. 6.015/73, art. 50, § 2a; CP, arts. 44, II, /, e 173; Leis n. 8.069/90 e 8.242/91. o) Quando o menor atingir 18 anos (CC , art. 5a). b) Pela emancipação (CC, art. 5a, parágrafo único). Relativa 4. COMEÇO DA PERSONALIDADE NATURAL o) Pelo nome 5. INDIVIDUALIZAÇÃO DA PESSOA NATURAL Inicia-se (CC, art. 2S; Lei n. 6.015/73, arts. 50 a 54) com o nascimento com vida, ainda que o recém-nascido venha a falecer instantes depois, ressalvados desde a concepção os direitos do nascituro (CC, arts. 1.609, 1.779 e parágrafo único, e 1.798; Lei n. 8.974/95). » Sinal exterior pelo qual se designa a pessoa no seio da fa- « Conceito mília e da sociedade (Lei n. 6.015/73, arts. 54 a 58; Leis n. 9.454/97 e 9.453/97; Dec. n. 2.170/97; CC, arts. 16 a 19). • Prenome (Lei n. 6.015/73, art. 55, parágrafo único) é o próprio da pessoa. • Sobrenome (Lei n. 6.015/73, arts. 57, 59 e 60) é o sinal que identifica a procedência da pessoa, indicando sua filiação. ‘ Quando expuser seu portador ao ridículo. ■ Quando houver erro gráfico e mudança de sexo. ■ Quando causar embaraço no setor comercial ou profissional. ■ Quando houver apelido público notório. • Quando houver necessidade de proteger vítimas ou testemunhas de crimes (Lei n. 9.807/99, arts. 9-, §§ I a a 5a, 16 e 17). É a soma das qualificações da pessoa, permitindo sua apresentação na sociedade, em dada situação jurídica, para que possa usufruir das vantagens e sofrer os ônus dela decorrentes. » Individual, que é o modo de ser da pessoa quanto à idade, sexo e saúde. Aspectos - Familiar, que indica sua situação na família. • Político, qualidade jurídica que advém da posição da pessoa na sociedade política. • Indivisibilidade. Caracteres - Indisponibilidade. - Imprescritibilidade. Elementos Alteração (Lei n. 6.015/73, arts. 56 a 58 e parágrafo único) Conceito b) Pelo estado QJ *. £ (N Q_r^ $ -g _ra ra o> «. "O u « H c w ° 3 ra *çu o .£ % “D QJ Q_ OJ "O . ra < T 3 COO TO 4-» .y ;© 33 i-rj O r— . "O w"i 5TS i ^ S 3 _: CT t-T oj QJ - rQ CO U sC o tcn ‘c 1 cr'3 . o ^ c « 'S> Cü $ Q QJ CL) QJ T-i <^s § a » C O o . ^ ^ .s t; u ra QJQ -u tt) U